quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

A carne mais barata do mercado é a carne negra

A carne mais barata do mercado é a carne negra: contra o extermínio da juventude negra e a favor do estado democrático de direitos

"Se não formos capazes de traçar caminhos alternativos priorizando a participação social, garantia de direitos, efetividade de nossas leis, reconhecendo e respeitando as diferenças, então nos declaremos vencidos pelas armas e pelo derramamento de sangue
por Carla Liane N. dos Santos

Há algumas semanas atrás assistimos de cá o apelo da presidente da república para que as autoridades da Indonésia poupassem as vidas de dois brasileiros presos no país asiático e condenados à morte por tráfico de drogas. Disse ela, ainda, que o ordenamento jurídico brasileiro não comporta a pena de morte, e que seu "enfático apelo pessoal" expressava o sentimento de uma mãe bem como de toda a sociedade brasileira.

Semanas depois treze jovens NEGROS foram executados em Salvador - BA, na Vila Moisés situada na Estrada das Barreias, no bairro do Cabula logo após a polícia receber a informação de que um grupo de trinta homens planejava roubar um banco na região, desencadeando um confronto armado, conforme noticiado pela impressa.

É muito difícil como cientista social calar diante de tais fatos. Voltamos então a pensar sobre a efetividade do ordenamento jurídico brasileiro e sobre o sentido da justiça em uma sociedade democrática? A justiça para quem, diante da “invisibilidade das desigualdades no Brasil? Aqui, quem tem o direito de defesa? Estamos declarando o fim do Estado de Direitos e pregando o olho por olho e o dente por dente? Se assim for, abriu a temporada do salve-se quem puder, em que Hobbes diria que homem é o lobo do homem!!! Ou talvez estamos vivendo o tempo em que como diria Maquiavel, os fins justificam os meios. Caracterizamos como Civilização ou Barbárie?

É até compreensível a máxima Weberiana de que o Estado possui o monopólio da violência, expressa pelo uso legitimo da força física dentro de um determinado território, visando, sobretudo, a manutenção da coesão social, da ordem e antes de mais nada, em nome da JUSTIÇA.

A quem pedir clemência, em nome das mães e das comunidades negras das periferias da cidade que convivem com o diário derramamento de sangue dos seus? Como justificar a naturalização de tal desintegração da ordem social?

Continuaremos reproduzindo da forma mais perversa e desigual a luta de classes associada ao preconceito e discriminação racial?

Não podemos ser superficiais nas nossas análises nos atendo apenas aos fins, esquecendo os meios e, sobretudo, esquecendo as raízes de tais desigualdades. É necessário ra-di-ca-li-zar !!!

A temática da violência em suas múltiplas dimensões constitui uma questão crucial que desafia as políticas de desenvolvimento social no Brasil contemporâneo. Presencia-se, atualmente, o expressivo número de jovens em situação de pobreza e desfiliação social, sem oportunidades de trabalho, envolvidos no submundo de uma sociabilidade precária, configurando um quadro que coloca a juventude negra em uma posição de vulnerabilidade e de falta de perspectivas futuras.

Como dizia Arendt, a violência é uma forma de supressão da palavra, o que leva à negação da condição humana. Neste sentido, o enfrentamento da violência depende do resgate do direito à palavra, da expressão das necessidades e reivindicações dos sujeitos, do fomento de espaços coletivos de discussão.

Não podemos calar diante desse quadro, a violência será sempre a pior solução. Ela reflete um ato de brutalidade sustentada na opressão, intimidação, medo e o terror. Graças aos movimentos sociais avançamos e conquistamos o Estado Democrático (com muito a aperfeiçoar), não podemos retroceder. Para reverter esse cenário de genocídio da juventude negra das nossas periferias, o poder público deve entrar nas comunidades oferecendo-lhes ao invés de balas de fogo, oportunidades, reconhecendo as diferentes subjetividades e necessariamente caminhando junto com a juventude multifacetada na direção da inclusão social e do bem comum, fortalecendo o protagonismo desses atores, criando espaços de inserção positiva, socialmente referenciada.

Se não formos capazes de traçar caminhos alternativos priorizando a participação social, garantia de direitos, efetividade de nossas leis, reconhecendo e respeitando as diferenças, então nos declaremos vencidos pelas armas e pelo derramamento de sangue, onde o alvo é sempre o mesmo. Afinal, a carne mais barata do mercado é a carne negra!

* Carla Liane N. dos Santos, é socióloga, doutora em Ciências Sociais,
especialização em Direito Constitucional Afrodescendente e vice-reitora da Universidade Estadual da Bahia – UNEB

Fonte: Portal Vermelho

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