Já tinha sido chamado de macaco muitas vezes em jogos, mas nunca reagi daquela maneira como fiz contra o Grêmio. A gente releva as coisas porque é cobrado para ser profissional. E ser profissional é ouvir, fazer o seu trabalho e ir embora.
No jogo contra o Grêmio, eu estava muito tranquilo. Tudo mudou no momento em que fui até o árbitro. Eu relatei que estavam me chamando de macaco. Ele respondeu que eu estava provocando a torcida do Grêmio.
Quando fiquei de frente para os torcedores novamente, eles comemoraram. Se sentiram livres para poder continuar. E, por isso, eu fiquei irado, com raiva. O sentimento foi de ódio mesmo.
Eu vi lá que tinham negros me xingando e concordando. Podia ter ido embora. Agora seguir ali e concordar com aquela situação é burrice.
O goleiro Aranha, do Santos, durante entrevista no CT do Santos |
Na hora em que tudo aquilo aconteceu, eu pensei que alguém poderia ter filmado, que teria provas. Eu sabia que alguns não iriam entender, mas muita gente me apoiaria.
Algumas reações depois do jogo, que até hoje acontecem, incomodaram muito mais do que os gritos de macaco no dia. Várias mensagens que recebi. E-mails, ligações, gente xingando. Se você procurar na internet, tem termos racistas em páginas do Facebook com a minha foto.
Ouvi questionamentos sobre o meu apelido até. Assumo Aranha, por que não macaco? Não é a mesma coisa. Porque quando chama o negro de macaco isso vem lá de trás. Porque o negro não era visto como ser humano, gente. Isso só por ser negro.
Quando éramos escravos, não podíamos revidar, discutir. Não havia lei para nos defender. O certo era ouvir e não falar nada porque assim não apanho. Não vou discutir para não ir para o tronco. Não vou nem olhar para a cara da pessoa que me ofende.
Vai continuar existindo racismo se a gente seguir se acovardando ou sendo passivo. Para poder manter o emprego, para poder estar inserido na sociedade, no grupo de amigos.
Muitas vezes até o negro tem atitudes racistas sem saber que é. Quando? Quando é xingado e ele não revida, não digo na violência, mas com a lei. Quando concorda com certas piadas de mau gosto, ele está sendo racista!
RAP
Comecei a entender, a ter conhecimento das coisas por meio do rap.
Em Pouso Alegre (MG), na minha cidade, ouvia um cara de São Paulo falando nas músicas sobre os mesmos problemas que eu vivia. Ouvia Racionais, Consciência Humana e Thaíde & DJ Hum.
Tem aquelas situações como estar andando numa calçada e uma pessoa vem na sua direção e troca de calçada. Ou segura a bolsa.
Isso é uma atitude racista e acontecia.
O mais impressionante é que eram pessoas pobres, que estavam no mesmo contexto que eu. Você vê que é um vício antigo. A pessoa é branca, mas nem por isso ela tinha mais ou menos do que eu. Mas ela não enxerga isso.
Fonte: Folha de S. Paulo
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