quinta-feira, 29 de abril de 2010

Temporais e politica

De temporais e políticas: o morro não tem vez?

Por Osvaldo Maneschy (*)

Moro na Travessa Beltrão em Niterói e vivi a tragédia das chuvas torrenciais do dia 6 de abril último. Acordei naquela madrugada com o deslizamento a menos de 200 metros da minha janela de classe média, no 12° andar, que arrastou 11 casas e matou 13 pessoas. Naquele momento a única coisa que me veio à cabeça foi o temporal de janeiro de 1966, ao pé da pedra de Santo Inácio, no Saco de São Francisco, onde também morei. Os gritos, o desespero e a angústia dos sobreviventes foram iguais.

Dois dias depois (8/4) dessa madrugada difícil passei em frente ao Morro do Bumba duas horas antes de ele se desmanchar em parte, ampliando em dezenas o número das vítimas fatais em Niterói. Passei na estrada do Viçoso Jardim a caminho de Maria Paula porque naquele dia e naquela hora era a única opção para se chegar a Pendotiba e a Região Oceânica. Todos os outros acessos – inclusive a subida da Caixa d’Água, rodovia estadual - estavam fechados. Não havia opção.

Hoje, dias depois das tragédias, lendo jornais e vendo TV, não dá para ficar calado diante do esforço de alguns em responsabilizar por tudo o que aconteceu ao prefeito Jorge Roberto Silveira e as políticas públicas de Leonel Brizola. Puro oportunismo político que só tem repercussão no mau jornalismo: os niteroienses não merecem as acusações levianas ao prefeito que elegeram quatro vezes, muito menos a memória de Brizola – um homem que dedicou sua vida aos brasileiros desfavorecidos.

O fato de Jorge Roberto não ter tido a presença do prefeito Eduardo Paes que, bem assessorado, convocou coletiva para as cinco da manhã do dia 6/4 e pediu para os cariocas não saírem de casa; não significa que ele só governe para ricos, como o acusam ex-adversários derrotados nas urnas. Não existe pesquisa mais representativa do que voto e os pobres de Niterói sempre prestigiaram Jorge Roberto para desgosto desses falsos críticos – alguns surfando a tragédia agora – em declarações à mídia.

Jogar pedras, depois de escalar o “culpado”, é fácil. A agilidade de alguns em tentar se livrar de responsabilidades também explica muita coisa: como é que o Comandante-Geral do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro, Pedro Machado, afirma no “Globo” de 9/4 que a corporação fez duas vistorias no Morro do Bumba antes da queda, uma no dia anterior e a outra no próprio dia do desabamento, mas não interditou o lugar porque isso era tarefa da Defesa Civil municipal - que tem três funcionários e é comandada por um policial civil?

Como é que o jornal “O Globo”, que por três dias seguidos dedicou sua manchete principal aos acontecimentos de Niterói, sempre com acusações ao governo municipal e ao “populismo” brizolista, ignorou que o estudo preparado por professores da UFF sobre encostas problemáticas na cidade não citava o Bumba?

E por que o “Jornal Nacional” da Rede Globo de Televisão questionou e mostrou a milhões de telespectadores a maquete da torre projetada por Oscar Niemeyer, parte do Caminho que leva o nome do grande arquiteto que está sendo construído em Niterói, para desqualificar Jorge Roberto como prefeito e ser humano por ter, numa reunião com o governador Sérgio Cabral dia 7/4, solicitado “apenas” 15 milhões para os desabrigados enquanto pretendia gastar, só para erguer a torre, R$ 19 milhões?

Se isto não é editorializar noticiário, como a “Veja” também fez pondo em sua capa o Cristo Redentor em lágrimas por conta das chuvas e da “irresponsabilidade” das políticas de inclusão social de Brizola, não aprendi nada em minha vida de jornalista que começou quando tinha 12 anos e ainda estudava no Liceu “Nilo Peçanha”. Há carne embaixo desse angu, como diria o velho Raul Ryff, Secretário de Imprensa do Presidente João Goulart, que tive a honra de conviver na redação do velho JB.

André Fernandes, da Agência de Notícias das Favelas, em artigo publicado no “Globo” da última segunda (19/4), relatou algo que desconhecia: a Prefeitura do Rio, de olho nas Olimpíadas de 2016 e na Copa do Mundo de 2014, antes das chuvas torrenciais do início de abril havia pautado a remoção de 119 favelas. Agora, depois da tragédia que abalou o Brasil, aumentou o número de comunidades a serem removidas para 158.

Não sou contra a retirada de pessoas que vivem em áreas comprovadamente de risco. Mas é preciso andar devagar com o andor porque o santo é de barro. Percebo claramente que há pessoas enxergando na tragédia ótima oportunidade para botar para fora velhos planos de remoção de favelas. Se possível para bem longe dos bairros nobres do Rio de Janeiro.

Daí também, na minha suspeita opinião, esse trabalho sistemático de parte da mídia de tentar desconstruir politicamente o filho de Roberto Silveira, um dos herdeiros políticos do legado de Vargas, Jango e Brizola. Jorge é um campeão de votos, um trabalhista histórico e é aí que mora o perigo. Se Jorge não fosse quem ele é, não teriam interesse em expô-lo e obrigá-lo a se defender, até de qualquer jeito. Parece mais uma estratégia de marketing para creditar a Niterói o noticiário que deveria estar se ocupando do Rio de Janeiro, foco que não interessa diante da proximidade da Copa e das Olimpíadas.

Naquele final de tarde em que o Bumba desabou, vi um carro de som passar na Jerônimo Afonso avisando as pessoas de que a vida delas, bem maior que dispunham, estava em risco. Precisavam sair de casa por causa do perigo. Não adiantou. Muitas ficaram e morreram soterradas. Não sei se o carro de som era municipal, estadual ou de alguma associação de morador. O fato é que ele avisou a todos da tragédia antes que ela acontecesse e quem não seguiu a sua recomendação sofreu as conseqüências.

Neste momento em que os governos, todos, anunciam aos quatro ventos a remoção de famílias das áreas de risco, e também a construção de milhares de moradias populares para reassentamento dessas famílias, não é um bom momento para a sociedade discutir as questões envolvidas? Uma delas, básica, onde conseguirão morar, com o aluguel social de R$ 400,00 pago pelo governo estadual, as famílias que forem removidas das áreas de risco? Em outros barracos em outras encostas? Ou longe de seus trabalhos e das escolas de filhos?

Como resolver o problema? Qual é a saída?

Já se perguntaram por que as pessoas que sofreram com as chuvas e desabamentos, como os sobreviventes dos morros, estão voltando para suas casas inseguras agora que recomeçou a fazer Sol, mesmo estando sujeitas a remoção compulsória com o uso de força policial? Já se perguntaram por que essas pessoas fazem isto? Falta a elas amor à vida? São irresponsáveis com os seus filhos? Ou falta a elas opção melhor?

Que os poderes públicos, estadual e municipal, pensem bem nisto tudo antes de obrigarem os pobres a saírem de suas casas – construídas sempre com muito sacrifício, alguns depois de perderem bens como camas, fogões, geladeiras e tevês - sempre comprados à prazo.

Remover é fácil, garantir moradia decente e perto do trabalho para quem realmente precisa, é que é difícil. A política de remoção de favelas de Carlos Lacerda já foi para o lixo da história há tempos. Vila Kennedy, nunca mais.

(*) Osvaldo Maneschy é jornalista.

Enviado por Segio Caldieri

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