por Aline Djokic
A Nigéria tem ganhado mais destaque nas mídias de todo o mundo, desde o rapto de mais de 200 meninas e adolescentes pelo grupo separatista Boko Haram. Os ataques têm sido constantes; no início da Copa uma bomba explodiu no meio de uma multidão que esperava o começo de um jogo da seleção nigeriana. A cada semana um novo atentado, a cada semana cresce o número de meninas raptadas, escolas invadidas, povoados destruídos.
Esse e outros conflitos, juntamente com a extrema pobreza na qual a grande maioria da população vive (com menos de 1 dólar por dia), têm sido responsáveis pelo grande êxodo nigeriano. Desesperados e dispostos a tentar tudo por uma vida melhor para si e suas famílias, os emigrantes tornam-se presa fácil para as organizações criminosas internacionais envolvidas no tráfico de pessoas.
Segundo as Nações Unidas estima-se que mais de 2,7 milhões de pessoas são vítimas do tráfico em todo o mundo, 80% delas são mulheres e crianças. O tráfico de pessoas é um negócio lucrativo para os grupos do crime organizado, movimentando em torno de 32 bilhões de dólares por ano. Esse tipo de tráfico não é um fenômeno exclusivo de um único continente, ele é um problema mundial; estima-se que 66% das pessoas traficadas são mulheres, que são vendidas para a exploração sexual. Um dos destinos dessas mulheres é a Europa, no caso das nigerianas, especificamente a Itália. Atualmente cerca de 10 000 mulheres nigerianas são exploradas sexualmente na Itália, 46% delas são menores de idade.
O tráfico de mulheres nigerianas chama a atenção não só pelo número (o segundo maior na Itália, depois das romenas), mas também pela estrutura diferenciada dos demais grupos. Os aliciadores são em sua maioria mulheres, ex-prostitutas, que já tenham sido também exploradas no passado ou não e que veem no tráfico uma nova fonte de renda. Além disso, os aliciadores fazem proveito de aspectos específicos da cultura e estrutura familiar nigeriana, para melhor engendrar e manipular suas vítimas. O emprego desses métodos explica a razão da escolha de adolescentes, membros mais vulneráveis dentro dessa estrutura familiar.
As jovens nigerianas têm pouca autonomia e são muito dependentes dos demais membros da família, elas devem obediência primeiramente ao pai e secundariamente aos irmãos, seguidos da mãe e das irmãs mais velhas. Além disso, elas aprendem desde muito cedo a ver o bem-estar da comunidade, neste caso a família, como o mais importante, em detrimento de suas próprias vontades e/ou necessidades. Sabendo disso as aliciadoras aproximam-se da vítima e ganham sua confiança, enfatizando como a imigração traria não só benefícios para ela, a vítima, como também para toda sua família.
A aliciadora entra em contato com o pai, geralmente o chefe da família, ou na falta deste com a mãe. Generosamente a aliciadora oferece uma forma de empréstimo à família para possibilitar a imigração, o montante deve ser pago aos poucos, após a aquisição de um emprego na Europa, o valor chega às vezes a 40.000 euros. Dada a permissão, o responsável entrega a vítima aos cuidados da aliciadora, comumente chamada Maman, a quem a vítima, na ausência do responsável, passa a dever obediência. Esse momento da entrega da vítima como garantia é um momento muito traumatizante para a vítima, que passa a ser responsável pela felicidade de toda a família e é ao mesmo tempo „abandonada“ por ela.
Como se não bastassem esses aspectos, os criminosos usam a religião de suas vítimas como instrumento de coação. Cientes de que a maioria dos nigerianas são adeptas do vodu, os criminosos pedem no fechamento do contrato, cabelos, unhas ou pertences da vítima para levá-las a um religioso, que abençoaria a viagem e ajudaria na procura de um emprego. Às vezes um charlatão é contratado para enganar a vítima e aumentar a credibilidade da realização do pacto.
Quando a vítima mais tarde é confrontada com a prostituição (apresentada pela aliciadora como única possibilidade de pagar uma dívida tão alta) e tenta resistir, o pacto e os pertences empregados nele são usados como instrumento de coação. Dessa maneira a vítima encontra-se não só física e psicologicamente presa aos seus algozes, ela fica também espiritualmente à mercê de suas vontades. Para os grupos de apoio às vítimas esses seriam os motivos pelo qual as nigerianas procurassem visivelmente mais tarde maneiras de libertar-se de seus algozes. Em média as adolescentes suportam a jornada de exploração e violência por mais de um ano, antes de procurar ajuda.
Organizações ligadas às Nações Unidas têm investido na conscientização da população nigeriana como método preventivo, esse trabalho porém é apenas uma gota no deserto enorme do tráfico de pessoas. Além disso os grupos de apoio às vitimas na Itália alertam para os perigos das novas leis de imigração extremamente restritivas adotadas pelo país. O perigo de serem deportadas, só aumentaria ainda mais o medo das vítimas em procurar ajuda, condenando-as à escravidão.
Fontes:
Zeitonline. Wenn Frauen Frauen verkaufen: http://www.zeit.de/politik/ausland/2014-06/zwangsprostitution-nigeria-europa
Unicri. Victims of human trafficking and magic-religious-rituals: http://www.unicri.it/news/article/0903-5_bologna
Trafficking of Nigerian Girls in Italy – the data, the stories, the social services: http://www.unicri.it/services/library_documentation/publications/unicri_series/trafficking_nigeria-italy.pdf
Aline Djokic
Graduanda em Línguas Ibero-Românicas na Universidade de Hamburgo, escritora amadora e negra da alma negra.
Fonte: Blogueiras Negras
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