As medidas não são exatamente aquelas sonhadas pelos militantes do movimento negro que ajudaram o senador Paulo Paim (PT-RS) a redigir o projeto de lei 10 anos atrás. Mas o que sobrou da proposta, depois das tesouradas sofridas em uma década de tramitação no Congresso Nacional, entrará em vigor na próxima quarta-feira. Sonhado pelos grupos que combatem o racismo e atacado por quem considera mais preconceituoso ainda instituir políticas públicas de acordo com a cor da pele, o Estatuto da Igualdade Racial já começa a valer no Brasil suscitando discussões.
Os principais pontos criticados pelos próprios militantes em favor da igualdade racial no país concentram-se na ausência de temas considerados prioritários. “As cotas não poderiam ter ficado de fora, porque a sociedade não avança se não houver política afirmativa na área educacional. Retiraram também o dispositivo que previa a reserva de vagas nos meios de comunicação”, lamenta Nelson Inocêncio, professor da Universidade de Brasília (UnB). “Em toda negociação é preciso ter uma margem para ceder, mas o que houve foi uma mutilação do Estatuto.”
Para o ministro Eloi Ferreira de Araújo, da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, o único prejuízo do estatuto está no atraso de 122 anos. “Se na época da abolição da escravatura os negros já tivessem uma proteção legal que garantisse a igualdade de direitos, o desenvolvimento social do país teria sido mais harmonioso”, afirma Araújo. Ele atribui à nova legislação o início de uma caminhada rumo a um Brasil mais justo. “As ações afirmativas previstas no documento trazem ao mundo jurídico programas e ações para reduzir as desigualdades derivadas de 380 anos de escravidão.”
Sobre as políticas historicamente consideradas mais prioritárias quando o assunto é redução da desigualdade racial, Araújo prevê soluções em acertos futuros. “A cota é apenas uma das formas de colocar em prática as ações afirmativas. A fiscalização da presença de negros e de pardos nas universidades será feita com o Ministério da Educação e a Ouvidoria da secretaria. Já as cotas previstas nos partidos políticos, que também ficaram de fora do estatuto, serão matéria da reforma política. A representação da população negra tem que ser proporcional no Congresso e em outras esferas da política”, defende o ministro.
Na avaliação de frei David Raimundo Santos, diretor executivo da Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes (Educafro), embora seja inegável que o estatuto perdeu muito de seu conteúdo para ser aprovado no Congresso, o documento poderá ter efeito na militância pelo país afora. Ele acredita que o conjunto de leis, apesar de genéricas, só pelo simples fato de existir, despertará o senso crítico dos negros carentes de oportunidades. Menos otimista que frei David, Nelson Inocêncio teme que a legislação seja apenas mais um documento sem desdobramentos práticos. “É a minha opinião e a de muitos que acompanham o tema.”
Fonte: Correio Braziliense
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