terça-feira, 17 de setembro de 2013

Sem apoio, Geronimo completa 10 anos na Escadaria do Passo

Cantor e compositor promove shows na escadaria da igreja do Passo, no Pelourinho
Na rua de paralelepípedo, um rapaz de camisa do Bahia passa e cumprimenta Geronimo, sentado num dos degraus da escadaria do Passo, no Carmo. "Axé!", ele responde. O moço segue seu caminho enquanto canta alto o verso "Eu sou negão". Sua voz invade a rua estreita e os turistas baixam suas câmeras para olhar. De onde está, Geronimo completa a canção, falando baixinho: "Meu coração é a liberdade". É assim que é entrevistar Geronimo, 60 anos, no lugar onde ele faz festa.

A toda hora alguém chega para levar uma prosa, e os moradores vão dando bom dia enquanto saem para trabalhar. "Tá vendo a escadaria limpa? Depois que acaba o show, a gente recolhe o lixo todo", Geronimo conta, todo orgulhoso do projeto que realiza.

Há dez anos, as noites das terças-feiras (mais precisamente, das 19 às 22 horas) ganharam trilha sonora composta por clássicos da música baiana, interpretados por Geronimo e sua banda Mont Serrat. No cenário, a escadaria do Passo da Igreja do Santíssimo Sacramento, baianos e turistas reúnem-se para dançar.

O projeto ganhou o nome de Geronimo - O Pagador de Promessas, graças ao filme O Pagador de Promessas (1961), de Anselmo Duarte, que imortalizou a escadaria do Passo com a história de Zé do Burro. O rapaz do filme foi impedido de pagar uma promessa feita para Iansã na igreja de Santa Bárbara.

Geronimo explica que a homenagem vai muito além da coincidência do cenário: "Talvez seja o carma de Zé do Burro que ronde por aqui. O filme fala sobre intolerância. O poder público muitas vezes não olha na minha cara. E olhe, todo mundo diz que é da democracia, mas fale mal que você vê o que acontece. Ficam naquela de 'magoou, magoou', e depois vem a retaliação, pode escrever aí".

No palco

Anônimos e nomes conhecidos da música revezam-se nas participações especiais: o público do projeto já viu subir ao palco Caetano Veloso, Luiz Caldas, Margareth Menezes, Luiz Melodia, Mariene de Castro, Carlinhos Brown e Saulo Fernandes, entre outros.

Para o arquiteto americano Edward Coe, 68 anos, a graça do projeto é exatamente o contrário. "Acho interessante que Geronimo dê oportunidade às pessoas que não são famosas, gente de quem nunca se ouviu falar", conta ele. 

Eduardo — como é conhecido desde que chegou no Santo Antonio, há 40 anos — diz que estava presente no primeiro show do projeto. "Eu estava aqui, o público era de umas seis pessoas. Tinha mais gente no palco que na plateia", revela, rindo. Mais um amigo passa de carro e saúda Geronimo. Depois de responder com um sonoro "Diga, meu rei!", o cantor muda o tom para falar sério.

"Meus músicos vem ensaiar sem receber nada. Mesmo assim, tenho que pagar R$ 800 para o pessoal que monta o show. Tô devendo mais de R$ 200 mil em equipamentos de som, gostaria muito que algum órgão público virasse meu parceiro".

Ele conta que se recusa a preencher papéis para concorrer nos editais. "Esse projeto já existe, para que eu vou escrever no papel uma coisa consolidada há dez anos? Quando eu comecei, tinha gente fumando crack aqui, na cara dura. Lixo jogado na frente. Todo mundo sabe, é o que acontece nas portas das igrejas que estão fechadas, onde não tem projeto cultural".

Outra crítica que ele faz é direcionada aos empresários da música local. "Eles não me enxergam como um produto comercial. Sou autor, matriz. Todo artista tem que passar uma mensagem, e o carnaval dos pardos, porque branco aqui não tem, é feito de mensagens libidinosas, pueris e espúrias".

Geronimo revela que um de seus desejos é que os outros dias da semana (além da terça, que ele avisa logo que é sua) sejam preenchidos com projetos culturais na escadaria do Passo. "Podia ter dança, teatro, festival de capoeira", sugere.

Ele diz que qualquer projeto realizado no Centro Histórico é um sucesso porque tem público. "Muita gente acha melhor não fazer por aqui, isso porque a sociedade baiana precisa usar suas roupas de inverno, e faz calor na cidade. Aí tem que sair de noite e de ar condicionado. E a roupa com aquele cheiro de naftalina".

Compositor de hits como Eu Sou Negão, Jubiabá e Abecedário, Geronimo reúne mais de duas mil pessoas nas noites de terça-feira na Escadaria, e afirma que muitos turistas adiam a volta às suas terras para poder participar da festa. "O pessoal de fora que já conhece o projeto pede para viajar na quarta-feira só pra não perder Geronimo e a Banda Mont Serrat".


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