Tenho andado pelas ruas e perdido as contas. Perdido as contas de quantos cabelos crespos vejo por aí. Crespos mesmo, do jeito que eles são em todo o seu embaraço, com todas as suas irregularidades, em toda multiplicidade de cor e texturas. Não “relaxados”, não “domados” como os querem os rótulos de xampu. Cabelos crespos que andam por aí a fazer reverências à cor da pele, aos largos narizes, às grandes bocas, aos largos e fortes quadris. Crespos que guardam memórias e vão por aí a encrespar também os que insistem em alisar o mundo. Tenho andado pelas ruas e sentido gratidão por cada homem, cada mulher preta que, com seu cabelo, me oferece também a sua história, sua resistência. E compartilha comigo uma dor que de tão cotidiana parece, por vezes, nosso lugar comum. Me oferecem, com seus crespos, a chance de saber-me bonita. Bonita, sim! E me oferecem, acima de tudo, as possibilidades de me identificar, de poder pensar: “talvez meu cabelo ficasse bem com esse corte”; “talvez meu cabelo fique bem com essa cor”.
Por Adriane Henderson, no Meninas Black Power
Parece uma bobagem quando você não viveu uma vida em que durante vinte e poucos anos seu cabelo não tem outro lugar se não o “cabelo ruim”; o que precisa “dar um jeito”; o que “tem volume de mais”; o que “não tem jeito”. Amarra! Prende! Tá feio assim! Alisa logo! Uma violência tão sutil quanto institucionalizada, praticada dentro de casa, entre os amigos e por aqueles que te querem bem. Hoje reverencio meus antepassados que com suor e sangue resistiram e ainda assim nos ofereceram alegria e beleza na música, na dança, nas artes, na mitologia. Tenho andando pelas ruas e reverenciado cada homem, cada mulher preta que com seu crespo exerce liberdade, por que essa só pode estar presente no gesto cotidiano, nunca foi institucional. Reverencio cada homem e cada mulher preta que com seu crespo segura a minha mão e me faz hoje afirmar com toda minha força: “sou negra ainda que tu me queiras morena”.
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