sexta-feira, 9 de agosto de 2013

GOYA: CARICATURAS DA SUBVERSÃO



Entre reis, rainhas, princesas, condes e duquesas, Goya engendrou junto aos retratos da Corte Espanhola, o obscuro lado da mesma sociedade, expondo seus fantasmas e dando luz às mais perversas ações do ser humano já denunciadas, até então, em toda a história da arte.

Francisco de Goya y Lucientes (1746-1828) é herdeiro digno de Velásquez e sempre foi um retratista exímio da corte. Após sair de uma doença que o deixou quase dois anos em estado febril, em colapso nervoso, ficou surdo, apurando sua percepção de mundo e adentrando na terra da loucura cotidiana, produzindo uma série de oitenta gravuras, intitulada Os Caprichos. São sátiras visuais voltadas aos vícios e anomalias da sociedade e do gênero humano.

A Buchter’s Counter, entre 1810 e 1812

Pelo teor das imagens, seus conterrâneos acreditavam que tal mudança era reflexo da depressão e da melancolia que a doença o causara. Enganaram-se. O problema de Goya não era a surdez inesperada, mas a indignação e a descrença absoluta na sociedade espanhola do século XVIII.

Os Fuzilamentos do 3 de Maio, 1814

Uma época em que a incompreensão pairava em qualquer estranheza advinda da arte, especialmente às produções grotescas de Goya.

Saturno Devorando um Filho, entre 1820 e 1823

Os Caprichos são em sua essência autênticas sátiras dos valores, da religião e dos costumes espanhóis. Na série, donzelas, aristocratas e o clero dividem espaço com bestas em ambientes sombrios, revelando as fraquezas do ser humano.


Goya ousou debochar escrachadamente a sociedade em que viveu, animalizando fisionomias e humanizando animais. É perverso, cômico, sarcástico, grotescamente inteligente. Trata do absurdo impossível com total harmonia de criação. Seus rostos bestiais e contorcidos são análogos, beirando o real e o fantástico, sem conseguir determinar se pertencem a um ou outro.


“Claro que o mundo é paródia pura, quer dizer que toda coisa vista é paródia de outra, ou a mesma coisa, mas com uma forma que decepciona”.Georges Bataille, Ex-libris Eróticos, 1985.



A caricatura (distorção jocosa do rosto) apareceu nos últimos anos do século XVI, com os irmãos Carracci. Simplificando a sua significação, no retrato se procura o máximo de semelhanças com a pessoa retratada, enquanto na caricatura há um exagero acentuado nos traços defeituosos da pessoa, que são modificados desproporcionalmente.


“Todas as descobertas artísticas são descobertas não de semelhanças, mas de equivalências que nos permitem ver a realidade em termos de uma imagem e uma imagem em termos de realidade”.Ernst H. Gombrich, Arte e ilusão: um estudo da psicologia da representação pictórica, 1995.



A arte humorística permitiu uma liberdade aos mestres da sátira grotesca um grau de experimentação impossível a um artista sério, especialmente no século XVIII, época em que fervilham novas ideias e ideais sociais, seja pelos movimentos de Reforma e Contrarreforma, Revolução Francesa, entre outros, os quais engendram uma modificação nas propostas artísticas, nos estilos de composição e, principalmente, na essência da arte.


A Igreja colocou um problema moral, em que a atividade mental (imaginação), não deveria subtrair-se ao juízo de bom ou mau, útil ou nocivo. Se a atividade imaginária é inspirada pelo demônio, é pecado. Porém, os pecados do pensamento não são menos graves do que as más ações.

Os clientes passam a ser a burguesia e a monarquia desenvolvendo uma crítica tendenciosa, em que a arte precisa exercer uma função na sociedade, explicando as intenções e os procedimentos dos artistas. Assim, a arte não tem mais um sentido único, mas é aberta, persuasiva.


Mesmo que sua obra pareça irracional, Goya nunca abandona o racional; tudo é consciente, mesmo que estranho e exótico. Ele denuncia de forma perversa e sarcástica os acontecimentos da época, e, sobretudo, o que aconteceu consigo. Mesmo que ele mostre a morte, não é uma glorificação dela, mas se trata da vida, das complicações da mesma, da dor dos seres.

Goya é um expressionista visionário, beirando entre real e irreal, racional e irracional, contradizendo a tragédia da vida, e a complexidade da natureza humana.

Com sua arte, Goya era subversivo, perigoso e ameaçador da tranquilidade pública. Todavia, não pretendia moralizar ou doutrinar algo ou alguém.


O universo de Goya e sua contribuição para a arte perpassam os livros e os historiadores, e independentemente deles, nos traz à tona problemas e referências que são tão importantes à arte quanto a cada indivíduo.


Nenhum comentário:

AS MAIS ACESSADAS

Da onde estão acessando a Maria Preta