A Unesco reconheceu esta semana a refeição à francesa como patrimônio imaterial da humanidade. É a primeira vez que a cultura culinária de um país recebe o honroso prêmio – também concedido, este ano, à dança flamenca espanhola, à tapeçaria iraniana e outras 45 tradições de diversos países.
O curioso é que o “tombamento” da gastronomia francesa não se refere a uma lista de pratos ou a receitas específicas. O que virou patrimônio da humanidade é a maneira dos franceses de comer: a arte do bien manger (frequentemente associado àquela do bien boire), tipicamente francesa.
É a maneira meticulosa de preparar, apresentar e servir os pratos. De combinar determinados alimentos com outros, que funcionem bem juntos. E estes, com as bebidas apropriadas. De privilegiar as frutas e legumes locais e da estação.
É também a mesa posta à francesa, os pratos, os talheres e copos adaptados ao menu do dia.
E o esquema da refeição – que começa com um aperitivo e termina com um digestivo, intercalados por pelos menos quatro pratos diferentes.
Entrada: normalmente a combinação de dois elementos simples. Ovo-maionese, patê e pão, uma salada de rúcula com tomates.
(O que a gente chama de salada no Brasil, por aqui é conhecido como “salade composée” e representa uma refeição completa – uma alternativa à refeição à francesa que, claro, não é para todo dia.)
Prato principal: necessariamente quente, a combinação de uma proteína e um carboidrato. Filé de pato e purê de batatas, salmão com molho e arroz, carne moída crua e batatas fritas (que não se chamam, em inglês, french fries à toa).
Queijo: é a parte mais facilmente dispensável, já que os tempos de crise exigem certa flexibilidade.
Sobremesa: com a metade do açucar usado nas receitas brasileiras.
Como digestivo, quase sempre um cafezinho. Que aqui seguramente não é como o daí.
Ainda que o tombamento reconheça que a verdeira refeição à francesa seja hoje quase que reservada aos grandes acontecimentos (como casamentos), na prática o esquema que se vê diariamente não é muito diferente disso.
Nos restaurantes, a refeição completa é estimulada por preços realmente competitivos, se comparados ao valor do prato simples.
Até na cantina das escolas, acreditem, é servida todos os dias a sequência dos quatro pratos.
É tão difícil encontrar algo que seja unanimidade neste país tão cheio de conflitos internos que a classificação da Unesco é algo a se comemorar. Ao redor de uma mesa, de preferência.
Carolina Nogueira é jornalista e mora em Paris há três anos, de onde escreve o blog Le Croissant.
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