Deltan Dallagnol, procurador,
ao lado de Rodrigo Janot -
Terceiro / Giuliano Gomes
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Conversava outro dia com um amigo que tem uma casa de praia, e ele me contava de sua experiência kafkaniana com nossos fiscais corruptos. Para construir uma rampa para subir o jet-ski, foi preciso todo tipo de autorização e aprovação. Coisas do Brasil. Meu amigo, sujeito correto, “caxias” até, fez tudo certinho. E qual não foi sua surpresa quando um fiscal apareceu lá pedindo grana, sem mais nem menos, para não criar problemas?
Parêntese: a essência da burocracia brasileira é criar dificuldades legais para vender facilidades ilegais em seguida. São tantas normas, tantas regras arbitrárias, que sempre é possível encontrar uma ou outra coisa fora do lugar para tentar achacar os outros. O cerne da questão está justamente na quantidade excessiva de regras, fruto de uma fé boboca e infantil no estado burocrata como protetor contra empresários e “ricos malvados” em geral. Fecho o parêntese.
Meu amigo não quis conversa, disse que estava tudo feito dentro das normas, e mandou o fiscal embora. Qual não foi sua nova surpresa quando um oficial da Justiça apareceu com uma intimação às 6h da matina em sua casa?! Resumindo a história: ele foi duas vezes para tribunais, primeiro por uma alegação absurda de que a rampa não atendia aos padrões exigidos, depois sob acusação de impacto ambiental (é mole?). Gastou uma grana com advogado. Desgastou-se. Mas deu tudo certo.
E fiz essa longa introdução justamente pela conclusão que tivemos durante a conversa: sua impressão dos juízes que julgaram e logo arquivaram seus casos por falta de provas foi a melhor possível. Uma mulher jovem, de bom nível, agindo com firmeza e seriedade, e um rapaz jovem que também não perdeu tempo quando notou que aquilo era um absurdo. O receio de meu amigo era que os juízes também fizessem parte do esquema para obter subornos, mas ficou aliviado quando viu que eram pessoas jovens, determinadas e sérias.
Refletimos, então, se essa é uma nova tendência: promotores, juízes, procuradores, gente nova, com boa formação, com um salário que não deixa ninguém rico, mas que garante uma boa qualidade de vida, servidores públicos desprovidos do fervor ideológico de outrora, mas ciosos de sua função primordial no combate à impunidade e à corrupção. São casos cada vez mais comuns, felizmente.
E uma reportagem do GLOBO de hoje mostra exatamente isso, com base na turma por trás da Operação Lava-Jato:
Tendo entre 28 e 50 anos, os nove — Dallagnol, Mattos, Antonio Carlos Welter, de 46 anos, Athayde Ribeiro Costa, de 34, Januário Paludo, de 49, Orlando Martello Júnior, de 42, Paulo Roberto Galvão, de 36, Roberson Henrique Pozzobon, de 30, e Carlos Fernando dos Santos Lima, de 50 — são representantes de uma nova face do MP. Trabalham em conjunto, são especialistas em diferentes áreas — de improbidade administrativa a atividade policial, passando por colaboração jurídica internacional — e a maioria já concluiu o mestrado. Dallagnol estudou em Havard, e Lima, em Cornell, nos EUA. Welter passou pela Universidade de Coimbra, em Portugal, e Galvão, pela London School of Economics, na Inglaterra. Eles ainda costumam dar cursos na Escola Superior do Ministério Público e escrever livros e artigos.
[...]
— Essa nova geração do MP, que é formada por homens e mulheres do seu tempo, tem uma pauta de valores mais clara. Eles já não estão tão ligados à ideologia. Por isso, digo que essa juventude não é revolucionária, mas evolucionista. Esses novos procuradores têm consciência do poder do Ministério Público. Sabem que, com um pouco de boa vontade e destemor, podem operar contra a impunidade — disse o procurador Edilson Mougenot Bonfim, que costuma dar palestras no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) sobre a nova geração do MP:
— Muitos cresceram acompanhando as expectativas dos pais sobre o Brasil e agora podem corresponder a isso, trabalhando pelo fim da impunidade, pela igualdade de direitos e de aspirações. Se veem assim na incumbência histórica de levar à frente essas ações. Sabem que a vontade de termos uma sociedade melhor sempre existiu, mas veem que agora é o momento, que não dá mais para postergar.
Esse pessoal tem feito a diferença! Eles agem com coragem, com convicção na Justiça, no império das leis, no Estado Democrático de Direito, e valorizam sua independência. Assim como respeitam e estimam a independência da imprensa também. O procurador Dallagnol, discordando da presidente Dilma, que chegou a dizer que não é função da imprensa investigar, afirmou que enxerga na imprensa independente uma “aliada” na guerra contra a impunidade.
E somos mesmo! Nem preciso dizer que tenho orgulho de abrigar meu blog na Veja, ícone dessa imprensa independente que produz jornalismo de verdade, doa a quem doer. E por isso entendo tão bem o que motiva esses jovens procuradores e juízes: nem tudo na vida se mede pela conta bancária. Aliás, as coisas mais importantes não!
Eis algo que um vendido jamais entenderá. Os corruptos costumam medir os demais por sua régua, projetam o que são nos outros, olham a humanidade diante de um espelho. Como se vendem com facilidade, pensam que todos fazem o mesmo. Blogueiros e “jornalistas” que atuam na mídia chapa-branca, ganhando muito dinheiro de verbas estatais em troca da cumplicidade, revoltam-se com aqueles que preferem abrir mão de mais grana em troca de algo bem mais valioso: a consciência limpa e a convicção de que luta a boa luta em prol da liberdade e da justiça.
Juntos, a nova leva de jornalistas corajosos e sem o velho ranço ideológico marxista, e essa nova geração de servidores públicos honrados, preparados e sérios, têm uma chance rara de mudar o Brasil, de finalmente reduzir a impunidade e a corrupção, e implantar uma República de fato neste país. Saibam que contamos com todos vocês, admiramos seu trabalho, e estamos juntos na mesma luta. Tremei, corruptos!
Rodrigo Constantino
Fonte: O Globo
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