quinta-feira, 31 de julho de 2014

É um dever cívico dos baianos lutar contra a burrice


Paula Janay Alves

O empresário e publicitário baiano Nizan Guanaes, um dos fundadores do Grupo ABC, foi para o Rio aos 21 anos em busca de mais oportunidades na carreira. Hoje, com 56 anos, diz que uma das suas pautas é fazer com que os talentos da Bahia não mais precisem sair do estado para "construir suas empresas". "A Bahia hoje está mais no meu radar do que nunca. E eu quero ajudar numa pauta propositiva para que a Bahia não seja mais o lugar que as pessoas tenham que deixar para fazer sucesso", afirma. Nesta entrevista exclusiva ao A TARDE - a segunda da série com grandes empresários publicada sempre às sextas-feiras -, Nizan Guanaes fala do projeto de expansão do Grupo ABC, criado em 2002 e que hoje é um dos maiores conglomerados de comunicação do mundo, composto de 15 empresas e com um faturamento de mais de R$ 900 milhões anuais. Entre seus planos está o crescimento da agência Morya, de quem o Grupo ABC é sócio desde 2011.

Em seus artigos e palestras, o senhor demonstra uma visão muito otimista da economia do Brasil. Qual é a razão desse otimismo? E qual é a sua visão sobre Salvador e a Bahia?
Porque o Brasil deu um salto grande com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e um salto grande com o ex-presidente Lula. Hoje nós vivemos um movimento desafiador. O momento em que as pessoas crescem e elas não querem coisas do passado, ficam mais exigentes. No caso da Bahia e de Salvador, eu estou particularmente entusiasmado com a mudança na prefeitura. Acho que o prefeito (ACM Neto) tem outro vigor e outra pegada. É importante para a gente porque Salvador dá o tom da Bahia. Não adianta melhorar a Bahia inteira e deixar Salvador triste e largada como aconteceu nos últimos oito anos.

O senhor tem um quadro de Steve Jobs em sua sala. O que ele ensinou para o mercado em geral?
Ele ensinou a gente a ter coragem. Ele dizia que o mundo é dos malucos e das pessoas que remam contra a maré, que o mundo é dos descontentes. Ele diz no final de um texto histórico dele que as pessoas que são loucas o bastante para pensarem que podem mudar o mundo são aquelas que mudam o mundo.

De que forma o senhor traz isso para a sua vida?
Eu nasci no Pelourinho e contruí um grupo de R$ 1 bilhão. Sou embaixador da Unesco, sou Alto Comissariado da Aids nas Nações Unidas. A África foi eleita a melhor agência do mundo este ano pela Advertising Age. Uma das minhas outras agências, a DM9, é uma das mais premiadas da história do Festival de Cannes, com mais de 114 leões. Eu fui muito além do Pelourinho. Agora o que estou fazendo é voltar para cá. E lutar com unhas e dentes pela aprovação do projeto da orla de Salvador, que é a grande maneira de a gente ter a orla bonita que merece. A terra de Caymmi não pode ter um monte de churrascaria vagabunda na orla. Temos que lutar contra a burrice. É um dever cívico dos baianos lutar contra isso.

Já há algum projeto em andamento na Bahia?
Nós somos sócios da Morya. Nós queremos muito que a Morya cresça, nós queremos fazer outros investimentos, mas na minha área, não essas maluquices de sair comprando prédios (em referência à compra do antigo prédio de A TARDE para criação de um hotel, depois vendido a um grupo espanhol). Isso são delírios de quem tem 30 anos. Já cometi um monte de erros. E uma coisa eu aprendi: errar é rápido. O dramático é ficar arrastando erros.

O senhor falou que os empresários nordestinos têm pavor à publicidade. O senhor considera que temos empresas regionais que teriam espaço para expandir nacionalmente?
Há um problema que o empresário nordestino tem que é não tem uma visão de construção de marca. A empresa até se orgulha do quanto ela não gasta em publicidade. Estamos fazendo alguma coisa diferente, porque o mundo não é assim. Há empresas no Nordeste que poderiam estar muito mais à frente se investissem mais em publicidade e em marketing. Nem todo mundo precisa de publicidade. Umas vão se comunicar fazendo publicidade, outras vão se comunicar fazendo promoções e outras vão se comunicar fazendo relações públicas. Mas todas precisam de comunicação.

A Bahia tem problema em reter os seus bons profissionais, que acabam indo buscar oportunidades em outros mercados. O que seria preciso para mudar essa situação?
Essa tem sido a minha pauta porque eu tive que fazer essa escolha dura. Porque não é fácil você aos 21 anos sair de sua terra, deixar toda sua história para trás e ir morar sozinho no Rio de Janeiro ou em São Paulo. Não gosto de ficar muito tempo fora de casa. Mas eu passei a minha vida inteira fora de casa. Então, a Bahia hoje está mais no meu radar do que nunca. E eu quero ajudar numa pauta propositiva para que a Bahia não seja mais o lugar que as pessoas tenham que deixar para fazer sucesso.

A África ganhou o prêmio de destaque internacional do ano. Como é que está o processo de expansão internacional do Grupo ABC?
O Grupo agora vai se expandir pela América Latina, em países como México, Chile, Colômbia e Peru. São os países da aliança do Pacífico que estão crescendo de uma maneira extraordinária. Nós vamos crescer na América Latina na parte de serviços de marketing e não tanto em agência de publicidade. E queremos crescer mundo afora através de uma microrrede com a Pereira & O'Dell. Essa agência tem sido apontada como uma das grandes agências dos Estados Unidos, fica em São Francisco, e agora ela já está em Nova Iorque, São Paulo e Rio de Janeiro. Acredito que ela vá se expandir mundo afora formando uma microrrede.

Por que a escolha desses países?
As leis desses países estão favorecendo o crescimento de empresas. As empresas são atraídas para os lugares onde podem crescer. Não adianta querer que as empresas venham para cá. O Brasil quer atrair empresas, mas o tempo para registar empresas no Brasil ainda é enorme. Nós temos que transformar vontades em políticas públicas. Então, a expansão do grupo se dará na América Latina e nos mercados regionais do Brasil, como na "China brasileira", que é o Nordeste.

Em ano eleitoral, o senhor tem clientes para fazer campanha política ou é uma área que não interessa?
Eu fiz as campanhas de Fernando Henrique Cardoso de 1994 e de 1998 por causa de Geraldo Walter, que era o homem de marketing político e era o marketeiro. Na realidade eu era o homem de criação. Mas eu não tenho nenhuma vocação para esse setor e nenhum apreço. Acho que é da maior importância para quem faz. Mas não é o meu setor. Acho que a vida é feita de escolhas, do que você faz, e definir o que você não faz. Essa é uma área que eu não faço.

Por que o senhor não tem apreço? O marketing político te incomoda?
Ele é polêmico e eu sou um empresário. Eu não quero sair por aí conquistando inimigos. Não quero sair por aí tendo que tomar partido e lados. Essa não é a lógica do empresário. A lógica empresarial não é essa. A lógica empresarial é conviver com as diferenças. É focar no seu negócio. O empresário no Brasil já tem problemas suficientes e não tem que ficar correndo atrás de problemas.

A publicidade e o marketing político conseguem construir ou falsificar um candidato?
A publicidade e o marketing político podem construir falácias. Mas é para isso que existe o Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária), e é para isso que existe a imprensa. O Conar existe para ir em cima da publicidade privada. E a imprensa é o Conar da política.

Quais são os desafios atuais para as empresas de comunicação e publicidade?
Eu tinha 140 quilos. Hoje eu tenho 99 e preciso perder mais 10 quilos para depois fazer uma operação e pesar 85. Eu fumava, não fumo. Eu comia lactose e glúten e não como mais. Bebia coisas que tem gás e hoje não tomo. As empresas de comunicação vão precisar fazer uma coisa mais radical do que isso que estou falando. Tudo vai mudar, mas essa é a tradição do mundo. Então a gente não tem que ter medo, não, porque o mundo está fazendo aquilo que ele faz desde que ele começou, que é mudar.

Como o senhor avalia a publicidade baiana na internet?
Eu não acompanho a publicidade da Bahia. O que eu acompanho é o seguinte: o que aconteceu no nosso grupo? Nós decidimos montar agências digitais, e isso não obteve sucesso na época. Então repensamos isso e digitalizamos todas as nossas empresas. Então não tem mais uma agência especificamente digital. A África trabalha com internet como qualquer outra coisa. Não tem mais essa separação. A nossa experiência é que a integração é melhor.

O senhor já está em busca de sucessores?
Eu tenho muitos sucessores. Na África eu fiz completamente a minha sucessão. Hoje a empresa é tocada por dois copresidentes e eu estou com nose in e hands off, ou seja, com o nariz dentro e as mãos fora. Isso me dá tempo para fazer a África Zero. A África é para clientes enormes. A África Zero é para clientes que querem ser grandes, mesmo empresas grandes como a Embraer, mas que ainda não são grandes anunciantes. E me dá tempo para fazer o que estou fazendo aqui hoje (na Bahia), que é estar junto da Morya na expansão da Morya no Brasil.

Em uma recente coluna para jornais, o senhor falou que a classe alta brasileira também precisaria voltar para a escola. Por quê?
Estamos muito preocupados com a educação dos pobres. Mas é importante também educar os ricos. O Brasil tem uma nova classe média, mas ele precisa ter uma nova classe alta. Uma nova classe alta que seja uma elite responsável, engajada e preocupada com os outros. Se você não se preocupa com os outros, você vai ficar encarcerado dentro de casa. Vai viver em um carro blindado e não vai poder andar na rua. E isso não pode ser a experiência da vida. Nós precisamos educar nossas elites. Isso é uma coisa importante.


Fonte: Portal A Tarde

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