terça-feira, 8 de julho de 2014

50 anos desde o lançamento do livro de Yoko Ono que inspirou John Lennon a escrever ‘Imagine’

Primeira obra de arte conceitual da artista, ‘Grapefruit’ nunca foi editado em português

Capa original do livro “Grapefuit”, de Yoko Ono, lançado em edição artesanal em julho de 1964 - Reprodução
POR MARIANA FILGUEIRAS

RIO. “Registre o som da neve caindo. Deve ser gravado de noite. Não escute a gravação. Corte-a e use-a como fita para amarrar presentes.” Ou: “Roube a lua da água com um balde. Continue roubando até que não se veja a lua na água”. Ou ainda: “Imagine um peixe dourado nadando através do céu. Deixe-o nadar de leste a oeste”. As sugestões anteriores podem até lembrar um recado perdido do poeta brasileiro Manoel de Barros, mas são os versos que inspiraram o beatle John Lennon a compor a música mais vendida de sua carreira solo, “Imagine”, do álbum homônimo, de 1971, das canções mais importantes de todos os tempos.

As “instruções”, como a autora chama, fazem parte do primeiro livro de arte de Yoko Ono, “Grapefuit”, incluindo textos e desenhos, lançado por ela em julho de 1964, há exatos 50 anos. Dois anos antes, portanto, de a artista conhecer John Lennon em Londres. Editada em países da Europa, na Argentina e nos Estados Unidos (onde uma edição antiga chega a custar R$ 1 mil no E-bay); usada em workshops e exibições que a artista dá pelo mundo, a obra, no entanto, jamais teve edição em português. Há apenas uma edição raríssima, feita em 1981, de 500 exemplares, com a tradução de algumas das “instruções”, feita pelos escritores Mônica Costa e Régis Bonvicino.

— É uma obra seminal para a arte conceitual, que flutua nesse limite entre a poesia e as artes plásticas — avalia a professora de artes visuais da Universidade Federal de Minas Gerais, Giovanna Viana Martins, de 57 anos, autora do trabalho acadêmico “Grapefuit: Projeção poética sobre o mundo” (disponível na internet) e da única tradução completa da obra em português, de 2009, trabalho financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), que jaz nos arquivos eletrônicos da instituição e que nunca foi comercializada. — Cheguei a mostrar o trabalho para algumas editoras, mas nunca houve interesse. É curioso, uma artista desse porte...

OLÁ, MEU NOME É JOHN LENNON

No artigo, Giovanna diz que as instruções de “Grapefruit” propõem uma “desaceleração pacífica do tempo”, e que são, na verdade, propostas de pinturas: “O que estes agrupamentos de palavras propõem é exatamente o que é a pintura: descrição do mundo e das coisas do mundo, escrita ou por imagem, e formada somente quando alguém se põe diante dela e a ressignifica”.

A compilação de estímulos imaginários (mais um: “Martele um prego no meio de um pedaço de vidro. Envie cada fragmento para um endereço arbitrário”) foi escrita por Yoko Ono quando ela ainda vivia em Tóquio. O livro teve uma pequena tiragem em japonês-inglês, com 500 exemplares, que ela vendia nas ruas, em cópias artesanais. Como não vendeu tudo, deu muitos exemplares de presente — e um deles foi parar nas mãos de Lennon, quando se conheceram. A obra foi relançada em 1970, quando ganhou uma breve apresentação do músico: “Olá! Meu nome é John Lennon. Gostaria que conhecessem Yoko Ono”.

No ano seguinte, ele lançou a canção, que começava com o verso “Imagine there’s no heaven” e uma série de outras instruções imaginativas, mas nunca fez referência à obra. Em dezembro de 1980, na última entrevista que deu à BBC, John Lennon fez o mea-culpa machista e assumiu que devia a coautoria de “Imagine” a Yoko: “Na verdade ela deveria ser creditada como Lennon-Ono, porque muito da letra e do conceito veio da Yoko. Naqueles dias eu estava um pouco egoísta, um pouco ‘macho’, e omiti a contribuição, que veio do livro dela, ‘Grapefuit’, com peças como ‘imagine isto’, ‘imagine aquilo’. Se tivesse sido Bowie, eu colocaria ‘Lennon-Bowie’, mas era a minha mulher, não pus o nome, sabe?”.

Em 2007, os manuscritos do livro foram expostos no Brasil, por ocasião de uma individual de Yoko em São Paulo.


Fonte: O Globo

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