terça-feira, 5 de julho de 2011

Bahia Cultural, por André Ferraro

Quero dinheiro e amor sincero

André Ferraro
Tenho pensado muito sobre essa coisa do crescimento de Pernambuco e perda de protagonismo da Bahia, seja do ponto de vista econômico ou cultural. Fico remoendo as coisas, procurando entender se isso não se localiza mais no âmbito midiático que real, mais na esfera virtual que factual. E resolvi falar do assunto nesse primeiro artigo para o Instituto Maria Preta, pedindo licença pra chegar e bênçãos pra falar – e não sei porque com dois exemplos na cabeça: Milton Santos e Ligia Ferraro, de muita saudade e admiração, de tanta fé e luta nas questões intelectuais, espaciais, humanas e raciais.

Sempre gostei muito de Pernambuco, do Recife, e tenho contato com esse lugar e cultura, centro amalgamador da alma sertaneja, há muito anos, desde a adolescência, tendo um aprofundamento mais intenso a partir de 2001, quando comecei a namorar com Bruna, meu amor, alma pernambucana vigorosa e decidida, que me leva a passar boa parte das férias anuais por lá, incluindo carnaval, e sentir a energia do Capibaribe pelo menos três vezes no ano. Isso há 10 anos. Tenho muitos amigos no Recife e percebi o crescimento do estado ao longo desse tempo, com um olhar apaixonado, mas crítico, de todo o processo - justiça seja feita, iniciado com a modernização da gestão promovida nos dois mandatos de Jarbas Vasconcelos - potencializado por Eduardo Campos, com todo apoio de Lula, e toda sua capacidade e vocação para o trabalho. Um craque, sem dúvida.


Ao ler ultimamente opiniões e artigos, de Caetano a Antonio, de Márcio a Aninha, sobre as perdas da Bahia, alguns tentando fazer um paralelo entre os dois estados, condicionando o aspecto cultural ao econômico e administrativo, tenho a tendência de, concordando em parte, bradar também meu entendimento sobre a Bahia atual. Um entendimento de quem vive esse lugar nas ruas – onde eu me sinto bem - com sua gente, meu capote de todo dia, sentindo sua grandiosidade e miséria. Que percebe, com humildade, o que está acontecendo além da mídia, além da cultura de massa, além do espectro projetado no imaginário da intelectualidade. E o que estou vendo é muito rico, me arrisco a dizer tão ou mais rico que a cena cultural atual do Recife. A Bahia sempre foi uma merda, mas boa pra caralho, o que precisamos é desvendá-la, lê-la com amor, parafraserando o próprio Caetano Veloso.

Como não falar do Rock feito hoje pelo Cascadura, maduro, inteligente e cheio de ginga, sem paralelo na obviedade pop nacional? Como não lembrar do fenômeno dos meninos do Vivendo do Ócio, já destaque na cena rocker do Brasil, com seu som vigoroso e visceral, saído do Pelourinho, da união de mulatos baianos com autênticos descendentes do anarquismo italiano? Isso pra não falar em Nancyta, Pitty, Marcela Bellas, o soul de Dão, a irreverência do Mizeravão, as guitarras de Jô Estrada, Hélio Rocha e Morotó Slim, a musica do Maglore, Neologia, Velotroz. É muita gente boa produzindo muita coisa boa. Isso tudo é tão ou mais lindo - e cá pra nós menos pretensioso - do que o rock que vejo e ouço tocando em Olinda ou Recife antigo, na Vila Madalena ou na Lapa, seja por 3 na massa, Otto, Karina Buhr ou Nação Zumbi, igualmente brilhantes.

Não quero nem entrar, seria covardia, no que tem feito Letieres Leite e sua Orkestra Rumpilezz, ou lembrar de Joatan, Sérgio, Aderbal, Luisinho, Tuzé, Alfredo, Ivan, Mou, Rowney, e tantos outros que continuam a produzir música instrumental na Bahia, sem dever nada a ninguém e lugar nenhum, nem tampouco a sextextos, quartetos, ou quintetos, violados ou desmiolados.

Como não ver Lázaro, Wagner, Fábio, João Miguel, Vladimir e todos os atores baianos que inundam o mercado de TV e Cinema do Brasil? Eles não saíram dos mangues do Recife, mas da esculhambação, das vaidades e sacanagens, ou do mangue do teatro baiano, de Fernando Guerreiro, Marcio Meirelles, Claudio Simões, Aninha Franco, Paulo Dourado, e outros tantos. E o cinema de Sérgio Machado? Surgiu em Porto de Galinhas ou no Porto da Barra?

Evito até lembrar da genialidade absoluta de Carlinhos Brown e seus primorosos discos recentes, de Lan Lan e seu Moinho, de Ivete, Claudinhas, Danielas, e outras chatas, ou da potente variante rítmica e percussiva que se experimenta ao ouvir Psirico, Guig Gheto, Parangolé, Black Style ou Fantasmão, na reinvenção do samba-reaggae que nos deu Olodum, a tradição afro do Ilê ou do Malê. Alguém fez algo assim com o Maracatu? Mautner relido por Chico Science? Então péra lá, deixa de brincadeira e comparação, vamos com calma, que o buraco é muito mais embaixo. Nessa terra de Caymmi, Jorge e João também se grita: toca Raul, porra! Não esqueçamos que o cara do mundo Raul Seixas era baiano, e sua obra tem o DNA desse lugar.

Suspeito que essa coisa de alta cultura que hoje reverencia a produção pernambucana, sem enxergar, por desconhecimento, o que se faz na Bahia, embute um viés centralista e auto-suficiente, algo um tanto envelhecido, que aposta na antagonia entre dois lugares. Aconselho saírem mais um pouco de casa, consumirem mais os produtos disponíveis, freqüentar outros ensaios além do que dá mídia ou onde estará Björk ou Arto Lindsay.

A Bahia sempre foi uma puta, sedutora e alegre, pronta pra relaxar a senhora européia elegante, charmosa e engajada que circula pelas pontes da Veneza tropical. Assim é que a história da cidade portuária aberta para o mundo nos conta. Uma gostosa encantadora que finge, beija e trepa como ninguém, e orgulhosa, desfila pelo mundo a mostrar a bunda, peitos, coxas, capoeiras, mares e sóis . Mas a menina que dança brilhante hoje dá sinais de esgotamento, e mal tratada, vive perambulando suja, sacizeira desdentada e maltrapilha, vendendo o corpo e a alma por muito pouco. Ou pela graninha rala saída da brodagem, ou da malandragem.

O que a cultura baiana precisa, e que deve unir a classe artística, é de mais dinheiro e menos medo, mais audácia e menos hermetismo, mais tesão e menos voyeurismo, mais delírio e menos caretice. Por isso digo: não ligue pra essa conversa não, Governador Wagner, só faça sua parte. Dê um jeito na cidade da Bahia, na segurança, na educação, na saúde, tragas os investimentos prometidos, garanta e brigue pelas coisas da nossa terra, e bote mais dinheiro na cultura. Jogue dinheiro na mão dos outros artistas também, os verdadeiros e viscerais.

Isso Wagner, bote muito mais dinheiro na cultura, como a grande porta de saída da miséria, ou a ponte verdadeiramente necessária. Priorize a cultura, reconheça quem faz arte, democratize mas não condene nem dilua, não se apequene e enxergue o setor como um grande negócio estratégico que impacta em tudo mais, como o que pode nos tirar da lama. Bote grana no cinema, no teatro, na música, em toda a produção cultural. Gaste mais do que gasta com a mídia, pode ser uma boa referencia, além de muito mais saudável e eficaz. Bote muito, muito mais grana nisso, essa pode ser sua grande obra, mas faça com um projeto, com um norte, com atitude e audácia, que evite os puxa-sacos, sem vaidade, sem revanchismos, sem donos, e deixe que o resto a gente faz aqui embaixo, a gente se reinventa, como estamos fazendo e reinventando. Sempre. Bora Bahia minha porra!

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