sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Aprovada na UFPE pelo Sisu, travesti recebe trote da mãe e posta manifesto no Facebook

Maria Clara Araújo é a primeira pessoa da família a entrar na universidade e vai cursar Pedagogia

POR EDUARDO VANINI - Do O Globo

Foto mostra momento em que Maria Clara
 recebe trote da mãe pela aprovação na 
universidade - Reprodução/Facebook

RIO - "Hoje tive minha sobrancelha raspada por minha mãe, emocionada por ter sido a primeira pessoa de minha família a ser aprovada na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). O que pra ela é uma realização pessoal de mãe que, diga-se de passagem, sempre me incentivou a estudar, para mim, uma travesti negra, é uma conquista com imenso valor simbólico." Com estas palavras, a estudante Maria Clara Araújo, de 18 anos, inicia um manifesto que já teve mais de 7 mil compartilhamentos no Facebook. O texto foi a maneira escolhida por ela para comemorar sua aprovação no curso de Pedagogia pelo Sisu.

Ao longo do depoimento, acompanhado por uma imagem que mostra o trote aplicado pela mãe, Maria relembra toda a sua trajetória até chegar ao banco de uma universidade.

"Desde muito cedo, o âmbito educacional deixou o mais explicito possível suas dificuldades em compreender as particularidades de minha vida: aos 6 anos, desejando ser a Power Range Rosa , aos 13 usando lenços na cabeça, aos 18 implorando pelo meu nome social e, logo, o reconhecimento de minha identidade de gênero. Nenhuma foi atendida", escreve.

A luta pelo reconhecimento dos seus direitos, como ela bem sabe, está longe de terminar. Uma das questões que tem pela frente, por exemplo, é garantir que será tratada pelo nome social na universidade. "Se ontem a professora tirou a boneca de minha mão, hoje o Reitor diz não ter demanda para meu nome social."

Em entrevista por telefone, Maria contou que fez o manifesto ao observar que era a primeira travesti a passar na UPPE. Justamente por isso, queria fomentar o debate sobra a falta deste público no ambiente educacional.

- Estou muito feliz com minha aprovação e, por ser a primeira, quero levar essa reflexão às pessoas. Por que sou a primeira? Por que tantas outras não têm a mesma oportunidade que eu? - questiona a jovem, que tem se aproximado cada vez mais com a militância.

Em seu relato no Facebook, ela também faz questão de lembrar as violências que sofreu em função da sua identidade sexual durante toda a sua rotina escolar e as consequências dessa realidade sobre a vida das pessoas:

"Não era só comigo, mas fui a única que aguentei. Vi, de pouco em pouco, outras possíveis travestis e transexuais desaparecendo daquele ambiente, porque ele nunca simbolizou um espaço de acolhimento, educação e aprendizagem. Mas sim de opressão, dor e rejeição."

Ao finalizar o texto, ela comenta que a própria escolha do curso parte da vontade de mudar essa realidade:

"Optei por Pedagogia com a esperança de poder ser um diferencial. De finalmente pautar a busca por uma educação que nos liberta e não mais nos acorrente", afirma. "A escolha é apenas uma: lutar ou lutar. E eu, Maria Clara Araújo, escolhi ser um símbolo de força."

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