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Numa parceria entre os governos do Brasil e da Bélgica, a ideia era homenagear a produção cultural brasileira num grande evento europeu, mas produtores nacionais enfrentaram a resistência dos belgas para emplacar nomes mais ousados e experimentais na programação do festival, que custará aos cofres brasileiros R$ 30 milhões.
As 16 exposições de artes visuais, com cerca de 1.500 obras, entraram na lista, mas áreas como literatura, música, teatro e dança sofreram.
Segundo os brasileiros, os belgas queriam receber artistas mais populares na Europa, como Caetano Veloso, Gilberto Gil e Chico Buarque.
"Isso existe mesmo, a visão dos belgas não é a mesma que a nossa, precisa haver um afinamento", admitiu a ministra da Cultura, Ana de Hollanda. "Não vou dizer que não houve divergências."
"Eles pedem o que conhecem e o que para eles é garantia de casa cheia", diz Benjamim Taubkin, responsável pela programação musical do festival. "A Europa tem suas inseguranças, vive sua crise."
Ficaram fora da lista de Taubkin músicos como Arrigo Barnabé, Luiz Melodia e Jards Macalé, além da execução do repertório erudito de Camargo Guarnieri. "Nem sempre eles estão tão abertos como a gente desejaria."
No caso da literatura, a curadora Flora Süssekind diz que viveu um processo "apavorante" e reclamou do lado belga. "São pessoas despropositadas, que não têm informação sobre o que está acontecendo", disse. "Tudo acontece à revelia do Europalia, eles têm total desinteresse."
Süssekind lembra que o foco dos belgas eram autores vivos e comerciais e que não houve interesse por nomes clássicos como Machado de Assis nem pela obra de pensadores como Sérgio Buarque de Hollanda e Gilberto Freyre.
No ponto mais crítico das negociações, acabou desistindo de usar o auditório do Bozar, um dos centros culturais mais importantes de Bruxelas, porque produtores de lá insistiam em receber o autor de "O Alquimista", na esperança de lotar sua sala.
"Disseram que não podiam receber ninguém menos que Paulo Coelho, então eu disse que não queríamos aquele espaço mais", diz Süssekind. "Achei sem graça."
Responsável pela programação teatral, João Carlos Couto diz que foi obrigado a procurar "coisas mais simples" para levar à Bélgica, dispensando peças de grupos como Os Fofos Encenam.
"Eles não foram porque as pessoas não entendiam o texto, era muito codificado para eles", diz Couto. "Insisti muito nisso e depois desisti, até porque não queria correr o risco de fazer um espetáculo para um teatro vazio."
OUTRO LADO
Diretora do Europalia, a belga Kristine de Mulder reconheceu, em entrevista à Folha, que houve discordâncias entre brasileiros e belgas na hora de fechar a programação do evento bienal, que recebeu investimento, do lado belga, de cerca de 13 milhões de euros (R$ 32,2 milhões).
"Existe simpatia na Europa pelo Brasil, o país do sol, das cores e ritmos", diz De Mulder. "Mas é um lugar conhecido por clichês, pelo samba, pelo futebol, pela criminalidade. No caso de arte e cultura, as pessoas sabem muito pouco."
Segundo ela, outro problema era conciliar a expectativa de público de centros culturais e teatros belgas e as ambições dos curadores brasileiros, que defendiam uma programação mais experimental.
"Houve muitas dificuldades e alguns mal-entendidos", diz a diretora. "Somos os organizadores aqui do lado belga, mas trabalhamos com uma rede de 250 centros culturais, teatros e cinemas, e o que estamos propondo exibir nesses espaços passa pela chancela deles."
Editoria de Arte/Folhapress | ||
Font: Folha Ilustrada |
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