sábado, 10 de julho de 2010

Três glórias da música brasileira

Meus amigos, o Luiz Antonio é um dos mais
importantes pesquisadores que tive a honra de
trabalhar no Museu da Imagem e do Som.
Vale conferir estas duas entradas para ver seu artigo
sobre importantes músicos paulistas e a sua
entrevista para a página João do Rio.
E ainda dizem que São Paulo é o túmulo do samba.
Conheçam o talento deste meu amigo e um elogio
pelo seu trabalho, o deixará muito feliz, com seus nomes,
suas cidades, seus estados e seus países.
Abração do Sergio Caldieri
Segue Artigo retirado do Blog João do Rio ...

Três glórias da música brasileira

Por Luiz Antonio de Almeida*


Dizem que brasileiro não tem memória. Entretanto, acredito que tal assertiva corresponda a uma meia verdade, pois existem memórias que não fazem falta a ninguém e aquelas que desaparecem mais por sua antigüidade do que pelo seu real valor. No final do ano 2000, por exemplo, uma rede de tevê resolveu fazer o concurso da brasileira mais bonita do séc. XX. A vencedora tratava-se de certa beldade que acabara de fazer uma novela naquela mesma emissora, portanto, sua imagem estava vivíssima na mente de milhões. Particularmente, achei tal escolha a maior “furada”, porque percebi, ali, uma espécie de consagração ao imediato, ao “fast-food”. Lembrei-me, inclusive, de uma mulher que por mais de quarenta anos enfeitou nossas vidas por meio do teatro, cinema e televisão: a diva Tônia Carrero.

Image

A reprodução dessa imagem de Tonia Carrero, que personificou Branca Barreto no filme “Tico-tico no fubá” (Vera Cruz, 1952), também se justifica como homenagem nossa a tempos pregressos, sem cilicone e Photoshop. (04)

E assim também se faz em relação à Música Brasileira... Quando criança, todas as vezes que eu assistia evento de música popular, a platéia praticamente cantava tudo. Era impressionante: “Luar do Sertão”, “Maringá”, “Adeus, Guacyra”, “Saudades da Amélia”, “Jura”, “Aquarela do Brasil”... Hoje, se alguém balbucia três linhas do “Carinhoso” já acho um milagre. Quanto mais o tempo passa, mais injustiças vão se acumulando. Porém, injustiças podem ser reparadas e o “resgate” de algumas personalidades do passado, sem dúvida, já seria um excelente primeiro passo nessa direção. E exatamente pensando assim, Haroldo Costa e eu resolvemos retirar do limbo do esquecimento, de uma só vez, três das mais importantes personalidades da Música Brasileira do século passado: Eduardo Souto, Marcelo Tupynamba e Zequinha de Abreu. Nascidos em São Paulo, todos alcançaram, em vida, o reconhecimento popular, a consagração de seus nomes.

Image

Lauro Gomes, produtor da Rádio MEC, Luiz Antonio de Almeida e Haroldo Costa. Lançamento da biografia de Catullo da Paixão Cearense. Palácio do Catete, 29 de julho de 2009. (03)

Mas, afinal, se nossos homenageados tiveram papel significativo na MPB, por quê o esquecimento nos dias de hoje? Citemos duas razões absolutamente significativas: a geográfica, os três nasceram no Brasil, e a instrumental, vez que o piano, na condição de principal veículo de divulgação da obra desses artistas, ao ser gradativamente substituído pelos fonógrafos, gramofones, victrolas, rádios e rádio-victrolas, foi levando de nossas vidas alguns dos mais belos momentos, das mais belas melodias que por aqui surgiram. E a situação dos Direitos Autorais também não ajudou em nada, pois só nos dias atuais, graças ao aprimoramento das leis e respectivos dispositivos de arrecadação, um compositor consagrado ainda tem a mínima chance de ver equiparado o saldo de sua conta bancária à projeção de seu nome.

Ernesto Nazareth, Francisca Gonzaga, Eduardo Souto, Zequinha de Abreu e Marcello Tupynambá, infelizmente, vislumbraram, na velhice, o horror das incertezas. Ernesto passou a contar com o auxílio dos filhos; Chiquinha subsistiu com algumas economias; Souto voltou a exercer a mesma atividade da mocidade: bancário; Zequinha foi vender música de porta em porta; Tupynambá, cego, veio a falecer em casa comprada com dinheiro arrecadado a partir de subscrição pública. E assim procuramos explicar o inexplicável...

Image

Eduardo Souto, jovem e bonitão,
com sua famosa mecha branca. (03)

Eduardo Souto nasceu em São Vicente, no litoral paulista, em 14 de abril de 1882. Ainda criança, veio com os pais e irmãos para Niterói, antiga capital do estado do Rio de Janeiro. Começou a carreira como regente de pequenas orquestras e coros, compositor e editor. De um desses coros destacou-se Bidu Sayão, soprano que alcançaria consagração internacional. Autor de músicas de carnaval, ele mesmo patrocinava um bloco, o “Tatu subiu no pau”, que saia pelas ruas do Rio cantando seus sucessos e tendo à frente o jovem Lamartine Babo. Souto foi um dos maiores incentivadores do carnaval carioca. Também diretor artístico da gravadora Odeon, sempre apoiou nomes como Francisco Alves, Vicente Celestino, Aracy Cortes, Noel Rosa, Braguinha, Sílvio Caldas, Jonjoca, entre outros.

Image

Recibo assinado por Eduardo Souto registrando
a impressão do tango “Magnífico”, de Ernesto Nazareth. (01)

Para se ter uma idéia da popularidade do Maestro Souto, lembremos algumas curiosidades: foi ele um homem muito bonito e de sua cabeleira negra despontava a mecha de cabelos brancos que passou a ser imitada por centenas de moças pela cidade, carinhosamente apelidadas de “eduardetes”. Souto abriu o, talvez, mais celebrado estabelecimento de músicas do Rio de Janeiro: a Casa Carlos Gomes. E por causa do prestígio dessa casa, inaugurada em 1917 (ano do nascimento de Nelson, primeiro de seus dois filhos), e da apreciação que o povo tinha por suas composições, entre as quais “O despertar da montanha”, “Um baile em Catumbi” e “Saudade”, coube a ele a responsabilidade por toda a programação musical oficial da visita do Rei Alberto e Rainha Elizabeth, da Bélgica, em 1920. E no final dessa década, uma de suas composições ainda seria utilizada como fundo musical do primeiro filme sonoro feito no Brasil. Faleceu em Copacabana, aos 18 de agosto de 1942. Tinha sessenta anos.

Image

Primoroso busto de Marcello Tupynambá, feito por Luís Morrone, inaugurado em 26 de agosto de 1967, à Praça do Jardim Público, Tietê, SP. (05)

Nascido em Tietê, São Paulo, no dia 29 (ou 30, segundo algumas publicações) de maio de 1889, o engenheiro de formação Fernando Álvares Lobo, sob o pseudônimo de Marcello Tupynambá, criou alguns dos mais famosos cateretês, toadas, canções e “tanguinhos”, alcançando, assim, projeção nacional. E dos seus maiores sucessos, hoje tão esquecidos, podemos citar: “Viola cantadeira”, “Tristeza de caboclo”, “O cigano” (fox-trot), “O matuto” e “Maricota, sai da chuva”.

Image

Registro preciosíssimo da participação de Marcello Tupynambá em programas da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro. 8 de outubro de 1925. (02)

Quando se começou a entender que havia diferença entre música feita no Brasil e música brasileira, a temática sertaneja acabaria sendo identificada como um dos modelos mais legítimos dessa nascente “brasilidade”. Tupynambá pontificou como o mais importante representante do gênero. E ainda que não tenhamos prova definitiva ou até que alguém nos traga informações de evento anterior, ele também pode ser considerado o primeiro artista brasileiro a se apresentar diante de público pagante interpretando somente obras da própria autoria. Ou seja, até março de 1924, jamais um compositor brasileiro estivera diante de um público na condição de intérprete das próprias músicas e cobrando ingresso. Aos 18 de setembro de 1950, durante inauguração da televisão em nosso país, o “Hino da Televisão Brasileira”, de autoria de Tupynambá e letra de Guilherme de Almeida, foi interpretado pela cantora (e depois atriz) Lolita Rodrigues. Nada mais apropriado que na tevê representada por um indiozinho tupi se ouvisse a música do grande guerreiro Tupynambá, que faleceria, pouco mais tarde, em 4 de julho de 1953, aos 76 anos.

Image

Zequinha de Abreu em São Paulo, 1930.
A fisionomia tranqüila de quem está de bem com a vida. (03)

José Gomes de Abreu, nascido em 19 de setembro de 1880, na cidade de Santa Rita do Passa Quatro, mais conhecido por Zequinha de Abreu, vivenciou uma carreira diferente, pois com a vida totalmente estruturada, a repercussão de suas composições em São Paulo, Capital, onde eram editadas, obrigou-o a abandonar a terra natal e mudar-se para a cosmopolita paulicéia. E ai ninguém mais o segurou... O sucesso foi tanto que Zequinha passou até a receber por obras ainda nem mesmo escritas; não se conhecendo, na história da MPB, até então, outro artista que gozasse de igual privilégio.

Image

Casa em que Zequinha e Durvalina passaram a morar recém-casados. Na soleira, a pianista Maria Alice Saraiva e Ana Caroline Stringuini Bernardo, priminha do compositor. Distrito de Estrela, Santa Rita do Passa Quatro, São Paulo, 1985. (03)

Certa feita, Zequinha se lembrara que deveria entregar, até o dia seguinte, pelo menos, uma música ao Vicente Vitale, seu editor. E, de madrugada, acordou a família gritando: “Terminei, terminei... Venham ouvir...” Ele tinha um chorinho guardado, desde 1917, e que possuía somente primeira e segunda partes. Zequinha acabava de escrever a terceira e última de nada menos que “Tico-tico no fubá”. Era 1930. Foi a glória artística de sua vida.

Image

Maria Alice Saraiva, Luiz Antonio de Almeida e o piano em que Zequinha de Abreu terminou de compor “Tico-tico no fubá”, entre outros de seus últimos sucessos. Estrela, Santa Rita do Passa Quatro, SP, 1986. (03)

No ano seguinte, em gravação da Orchestra Colbaz, dirigida pelo maestro Gaó, saiu um disco contendo “Tico-tico no fubá” e a valsa “Branca” e que chegou, segundo me contou o próprio Gaó, a 100 mil cópias vendidas, número pela primeira vez atingido por nossa indústria fonográfica. Zequinha, que nem viu a cor do dinheiro, faleceu aos 55 anos, em 22 de janeiro de 1935. Ainda assim, o “Tico-tico”, do ilustre santarritense, está entre as cinco composições brasileiras mais famosas em todo mundo.

Image

Foto curiosíssima: Dirce de Abreu, filha caçula de Zequinha, em casa de seu primo Luiz Antonio de Almeida, dedilhando no piano de Ernesto Nazareth. Jacarepaguá, RJ, 1986. (03)

*Pesquisador da Música Brasileira


Nenhum comentário:

AS MAIS ACESSADAS

Da onde estão acessando a Maria Preta