terça-feira, 17 de setembro de 2013

Propaganda irregular emporcalha muros, viadutos e outras áreas

Fachada de imóvel abandonado, na Rua do Riachuelo, no Centro, coberta por propaganda - Marcos Tristão / Agência O Globo
Comlurb aplicou apenas cinco multas durante o ano na cidade do Rio
Valor arrecadado desde janeiro é de R$ 1.225

RIO - Entre os afazeres do pároco José Laudares, da Igreja de Sant’Ana, na Cidade Nova, está uma tarefa curiosa: dar explicações a alguns fiéis que o questionam sobre o fato de uma das paredes externas da igreja viver coberta de cartazes que anunciam shows, festas, lançamentos de CDs, empreendimentos comerciais, etc. Há, claro, quem considere inapropriado. Ou pior, que a paróquia lucre financeiramente. Paciente, padre José recorre à ladainha de sempre: informa que a propaganda irregular é instalada, sempre na calada da madrugada, à revelia da igreja.
— Esses cartazes são colados, em geral, entre 2h e 4h. É difícil flagrar porque é muito rápido. É algo que nos incomoda, pois, muitas vezes, os painéis chegam a cobrir as janelas de ventilação do nosso prédio. E tem gente que ainda acha que lucramos com isso — conta, resignado, o pároco, que costuma pedir providências à prefeitura para retirar a propaganda, que se estende ao longo dos cerca de 30 metros de parede.

E não se trata de um caso isolado, a julgar pela quantidade de cartazes do gênero afixados pela cidade. Por isso, os cariocas agradeceriam se a tolerância zero decretada pela prefeitura ao lixo atirado nas ruas direcionasse agora sua mira a muros, fachadas, pilastras de viadutos, postes e toda a sorte de espaços, públicos ou privados, alvos preferenciais para a instalação irregular de cartazes publicitários. Os monstrengos de papel, que chegam a ocupar oito metros quadrados de área, emporcalham as vias, na maioria das vezes, para anunciar shows e outros eventos culturais.

O lamentável é que a Comlurb admite ter conseguido aplicar, este ano, apenas cinco multas por instalação de cartazes, no valor total de R$ 1.225. No mesmo período de 2012, foram sete multas, no valor de R$ 1.596.

Em cartaz pelo Rio, em letras garrafais, estão no momento, por exemplo, artistas do calibre de Lulu Santos, Paralamas do Sucesso, Anitta, Naldo, Péricles, Leandro Sapucahy, Zezé Motta, Grupo Revelação e José Augusto. Será que eles não se sentem constrangidos por seus nomes ajudarem a poluir visualmente a cidade?

Retirada do material: luta inglória

O muro instalado nos fundos do Colégio Imaculada Conceição, em Botafogo, é outro alvo da falta de civilidade. A direção do estabelecimento de ensino diz que o problema não é de hoje e que tentar retirar os cartazes, que se estendem pelo trecho inicial da Rua Muniz Barreto, é uma luta inglória.

— Nem adianta tentar, porque eles voltam a ser recolocados de madrugada — conta uma das religiosas que administram o colégio.

Os alvos são tanto espaços públicos como privados, mas há uma preferência pelas paredes de prédios abandonados, especialmente na região central da cidade, com grande fluxo de veículos e pedestres, como as avenidas Francisco Bicalho e Presidente Vargas, a Rua do Riachuelo e a Lapa. Mesmo que o imóvel seja particular e o dono autorize a colocação do cartaz, ainda assim é irregular.

— Os cartazes mudam constantemente e ninguém vê quem cola. E estão ficando cada vez maiores. Acho um horror. A prefeitura deveria multar pesado quem faz isso. Será que é tão difícil? — reclama Elza Pereira de Lima, moradora da Rua do Riachuelo, onde um imóvel abandonado, na altura do número 105, acabou “adesivado” por uma dezena de cartazes anunciando shows para todos os gostos: de MPB, rock e pagode a samba. Ah, sim, a propaganda é substituída com frequência e, com isso, os cartazes se sobrepõem.

Até viadutos, como o que corta a Presidente Vargas, na altura da estátua de Zumbi, estão na mira dos porcalhões. Na semana passada, um pilar instalado junto ao Sambódromo tinha toda a sua extensão tomada pelos trambolhos de papel. Como a instalação de cartazes é irregular — de acordo com a Lei de Limpeza Urbana 3.273, de 6 de setembro de 2001 —, as propagandas não trazem endereços dos locais dos shows ou telefones. Tudo para dificultar a fiscalização. Há apenas o nome do artista, o dia da apresentação e o bairro onde o evento acontecerá. A Comlurb alega que é difícil chegar aos responsáveis pela infração. Porém, basta uma busca na internet com o nome do artista e a data do show para descobrir os locais das apresentações.

Edson Rufino, da diretoria de Serviços Sul da Comlurb, confirma que o flagrante nesse tipo de atividade é difícil, pois a instalação dos painéis ocorre de madrugada. Além disso, mesmo que a fiscalização, por meio de informações complementares, chegue à casa de shows, é comum os responsáveis informarem que apenas alugaram o espaço.

— É um trabalho de gato e rato, porque também as gráficas são desconhecidas, assim como quem, de fato, divulga o show. O artista, por sua vez, apenas foi contratado — alega ele, acrescentando que a companhia não tem uma estimativa de quantos garis se ocupam da retirada dos cartazes, porque é uma ação constante.

Embora a Comlurb tenha a responsabilidade de retirar a publicidade dos espaços públicos e privados, a prioridade é dada à limpeza de postes, viadutos e paredes de imóveis públicos. No mar de irregularidades, somente os tapumes de obras podem abrigar cartazes publicitários, segundo o decreto municipal 14.481, de 26 de dezembro de 1995, que autoriza esse caso em especial.

Mais ações em busca dos infratores

Mas, em tempo de caça aos porcalhões que jogam detritos nas ruas, Rufino garante que a fiscalização passará a aproveitar a estrutura montada para a Operação Lixo Zero e, assim, conseguir chegar aos infratores que poluem vias públicas. Segundo o diretor, a ideia é atuar, por meio de instrumentos administrativos, para localizar os responsáveis pela confecção e distribuição das peças publicitárias:

— Como é difícil fazer o flagrante, vamos aproveitar esse poder e a estrutura maiores que temos agora, com o Lixo Zero, para aprofundar o trabalho de investigação. Vamos às casas de show e, caso nos digam que apenas alugaram o espaço, exigiremos que nos apresentem o contrato de locação para chegarmos ao contratante. Ou seja, aos infratores.

Entre os cartazes fotografados pelo GLOBO, um deles anunciava Zezé Motta na festa “Boteco”, no sábado passado, na Cinelândia. Não mencionava o endereço — o Teatro Rival Petrobras. Procurada pelo jornal, a casa informou que apenas alugara o espaço para a festa, sem ter qualquer responsabilidade na divulgação do show.

Já a Fundição Progresso, que anunciava a presença da funkeira Anitta, também no último sábado, fez uma mea culpa: informou que está mudando a forma de divulgar sua programação. A casa anunciou que está partindo para a propaganda em bolachas de chope (distribuídas em bares e afins) e sacos de pão (usados nas padarias).

Para anunciar o show da banda Paralamas do Sucesso, em 26 de outubro, no Citibank Hall, na Barra, dezenas de cartazes, modelo king size, já estão espalhados por inúmeros pontos do Rio. Procurada pelo GLOBO, a casa de shows não quis se pronunciar sobre a forma de divulgação.

No meio do imbróglio estão os artistas , que também se defendem. A assessoria do Monobloco, por exemplo, afirma, por nota, que “Não é o grupo quem contrata o serviço dos cartazes para serem colados pela cidade como divulgação dos shows”. Enquanto não é possível evitar a instalação dos cartazes, Rufino sugere uma espécie de vingança por parte dos proprietários dos imóveis. As armas seriam pincel e cal.

— Eu sugiro que as pessoas, surpreendidas com esses cartazes em seus muros ou fachadas, joguem cal em cima da data e da localização do show anunciado. Isso vai “matar” a propaganda e os responsáveis desistirão desses espaços — aposta.



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