sábado, 29 de setembro de 2012

Cotas

Reitor da UFF: ‘Querem nos empurrar goela abaixo a lei das cotas’

A regulamentação da Lei de Cotas, que reserva 50% das vagas para alunos de escolas públicas, baixa renda, negros, pardos e indígenas, não divide apenas o Ministério da Educação (MEC). Nas universidades federais do Rio de Janeiro, a aplicação da legislação não é consenso entre os reitores. Enquanto a UFRJ já se adequou aos critérios sociais e raciais para o próximo ano, o reitor da UFF, Roberto Salles, questiona com veemência a forma como a regra pode ser implantada. UFRRJ e Unirio ainda não têm posição definida.
O MEC redigiu duas minutas de decreto para submeter à presidente Dilma Rousseff. Uma diz que a reserva deve começar já no próximo vestibular. A outra prevê que a entrada em vigor só aconteça nos processos seletivos para o segundo semestre. Nos dois casos, as universidades têm até quatro anos para se adequar por completo.
A UFF havia anunciado que 25% de suas vagas para 2013 seriam reservadas para estudantes de escolas públicas estaduais com renda familiar de até um salário mínimo e meio por pessoa. Este é o primeiro ano que a universidade adere 100% ao Enem como única forma de acesso a seus cursos de graduação. O reitor Roberto Salles foi incisivo ao discordar da decisão de as universidades terem que se adequar à lei já agora.
— Essa proposta foi apresentada na última reunião da Associação Nacional de Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), e falei que era inaceitável que a direção se submetesse a isso. Primeiro, porque é uma lei que ainda não foi regulamentada. Segundo, porque fere a nossa autonomia universitária. Como vamos fazer toda essa estratificação racial prevista pela lei a um mês do Enem e com as universidades voltando da greve? — questionou Salles.
O reitor também deixou claro que a adequação à lei será proporcional aos recursos repassados pelo governo federal pelo Programa Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes), que ajuda a pagar bolsas de auxílio para a manutenção dos cotistas nas universidades. Segundo ele, a UFF recebeu R$ 15 milhões no último ano por selecionar 35% dos estudantes pelo Enem e R$ 25 milhões este ano pela adesão total:
— Querem nos empurrar goela abaixo a aplicação da lei, mas vamos aplicá-la proporcionalmente aos recursos do Pnaes. Não adianta liberar R$ 1 milhão, que é mixaria. Aumentamos a entrada de estudantes provenientes do Enem para 100% e recebemos apenas R$ 10 milhões a mais, o que é insuficiente para os nossos quase 10 mil alunos ingressantes.
Salles argumentou ainda que a lei de cotas vai beneficiar estudantes de colégios militares e de aplicação pertencentes a classes mais abastadas. Por isso, defendeu o edital edital da UFF, que restringe as cotas a estudantes egressos da rede pública estadual de ensino.
— Prevemos 25% de reserva de vagas dentro de uma premissa de escolas públicas independente da cor. Pobre é pobre de qualquer cor. A pobreza está presente em todas as raças. Mas a lei não exclui os alunos de colégios militares e de aplicação, que são, muitas vezes, oriundos de escolas privadas. Eles vão entrar na frente de qualquer um e terão um privilégio inaceitável, tornando a competição mais desigual — acredita Salles, que ironizou a reserva para estudantes indígenas. — Vamos ter que importar índios. Peço ao MEC que, se tiver algum sobrando, mande para estudar na UFF.
Já o reitor da UFRJ, Carlos Antonio Levi, tem um discurso mais moderado. Ele assinou resolução aprovada pelo Conselho Universitário há 15 dias que prevê a adequação parcial à lei de cotas já para o ingresso de estudantes em 2013. O edital do processo seletivo já previa a reserva de 30% das vagas. O edital do processo seletivo já previa a reserva de 30% das vagas de cada curso para estudantes que fizeram todo o ensino médio, com aprovação, em escola pública com renda familiar per capita de até um salário mínimo.
Com a nova resolução, o critério da renda mínima per capita sobe para até um salário e mínimo e meio (previsto pela lei das cotas) e passa a valer apenas para metade das vagas reservadas. Já os critérios raciais valerão para a totalidade dos 30% e será preenchida por autodeclarados pretos, pardos e índios na proporção de 13%, 43% e 0,5%, respectivamente, a partir de dados retirados do Censo 2010-IBGE.
Para o ingresso em 2014, o percentual de vagas reservadas aumentará para 50%, atendendo integralmente à lei das cotas. O reitor da UFRJ comenta a solução adotada.
— Foi simples fazer a adaptação. Apenas mantivemos o percentual de 30% para o ingresso em 2013 para não pegar os estudantes de surpresa. Mas nos adequamos aos critérios raciais, com base na média nacional — explica Levi.
Na UFRRJ, que retoma as atividades no próximo dia 2, após cerca de quatro meses de greve, uma reunião prevista para a próxima semana deverá traçar as diretrizes para a adesão à lei. Segundo o reitor, Ricardo Motta Miranda, a instituição já vinha adotando políticas do gênero, como o bônus de 10% na nota final do Enem para estudantes de escolas públicas, mas não usava o critério racial. Por isso, ele pediu que fossem levantados dados sobre os resultados dos programas aplicados na universidade, com o objetivo de ter uma visão mais completa sobre os resultados da estratégia.
— Ainda não fizemos debates acerca da Lei de Cotas por estarmos atrasados em função das greves. Mas, com os dados apurados, levaremos aos conselhos superiores nossas reais necessidades e demandas por atendimento. Com isso, acredito que estaremos preparados para fazer a implantação da lei — disse o reitor.
Já a Unirio informou, por meio da assessoria de imprensa, que ainda não possui posicionamento sobre o assunto, o qual será discutido em reuniões junto aos conselhos superiores. Por ora, não foram divulgadas datas para isso.
Estudantes divergem
Entre os alunos que vão prestar vestibular este ano, o assunto causa divergências. A estudante do Centro Educacional da Lagoa (CEL), por exemplo, Luiza Arias, diz entender as necessidades dos estudantes de escolas públicas, mas acha que a política desvia o foco do real problema. Além disso, na opinião dela, a reserva de metade das vagas é exagerada e podia ser um pouco menor.
— Acho mais importante que haja uma mudança na base do ensino, para que todos tenham condições de disputar as vagas — pontua.
Por outro lado, para o estudante do cursinho pré-vestibular comunitário Invest, Guilherme Mendes, que também tem 18 anos, a reserva representa um alívio para muita gente. Ele pretende tentar biologia na Uerj e medicina veterinária na UFF. E, caso a Lei de Cotas seja confirmada a tempo, ele não descarta buscar vagas em outras universidades, já que vai fazer o Enem.
— As cotas ajudam muito. Pessoas que não tinham a menor expectativa de ingresso na universidade, agora podem ter curso superior — defende.


Fonte: O Globo
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