por Jorge Alfredo
Eu, ainda menino, já respirava cinema morando em Jequié, interior da Bahia; 3 a 4 vezes por semana lá estava eu sentadinho nas cadeiras do Cine Jequié ou do Cine Bonfim. Cinema e circo eram as únicas atrações culturais da cidade. Não tínhamos ainda, no final dos anos 50, a televisão. Anos depois, já morando em Salvador, cometi meus primeiros pecados pilotando uma câmera super8, lá pelos anos de 1975/6. Mas, foi como músico que me envolvi pela primeira vez, em 1977, num set de filmagem, de verdade. Glauber Rocha estava rodando “A Idade da Terra”, e eu fui convidado por Rogério Duarte para participar de parte da trilha do filme. A gente gravou durante uma seqüência rodada na casa de apoio da produção, no Rio Vermelho. Glauber queria aquele som durante as cenas de Mauricio Do Vale e Norma Bengel. Lembro como se fosse hoje do Maurício recitando num inglês de sotaque pesado;
“I was begotten by Chaos / I am the Son of the David and the Sun./ My mission upon this Earth is to destroy…/Life is but a story told by an idiot / A meaningless blubber full of Sound and Fury… (Eu fui gerado pelo Caos / Sou o Filho de David e do Sol/ Minha missão nessa Terra é destruir / A Vida é apenas uma estória contada por um idiota/ Um grito sem sentido cheio de ruído e fúria).
Eu ficava fascinado com tudo aquilo! Glauber no set de filmagem era um caso à parte, só vendo para crer, ele andando de um lado para o outro com um baseado entre os dedos, num misto de excitação e serenidade… Rogério Duarte, na direção musical, nos orientava, a mim, a Edu Nascimento, Anunciação e Sérgio Souto. Um entupia o saxofone com papel de jornal, outro folgava as cordas do violão e as envolvia também com jornais… num certo momento, fiquei com um serrote tirando som através do atrito com a hélice de plástico de um ventilador ligado. A gente tocava uns temas improvisados, era muito interessante! Smetak na veia. Segundo Rogério Duarte, “uma determinada sutileza que ao invés de ser feia, de ser apenas antimusical, podia realizar o supermusical, a não desafinação; a superafinação. Uma idéia não apenas de negar a música temperada, mas de reafirmá-la dialeticamente através de uma síntese. Porque na escala natural eles se baseavam muito na série harmônica, a Pitagórica. A diferença entre uma série geométrica e uma série aritmética. Entre uma espiral logarítmica e uma falsa espiral.”
E Glauber Rocha era fascinante, que figura! Mais do que com o resultado musical, eu saí dali apaixonado pelo set de filmagem e com uma idéia fixa na cabeça; “- é isso que eu quero fazer na vida.”
Se eu já gostava de cinema, daí em diante aquilo passou a fazer parte dos meus planos. Mas, confesso, fiquei com um sentimento enorme de perplexidade quando assisti no cinema “A Idade da Terra”; é que o que eu vi na tela grande não correspondia ao que eu idealizei e imaginei que havia sido filmado, no set que presenciei. E isso ainda me deixou mais apaixonado pela “A Idade da Terra”, aqueles planos sequencias repetidos, me fizeram compreender a força e as possibilidades de uma montagem e de um trilha sonora. Pena, que mal consegui identificar os trechos da minha participação musical, no filme. Acho que naquele momento comecei a entender como se fazia cinema!
Nesse mesmo ano, fiz a trilha musical e uma pequena performance em “Dança na Praia”, um vídeo/ arte, de José Carlos Aguillar. Suki Villas-Boas e Tereza Oliveira dançavam nas areias da Barra do Jacuípe (BA) e, eu e Guilherme Maia, fazíamos a triha sonora, ao vivo, também de improviso. Video, em 1977, era uma novidade total! Surgia uma nova possibilidade com o vídeo tape, muito diferente de televisão ao vivo. E no ano seguinte, repeti a dose em plena Avenida Paulista capitaneado por Aguilar! Não me lembro o nome desse outro video… Descartes, no país… não lembro. Fiz parte da trilha sonora junto com Paulo Miklos e Cid Campos. Em São Paulo, fiquei amigo de Walter Silveira e Tadeu Jungle, que estavam com o projeto da TV TVDO e por pouco não entrei de cara no audiovisual. Ficava impressionado com Glauber Rocha fazendo o programa “Abertura” na Tv Tupi. Ou seja, cinema, video e televisão se misturavam e davam um nó na minha cabeça e, creio, que na de toda minha geração.
E, naquele ano de 1979 eu tive que optar por uma profissão; até mesmo o jornalismo, que era meu ganha pão, eu abandonei pra tentar uma carreira musical. Sempre apostei no risco. Felizmente, um ano depois, eu consegui gravar o meu primeiro disco e na Copacabana e a MPB, de 79 a 84, me absorveu por completo. Lancei discos, enfim, virei cantor de rádio e televisão. De certa forma, continuei meu aprendizado, em audiovisual, cantando praticamente em todos os programas de auditórios da televisão brasileira. Quem sabe faz ao vivo, ou quase… Mesmo que anos mais tarde, a minha vida tenha tomado outros rumos, confesso que faria tudo tudo, outra vez.
Fonte: cadernodecinema.com.br
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