Ao longo dos dez primeiros dias de setembro, cerca de dez mil pessoas de 192 países diferentes estiveram reunidas em Honolulu, capital do estado norte-americano do Havaí, debatendo sobre os maiores desafios que a humanidade enfrenta hoje para conservar o meio ambiente. Além da paisagem maravilhosa que devem ter desfrutado das janelas do hotel onde ficaram hospedados, esses técnicos ambientalistas trabalharam bastante, é o que parece. Saiu de lá um documento que se chama “Navigating Island Earth”, com o compromisso coletivo de realizar transformações profundas na ordem mundial, “com especial atenção para tornar os nossos padrões de produção e consumo mais sustentáveis”. Ôpa, essa “atenção especial” está ficando cada vez mais recorrente depois que o Papa Francisco fez a mesma observação na Encíclica do ano passado.
A iniciativa da reunião foi da organização bipartite (com participação da sociedade civil e do governo) International Union for Conservation of Nature (IUCN), criada em 1948, considerada uma das autoridades globais quando o assunto é meio ambiente e as medidas necessárias para preservá-lo.No texto do documento, alguns pontos me chamaram a atenção porque têm sido lembrados muito mais por quem entende que a preservação da natureza deve vir lado a lado com uma preocupação social do que por quem preza e cultua a economia verde. Vejam alguns deles:
- Sobre a política de compensações de biodiversidade, os membros da Conferência fizeram questão de deixar claro que isso é apenas o último recurso. A prioridade deve ser evitar a perda da biodiversidade;
- Foi manifestado um forte apoio à conservação das florestas primárias, incluindo paisagens com florestas intactas porque elas são parte fundamental na manutenção da biodiversidade e vital para a proteção das culturas indígenas e para a sobrevivência de ribeirinhos, comunidades pobres e marginalizadas;
- Os membros do Congresso também concordaram e deixaram expresso o desejo de se criar uma categoria à parte, como sócio da Organização, para os povos indígenas, ressaltando a importância deles na preservação do meio ambiente.
Que não seja uma retórica inútil. Estudos têm sido feitos - e se propagados pela web entre pessoas que, como eu, se interessam pelo tema - em que se torna cada vez mais evidente que é preciso enfrentar sem rodeios a preservação do meio ambiente. Não mais para salvar apenas a pele das baleias e micos leões dourados, mas agora, sobretudo, para que pessoas que vivem cercadas pelo grande desafio de tirar do entorno seu sustento, possam ter uma vida digna. Falo dos índios, obviamente, mas também dos ribeirinhos e das comunidades pobres.
O último desses estudos de que tive conhecimento foi publicado na revista inglesa “Current Biology” e replicado pelo jornal britânico “The Guardian” na quinta-feira passada (8). Em resumo, os pesquisadores concluíram que a humanidade destruiu um décimo das terras virgens do mundo - incluindo aí as florestas – nos últimos 25 anos.
“Pesquisadores descobriram que uma área imensa, quase do tamanho de dois Alaskas – 3.3 milhões de quilômetros quadrados – que estava ainda intacta, foi invadida por atividades humanas entre 1993 e hoje. Esse resultado foi considerado muito ruim e ameaçador para a humanidade”, escreveu o repórter Adam Vaughan.
A notícia envolve a Amazônia que, segundo o resultado do estudo, é responsável por quase um terço dessa perda considerada catastrófica. E lembra que em 2012, pouco antes de o Brasil sediar a Rio+20 – encontro dos líderes mundiais para debater sobre meio ambiente vinte anos depois da Rio-92 -o desmatamento da Floresta Amazônica tinha caído para seu nível mais baixo. Uma decisão política de fiscalizar o desmatamento, tomada à época pelo governo da então presidente Dilma Roussef, fora apontada como responsável pela vitória sobre o desmatamento.Mas, como se sabe, essa fiscalização acabou sendo relaxada.
A perda dos últimos refúgios intocados da Terra é bastante preocupante, não só para os bichos que perdem seu habitat de uma hora para outra, como também porque vai na contramão do compromisso conseguido no ano passado na COP-21, de baixar as emissões de carbono para que o aquecimento global se mantenha em 1.5 grau.
"Sem quaisquer políticas para proteger essas áreas, elas são vítimas de desenvolvimento generalizado. Temos provavelmente uma ou duas décadas para virar esse jogo", disse o principal autor do estudo, James Watson, da Universidade de Queensland e Wildlife Conservation Society.
Seria bom que nossos políticos brasileiros parassem um pouco para ler, estudar e ouvir tais cientistas antes de elaborarem a nova Legislação Ambiental. Segundo reportagem publicada por Claudio Angelo no site do Observatório do Clima alguns pontos do rascunho da Lei Geral de Licenciamento Ambiental que está pronto para ser enviado ao Congresso Nacional no fim deste mês têm ainda o vício do desenvolvimentismo.
Vou detalhar mais abaixo poucos itens da lei, mas não quero deixar passar a lembrança que me veio à memória sobre a participação do Brasil na Conferência de Estocolmo em 1972. A resistência do país, à época governado por militares, foi tamanha, que o Secretário-Geral Maurice Strong chegou a afirmar que o Brasil liderava um movimento contra a realização do encontro.
Foi a época do “milagre brasileiro”, quando o país crescia a uma taxa inacreditável,de 12% ao ano. Segundo o relato do ecosocioeconomista Ignacy Sachs em seu livro “A terceira margem” (Ed. Companhia das Letras), a mensagem brasileira à frente dos 113 líderes que participaram da Conferência foi de que o país estava aberto para qualquer tipo de industrialização, incluindo aí a poluição que ela causaria. Importante mesmo era continuar a se desenvolver.
Fecha parêntesis. Vamos à Lei de Licenciamento Ambiental que está sendo feita agora, ou seja, mais de quatro décadas depois, e numa época em que muito já se adiantou nas descobertas sobre os reais e desastrosos impactos que a tal poluição causa nos humanos. Isso, quando não se está pondo na mesa os acidentes como aconteceu no ano passado em Mariana.
O Observatório do Clima teve acesso à Lei e conta como, de forma às vezes sutil, outras nem tanto, o texto atende aos setores produtivos, embora tenha sido alvo de críticas tanto de ruralistas quanto do setor industrial. Alguns pontos que chamaram atenção do autor da reportagem:
- Fazendeiros ficam dispensados de ter que tirar licença anual para produzir;
- Fica reduzido de 15 para 12 meses o prazo que os órgãos ambientais têm para emitir ou negar um Estudo de Impacto Ambiental e de oito para seis meses no caso da licença de instalação;
- Os órgãos licenciadores ficam desobrigados de fazerem consulta pública via internet. Isso quer dizer que a audiência pública obrigatória por lei terá que ser sempre presencial. Feche os olhos e imagine a distância que pessoas que moram à beira de rios no Amazônia têm que percorrer para se locomover. É o que basta para entender quão pouco eficazes serão tais encontros.
- O governo amplia para 90 dias o tempo que órgãos envolvidos, como Funai e Iphan, têm para se manifestar. Atualmente são 60 dias. Mas, de qualquer maneira, diz que a ausência desta participação não dificulta a licença.
Um ponto positivo da lei é a chamada Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) que, se for implementada, pode permitir avaliar antes as potencialidades ou fragilidades ambientais do local onde está planejado acontecer a obra. Hoje em dia, primeiro se toma a decisão de fazer o empreendimento e o licenciamento vem depois, como se fosse uma etapa burocrática do processo “a ser vencida”.
São firulas de legislação que, para serem bem aproveitadas, deveriam ser analisadas por pessoas que se permitem entender que já não se está mais a tempos de desconsiderar os alarmes científicos sobre a degradação ambiental e seus impactos nos homens. Uma pergunta fica no ar: se já tivesse em curso a nova legislação, será que a Hidrelétrica de Belo Monte teria sido construída?
Via G1
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