Cartaz idealizado pela agencia Maria Comunicação para Irmandade Foto Adenor Godin |
Foto Maria Preta |
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Exaltação à vida! Aiyê – Orun
A história da confraria religiosa da Boa Morte se confunde com a maciça importação de negros da costa da Àfrica para o recôncavo canavieiro da Bahia, onde o gênio aventureiro ibérico edificou belas cidades como a de Cachoeira, segunda em importância econômica na Bahia durante três séculos. O fato de ser constituídas apenas por mulheres negras, numa sociedade patriarcal e marcada por forte contraste racial e étnico, emprestou a manifestação afro-católica, como querem alguns, notável fama, seja pelo que expressa o catolicismo barroco brasileiro, de indeclinável presença processional nha rua, seja por certa tendência para a incorporação aos festejos propriamente religiosos de rituais profanos pontuados de muito samba e rega-bofe. Há que acrescentar ao gênero e a raça dos seus membros a condição de ex-escravos ou descendentes deles, importante característica social sem a qual seria entender tanto aspectos ligados aos compromissos religiosos da confraria, onde ressalta a enorme habilidade dos antigos escravos para cultuar a religião dos dominantes sem abrir mão de suas crenças ancestrais, como também aqueles aspectos ligados à defesa, representação social, política dos interesses dos adptos.
Origem Remota e uma Luta Antiga. No Brasil Colonial e depois, já no país independente mas ainda escravocata, proliferaram irmandades. Para cada categoria ocupacional, raça, nação – sim, porque os escravos africanos e seus descendentes precediam de diferentes locais com diversas culturas. Dos ricos, dos pobres, dos músicos, dos pretos, dos brancos, etc. Quase nenhuma de mulheres , e elas, nas irmandades dos homens entravam sempre como dependentes para assegurarem benifícios corporativos advinhos com a morte do esposo. Para que uma irmandade funcionasse, diz o historiador João José Reis, precisava encontrar uma igreja que acolhesse e ter aprovados os seus estatutos por uma autoridade eclesiástica. Muitas conseguiram construir a sua própria igreja como a do Rosário da Barroquinha, com a qual a Boa Morte manteve estreito contato.O que ficou conhecido como devoção do povo de candomblé. O historiador cachoeirano Luiz Cláudio Nascimento afirma que os atos litúrgicos originais da Irmandade de cor da Boa Morte eram realizados na igreja da Ordem Terceira do Carmo, templo tradicionalmente frequentado pelas elites locais. Posteriormente as irmãs transferiran-se para a igreja de Santa Bárbara, da Santa Casa da Misericórdia, onde existem imagens de Nossa Senhora da Glória e da Boa Morte.Desta, mudaran-se para a bela igreja de Amparo desgraçadamente demolida em 1946. Daí saíram para a igreja Matriz, sede da freguesia, indo depis para a igreja da Ajuda. O fato é que nãose sabe ao certo precisar a data exata de sua origem. Odorico Tavares arrisca uma opinião: a devoção teria começado mesmo em 1820, na igreja da Barroquinha, tendo sido os Jêjes deslocando-se até Cachoeira, os responsáveis pela sua organização.Outros ressaltam a mesma época divergindo quanto à nação das pioneiras, que seriam alforriadas Ketu. Parece que o “corpus” da irmandade continha variada procedência étnica, já que fala-se em mais de uma centena de adptas nos seus primeiros anos de vida. Historicamente essa data parece fazer sentido.A historiografia dessas notáveis mulheres cachoeiranas continuava a desafiar a inteligência de jovenspesquisadores. Seus rituais secretos ligados ao culto dos orixás também estão a requerer leitura etnográfica que respeite, naturalmente, os limites à manutenção dos segredos, tão importantes na manutenção dessa vertente religiosa. O que tem ressaltado é o aspecto externo do culto referido quase todo ao simbolismo católico e a sua apropriação afro-brasileira.Durante o começo do mês de agosto, uma longa programação pública atrái a Cachoeira gente de todos os lugares, o mais representativo documento vivo da religiosidade brasileira, barroca, íbero-africana. Ceias, cortejos, missas, procissões, samba de roda colocam cerca de 30 remanescentes da Irmandade que já possui 200, no centro dos acontecimentos da provinciana cidade e, ultimamente, nos principais órgãos noticiosos da capital e tele-jornais.A festa propriamente dita tem um calendário que inclúi a confissão dos membros na Igreja matriz, um cortejo representando o falecimento de Nossa Senhora, uma sentinela, seguida de ceia branca, conposta de pão, vinhos e frutos do mar obdecendo a costumes religiosos que interditam o acesso a dendê e carne no dia dedicado a Oxalá, criador do Universo, e procissão do enterro de Nossa Senhora da Boa Morte, onde as irmãs usam trajes de gala.A celebração da assunção de Nossa Senhora da Glória, seguida de procissão, em missa realizada na Matriz dá curso à contagiante alegria dos caichoeiranos que irrompe em plenitude, nas cores, comida e bastante música e dança que se prolongam por diversos dias, a depender dos donativos arrecadados e das condições de pecúlio do ano.Como todas as confrarias religiosas baianas, a Irmandade da Boa Morte possui uma estrutura hierárquica interna para gerir a devoção diária e doméstica de seus membros. A direção é composta por quatro irmãs responsáveis pela organização da festa pública de agosto e substituídas anualmente. No topo da administração da vida da Irmandade da Boa Morte está a juíza Perpétua, posição de maior destaque e atingida por status adquirido, ocupada pela mais idosa adepta. A seguir, situam-se os cargos de procuradora Geral, Provedora, Tesoureira e Escrivã, estando a Procuradora à frente das atividades executivas religiosas e profanas.Para serem aceitas as noviças além de estarem vinculadas a alguma casa de candomblé, geralmente Jêje, Ketu ou Nagô Batá na região e professarem o sincretismo religioso, deverão se submeter a uma iniciação que impôe um estágio preparatório de três anos, conhecido pelo nome de “irmã bolsa”, aonde é testada a sua vocação. Além de irmãs de devoção, são algumas vezes irmãs de santo e quase sempre parentes. É notável como a ancestralidade africana se reelabora no interior das instituições religiosas baianas e como as irmandades leigas acabam prestandoserviço a esse processo de intercurso cultural.É admirável que, a propósito de celebrarem a morte, essas mulheres negras cachoeiranas tenham sobrevivido com tanta majestade e garbo. O mais incrível é o que o sistema de crenças tenha absorvido com tamanha funcionabilidade e creatividade os valores da cultura dominante, realizando, em nome da vida, complexos processos de apropriação como o evidenciado na descida da própriaa Nossa Senhora à irmandade, a cada ciclo de sete anos, para dirigir em pessoa os festejos, investida da figura de Procuradora-Geral, celebrando entre os vivos a relatividade da morte.Tais elementos podem ser constatados tanto na simbologia do vestuário, quanto nas comidas de preceito que evidenciam recorentes ligações entre este (Aiyê) e outro mundo (Orun), para utilizar aqui duas expressões já incorporadas à linguagem popular da Bahia. Assim como as confrarias, a devoção a Boa Morte foi muito comum na bahia colonial e Imperial. Sempre foi uma devoção popular. Na igreja Nossa Senhora do O Rosário na Barroquinha ela ganhou expressão e consistência. Deve-se dizer que ali teve origem uma das mais respeitáveis casas de candomblé da Bahia; fundada no século XVII, a Casa Branca do Engenho Velho da Federação.Devoção popular e mais que isso, racial, na medida em que agregou principalmente negros e mestiços. Suas origens temontam ao Oriente tendo sido adotado por Roma no século VII. Já dois séculos depois a festa da Assunção de Nossa Senhora está disseminada por todo o mundo católico. Trazida de portugal para o Brasil- onde era conhecida como Nossa Senhora de Agosto – ganhou interpretação peculiar, características próprias e por causa disso, a devoção sempre criou atritos com as autoridades da igreja. Sua difusão entre a comunidade baiana, entre a comunidade baiana, entre outras coisas, deveu-se ao fato de que a mediunidade popular característica dos cultos africanos sempre relativizou o problema da morte, na medida em que os adeptos do candomblé acreditam em reencarnações sucessivas.Emprestou, portanto, ao culto originalmente católico elementos do seu sistema de crenças e componentes sócio-históricos da dura realidade escravista que fez do cativeiro sofrível martírio para os que vieram na diáspora.
De sorte que a devoção a Nossa Senhora da Boa Morte passou a ter também um significado social, permitindo a agregação dos escravos, facultando a manutenção de sua religiosidade num ambiente hostil e delimitando um instrumento corporativo de defesa e de valorização do indivíduo, tornando-se, por todas essas razões, um inigualável meio de celebração da vida.
Bibliografia:copilação de matéria da revista Candomblé Mitos e Lendas-editora Minuano
Centro cultural Pai Toninho de Xangô
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