sexta-feira, 28 de março de 2014

Volpi para exportação

Antonio Gonçalves Filho

Uma retrospectiva do pintor Alfredo Volpi (1896-1988) com 85 pinturas de 27 colecionadores é um evento raro nestes tempos em que o governo, por meio do Ibram (Instituto Brasileiro de Museus), fareja obras “de interesse público” em coleções particulares. A mostra Volpi – A Emoção da Cor será inaugurada nesta quinta-feira, para convidados, e na sexta, para o público, na Galeria de Arte Almeida & Dale, uma semana antes da abertura da 10ª SP-Arte. Ou seja, a tempo de atrair curadores de importantes museus estrangeiros.

Têmpera sobre tela da série 'Fachadas', pintada por Volpi na década de 1950, em que o pintor combina dois elementos básicos de seu repertório, as 'bandeirinhas' e as 'fachadas' de casas antigas; a obra pertence a uma coleção particular DIVULGAÇÃO


Tela da série 'Faixas e Mastros', têmpera pintada entre os anos 1960 e 1970, em que Volpi introduz o movimento DIVULGAÇÃO

Têmpera de Volpi, sem data, em que é possível notar o rastro das pinceladas, dando à pintura um aspecto de aquarela DIVULGAÇÃO

Paisagem pintada por Volpi entre as décadas de 1920 e 1930, pertencente à coleção Mastrobuono, mostra uma canoa às margens do rio Candiné, em São Paulo Divulgação

Têmpera sobre tela da série 'Casarios', pintada na década de 1940 em Ouro Preto, mostrando um cinema da cidade; a tela pertence à coleção particular do chanceler cearense Airton Queiroz DIVULGAÇÃO
Os diretores da galeria convidaram (com passagem e estadia pagas) representantes de cinco deles – entre os quais o MoMA de Nova York, a Tate Modern de Londres e o Reina Sofia, de Madri – para visitar a mostra e, quem sabe, despertar o interesse dos estrangeiros pela obra de nosso principal pintor moderno, ainda uma presença tímida no mercado internacional.

Apesar de integrar o acervo do MoMA (são 12 as telas do pintor no museu nova-iorquino), Volpi não é disputado por colecionadores estrangeiros como Lygia Clark (1920-1988) ou Mira Schendel (1919-1988), para citar dois exemplos recentes de artistas hiper valorizados depois de suas exposições póstumas no MoMA e na Tate.

O galerista Carlos Dale Jr., sócio de Antonio Almeida, confirmou a presença na mostra de Luis Pérez-Oramas, curador do acervo latino do MoMA e da retrospectiva da brasileira Lygia Clark no museu americano. “O convite é uma estratégia para chamar a atenção dos curadores e diretores de museus para um pintor muito valorizado no Brasil, mas pouco presente nos acervos estrangeiros”, explica o marchand, que tem nove Volpis em sua coleção particular. “Ele é muito sedutor, é quase impossível ter só uma tela dele, o que justifica o termo volpista”, justifica Dale.

Os volpistas, até recentemente, eram poucos. A produção de Volpi está concentrada em meia dúzia de coleções importantes, como Mastrobuono, Giobbi, Biezus e Momesso, que têm juntas mais de mil obras do pintor, um terço das telas que produziu, das quais 2.239 já estão catalogadas. Mas a turma dos volpistas já começa a se espalhar. A mesma galeria dos sócios Almeida e Dale vendeu mais de 200 pinturas do artista para o Norte e Nordeste nos últimos dez anos, ampliando o círculo dos colecionadores de Volpi fora do eixo Rio-São Paulo.

A curadora da retrospectiva, Denise Mattar, teve acesso às principais coleções e selecionou telas que representam o melhor da produção de Volpi desde o começo de carreira. Como o pintor não datava suas pinturas e com frequência retomava formas do próprio passado artístico, montar uma exposição em ordem cronológica era um desafio a mais para a curadoria, que optou por mostrar essa ressonância ao colocar lado a lado telas de diferentes períodos que dialogam entre si.

Volpi começou a pintar há exatos 100 anos, em 1914. Sua primeira exposição individual foi em 1944. A retrospectiva traz pinturas da época da primeira coletiva da qual o pintor participou, em 1925, em que vendeu uma tela que retrata sua irmã costurando. “Esse é, por exemplo, um tema que ele retoma posteriomente em outras telas”, observa a curadora. Há, na mostra, um quadro dessa época. Ele mostra uma família de afrodescendentes em frente ao circo em que se apresentava o palhaço Piolin (1897-1973), hoje pertencente à coleção do chanceler cearense Airton Queiroz, um novo volpista. A curadora teve o cuidado de agrupar trabalhos que mostram a transição da arte figurativa para as “bandeirinhas” e “fachadas” que tornaram o pintor conhecido, após ser premiado na Bienal de 1953 graças à insistência do crítico inglês Herbert Read.

O que Read viu nos anos 1950, o espectador contemporâneo pode conferir em 2014: Volpi não foi um pintor ingênuo, mas um “antropófago natural”, como diz a curadora, alguém que assimilou as lições dos renascentistas (Giotto, Piero della Franesca), dos modernos franceses (Cézanne, Matisse) e dos metafísicos italianos com a austeridade de um mestre.


Fonte: Estadão

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