segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Destaque na trama de ‘Lado a lado’, Lázaro Ramos fala sobre história, racismo e paternidade

Na nova novela das 18h, que estreia nesta segunda, o ator vive o capoeirista Zé Maria .O ator diz que ser pai também mudou sua vidaTermina a entrevista, num bar na Cinelândia, no Centro do Rio. Sentado à mesa com a repórter e duas assessoras de imprensa, Lázaro Ramos saca a carteira quando o garçom traz a conta. Diante da relutância das moças, o ator insiste:— Imagina, é claro que vou pagar! Com três mulheres!Minutos antes, Lázaro comentava o quanto são atuais os conflitos de gênero do início do século XX retratados em “Lado a lado”, novela que estreia nesta segunda-feira, na Globo, às 18h. Dentre outros assuntos, a trama destaca o surgimento da mulher contemporânea que luta por suas vontades, como estudar, trabalhar, votar e... Pagar a conta.
Camila Pitanga e Marjorie Estiano são as protagonistas Isabel e Laura. Lázaro é Zé Maria, par romântico de Isabel, e admite: o homem contemporâneo que surgiu com esta nova mulher ainda está se adaptando:
— É um conflito que 100 anos depois ainda persiste! É muito feliz o período que os autores escolheram porque explica muito do Brasil de hoje. Esse Brasil que até hoje não sabe explicar as favelas mas que, naquela época, pegou três elementos com os quais não tinha relação e transformou em símbolos nacionais: samba, futebol e capoeira. É o momento em que o Brasil diz: “Nós somos isso, e isso é nosso”.
Apesar da ressalva feita pelos autores João Ximenes Braga e Cláudia Lage de que “Lado a lado” é uma versão ficcional da época, a trama de fato tem como pano de fundo eventos históricos reais, como a formação das primeiras favelas. A derrubada dos cortiços para a construção da Avenida Central — hoje, Avenida Rio Branco — desencadeia a história do núcleo de Zé Maria, que vai morar no local que depois veio a se chamar Morro da Providência. Foi Lázaro, inclusive, quem fez questão da Rio Branco como cenário para a entrevista.
— Durante as palestras de preparação, o Eduardo Bueno (autor de best-sellers sobre história) falou uma coisa legal: o bacana de conhecer sua história é não repetir os erros cometidos. Acho que a novela traz uma luz para pensar como tudo começou. É simbólico estarmos aqui, nesta avenida que, por um lado, foi visionária. Mas, por outro lado, o que foi feito com aquelas 600 famílias? Elas vinham daquela abolição da escravatura malfeita, uma canetada de duas frases que não deu destino nenhum para os escravos, e foram expulsas — conta.
Pouco mais de 100 anos depois, as favelas passam por nova transição, com projetos como as Unidades de Polícia Pacificadora. Morador do Rio há 12 anos, o baiano Lázaro torce para que os erros não sejam repetidos:
— É preciso sempre avaliar o modelo. Como se infiltrar na comunidade que já tem seus desejos e códigos de relacionamento? O importante é dar algum passo, mas, ao mesmo tempo, escutar quem vive ali. O modelo é positivo, mas ouvindo quem habita o lugar.
Ocupado majoritariamente por ex-escravos, este esboço de favela do folhetim acaba servindo como berço de um ainda novo sentimento de orgulho negro. Conhecido por suas posições a respeito do tema — dirigiu, ano passado, a peça “Namíbia, não!”, sobre racismo, e apresenta o programa “Espelho”, do Canal Brasil —, Lázaro gosta da abordagem da novela:
— Tem uma coisa muito bacana que o Zé Maria fala: “Estamos num novo século! Já posso ir onde eu bem quiser”. Ele tem exatamente a formação dessa autoestima. É claro que ainda existe racismo, mas acho que há evoluções. A gente, no Brasil, tem uma identidade muito múltipla. Daí você dizer que só existe uma verdade, um caminho, uma aparência correta... É uma luta que vamos encarar para sempre, porque somos muita coisa junta.
Otimista, Lázaro também vê avanços em outra reivindicação antiga relacionada à questão racial: a pouca quantidade de atores negros nas novelas.
— Houve uma movimentação do público. Quando ele prestigia um trabalho com audiência, está dizendo: “Quero ver isso”. E, nos últimos anos, se você calcular os índices de projetos que tinham um protagonismo nesse sentido, vai ver que o público sempre compareceu. Ao mesmo tempo, os autores entenderam como abordar o assunto. Nesta novela já se faz uma coisa legal: falar dos negros pós-1888, um período rico e pouco explorado — diz.
O ator cita ainda as diferentes nuances dos personagens de seu núcleo como mais um indicador deste avanço:
— O personagem do Milton (Gonçalves) fala dos conflitos entre pai e filha e do samba. O próprio Zé Maria tem a questão da capoeira. A personagem da Zezeh Barbosa, da sua relação de liderança com a comunidade. É muito positivo não limitar personagens negros exclusivamente a dois temas: exclusão social e racismo.
Lázaro, aliás, é só elogios para “Lado a lado”. Conta que, outro dia, foi à ilha de edição do Projac para conferir como haviam ficado suas cenas e se pegou, horas depois, assistindo a todas as outras. A opinião de Lázaro, de fato, é importante. Estreantes como autores titulares, Ximenes e Cláudia afirmam que ele foi o primeiro ator a ser convidado para o elenco e uma das primeiras pessoas a ler a sinopse da trama. Gilberto Braga, supervisor do folhetim, chegou a dizer na entrevista de lançamento da novela que “se não tivesse o Lázaro, era melhor fazer outra novela”. Ximenes, que já trabalhou com o ator quando era colaborador de “Insensato coração”, reforça os elogios:
— Tenho até medo de falar do Lázaro porque ele vai ficar muito nojento. Você ouviu o que o Gilberto falou? — brinca, e depois se rende: — Mas é por aí mesmo. Viu no clipe (com trechos da novela, apresentado na coletiva) a cena dele dançando? Ele tem muito carisma, você não tira o olho da tela quando ele está. Além disso, em “Insensato”, escrevi muitas cenas para ele. O diálogo flui naturalmente, porque ele compreende exatamente o tom. É um ator muito inteligente.
A gentileza é devolvida:
— A novela tem frescor, é vibrante. A cada semana, um assunto novo. É muito bom esse fôlego — opina o ator.
Além de Ximenes, Lázaro reencontra outros profissionais com quem havia trabalhado em “Insensato”. Além dos diretores Dennis Carvalho e Vinícius Coimbra, a atriz Camila Pitanga, que é novamente seu par romântico. O grupo pesou na hora de aceitar o papel.
— A Camila, depois de “Insensato”, virou parceira de vida. A equipe do Dennis e do Vinícius tem um diferencial: é muito afetuosa. Novela é um processo estressante. Se não tem um ambiente gostoso, fica maçante — descreve Lázaro, revelando que a rede de amizades cresceu: — Quando você viaja para gravar, como fizemos no Maranhão, forma mais vínculos. A Zezeh Barbosa, por exemplo, quero levar para a minha casa, para conversar o tempo todo — diz, rindo.
E, se é para listar reencontros, Lázaro se deparou com mais um em “Lado a lado”: a capoeira. Ele fez aulas em 2002, quando viveu o protagonista do filme “Madame Satã”, de Karim Ainouz. Na época, aprendeu o estilo de Salvador e, agora, está incorporando trejeitos cariocas. Caso peçam para ele explicar, sabe todas as diferenças. Está fascinado com o assunto, mas ao confrontar teoria e prática, confessa:
— Todas as atividades físicas que faço são em função de personagem. Se eu pudesse mesmo, ficava batendo um papo, tomando um drinque e uma água de coco. Acho que, na hora que eu me aposentar, vou virar um sedentário .
Além do papo e da água de coco, se pudesse, Lázaro passaria boa parte do tempo ao lado de João Vicente, seu filho de 1 ano com a mulher, a atriz Taís Araújo. Perguntado sobre como a paternidade mudou sua vida, ele dá um longo suspiro antes de responder:
— Num primeiro momento, dá uma certa tensão. Você pensa: “Tem agora um serzinho que depende de mim para educar, ajudar a crescer”. Dá um medo! Quando ele chega, você pensa: “Meu Deus do céu, por pelo menos 18 anos vou ser responsável por esse serzinho”. E aí, depois, vem um prazer tão grande das descobertas diárias que fica numa região meio sublime, sabe? Todo dia é tudo muito bonito. Então não sei responder se mudei ou não. Acho que em mudança eu estou sempre. Uma coisa certa é: o filho te força realmente a aprender mais sobre a vida.
fonte : O Globo - THAÍS BRITTO
Foto : LEONARDO AVERSA

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