quarta-feira, 8 de abril de 2015

Lina Bo Bardi traçou a alma do centro de Salvador

Atenta ao social, Lina Bo Bardi traçou a alma do centro de Salvador; projetos

Casa do Chame-Chame foi 1ª criação na cidade da arquiteta ítalo-brasileira.
G1 mostra os principais projetos de Lina, mas alguns não foram executados.

Tatiana Dourado

Lina Bo Bardi no Solar do Unhão, em Salvador (Foto: Acervo/Instituto Lina Bo Bardi)

Lina Bo Bardi, se fosse música, seria a “Serenata em Dó Menor K.388” ou a “Sinfonia N°41”, assinadas por Wolfgang Amadeus Mozart. “São arquitetonicamente perfeitas em termos de forma, de processos composicionais, de beleza de linhas, de desenvoltura dos contrapontos, dos diálogos”, associa Carlos Prazeres, maestro que começa a reger novo projeto em que a Orquestra Sinfônica da Bahia (Osba), tendo como selo o nome da arquiteta ítalo-brasileira, passa a ocupar espaços culturais como museus. De legado múltiplo, sempre vinculado às artes e com olhar atento ao social, nos pelo menos cinco anos em que viveu em Salvador Lina projetou e conservou alguns dos principais patrimônios da cidade.

Tudo começou no ano de 1958, quando recebeu o convite para idealizar a famosa “Casa do Chame-Chame”, imóvel erguido na esquina da atual Rua Plínio Moscoso entrelaçado a uma jaqueira, destruído desde a década de 1980 para dar espaço a um prédio. De acordo com a doutora em arquitetura e urbanismo e professora da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Carla Zollinger, foi nessa oportunidade que Lina, de fato, criou afetividade com cultura baiana. “Ela já conhecia artistas e intelectuais como Mário Cravo e o jornalista Odorico Tavares, por exemplo. Então viaja com um grupo, conhece o recôncavo, o sertão, vai a festas populares, a procissões. Tinha referência muito presente da história da guerra de Canudos e quis visitar Monte Santo. Conhece a Bahia desconhecida para a maioria dos brasileiros, uma espécie de confirmação da afinidade, expressa em suas notas. Ela registra os hábitos, as tradições, os costumes populares. Ela mesmo expressou que a obra dela está repleta dessa vivência”, diz.

Nessa passagem intensa pela cidade, idealizou projetos que não foram executados, como a Casa Mario Cravo, a instalação de um centro social na Igreja da Barroquinha e a residência-fundação de Pierre Verger. Outros, no entanto, são símbolos do esforço de pesquisa histórica da arquiteta modernista radicada no país. Entre eles, as obras da décadas de 1980 na região do Centro Histórico, como a Casa do Benin, a Casa do Olodum, a Ladeira da Misericórdia, o Solar do Unhão, o Teatro Gregório de Matos e o Belvedere da Sé. Para Zollinger, exemplos do trabalho de “antirevitalização”, como defendido por Lina Bo Bardi. “Ela sempre atuou para respeitar a alma popular e dar condições para que as pessoas ali morassem. As obras estão situadas em vários pontos do centro justamente por esse cuidado com os vários locais que precisam dessa intervenção cuidadosa. Era um outro urbanismo, preocupado com o social. Tem uma expressividade muito grande por agregar toda a carga histórica do lugar e da Lina”.Do contato com o professor e arquiteto Diógenes Rebouças, passou a dar aulas na UFBA e a editar o caderno "Crônicas de arte, de história, de costume, de cultura da vida: arquitetura, pintura, escultura, música e artes visuais", no Diário de Notícias de Salvador, tornando-se referência também como agitadora cultural. Foi a primeira diretora do Museu de Arte Moderna da Bahia (MAM-BA), instalando-o inicialmente no foyer do Teatro Castro Alves (TCA) ainda em reforma após o incêndio que tomou a sua estrutura cinco dias após a inauguração. “Ela aproveitou todos os espaços encontrados, até o palco. Era um museu vivo, que agregava todas as artes. Tinha teatro, cinema, música, cineclube. Lina o chamava de museu-escola. Ela pretendia manter uma galeria do MAM no TCA e queria transformar o TCA em um teatro popular”, relembra a pesquisadora.

Lina Bo Bardi no Solar do Unhão, em Salvador (Foto: Acervo/Instituto Lina Bo Bardi)

A convite do G1, a professora Carla Zollinger aprofunda o legado arquitetônico de algumas das principais obras de Lina Bo Bardi em Salvador. Acompanhe.

Casa do Chame-Chame
(Foto: Acervo/Instituto Lina Bo Bardi)

Casa do Chame-Chame: “É interessante porque ela ajudou o advogado a escolher o terreno no loteamento no Chame-Chame [bairro de Salvador]. Ela se apaixonou por uma jaqueira enorme e convenceu o casal a adquirir o lote, porque ainda existia uma dúvida. A casa se enlaçava na jaqueira. Foi chamada de “Casa de Pedra”. Era coberta de vegetação. Tinha muito dessa vivência que ela experimentou nas viagens. O aproveitamento de objetos descartados que ela encrustou nos muros da casa, as bonecas quebradas, conchinhas, cacos de louças, objetos, pedrinhas, na fachada e nos muros. A casa foi demolida e a jaqueira também. Hoje tem um edifício lá”.

Restauração do Solar do Unhão; projeto de Lina
em Salvador (Foto: Acervo/Instituto Lina Bo Bardi)

Restauração do Solar do Unhão e adaptação para sede do MAM e do Museu de Arte Popular: “[O Museu de Arte Popular] foi um projeto que ficou interrompido porque, com a ditadura miliar, o contexto deixou de ser favorável. Era um momento de muita ação. Desde que o MAM foi instalado no TCA, ela vinha fomentando esse respeito pela produção popular através de exposições, materiais, objetos, cadastro de fazeres. O projeto estava bem avançado, mas já não era viável assim que instalada a ditadura, que era contrária a esse tipo de ação. O Unhão ela conheceu em 1958 e estava ameaçado pela construção da Avenida de Contorno, que ia passar sobre alguns. Mas ela desde o princípio buscou a viabilidade da restauração e até da modificação do projeto. Diógenes [Rebouças, responsável pelo projeto] se dedicou à modificação do traçado para não destruir o Forte da Gamboa e o Unhão. Lina conseguiu de Juracy Magalhães [governador da época] a compra do lugar e o aval para restaurar. Na época, era um engenho com capela, casa grande, que depois virou trapiche, galpão. Tinham vários usos, inclusive oficinas de carros. 

Ladeira da Misericórdia; projeto de Lina Bo Bardi
(Foto: Acervo/Instituto Lina Bo Bardi)

Ladeira da Misericórdia: Foi um projeto para o centro da cidade, que estava com situação muito complicada de deterioração. Ela não cansava de repetir a necessidade dos arquitetos, urbanistas e políticos de estarem atentos à alma do lugar. Ela propôs esse projeto, que era piloto para o Centro Histórico, pensando na alma do lugar. Ela tinha preocupação de manter as pessoas morando nessas casas. Era uma proposta crítica. Ela sabia que o projeto estava longe do ideal. Porque o ideal na arquitetura não está calcado no real. Era mais ou menos a antítese do modus operandi dela - trabalhar apenas com o que tinha nas mãos. O projeto piloto era para recuperar a alma do lugar e manter as dinâmicas que já existiam por lá.

Casa do Benin, no Pelourinho
(Foto: Divulgação)

Casa do Benin: É uma força muito grande com aquele pátio que recuperava a mata lá dentro como memória da mata africana. Esse é um projeto que vale a pena mencionar. É uma maneira de se dirigir ao patrimônio. Não busca a preservação segundo correntes estáticas. É uma forma muito mais complexa de se dirigir ao que é a restauração. Ela vai procurar a história da casa. Tinha cachoeira, tinha mato, todas as referências da floresta africana. Uma pequena construção de palha. E transforma também os edifícios. E um deles seria a residência do representante do Benin, e o outro era o espaço para exposições, reuniões. Fez parte do projeto piloto do Centro Histórico.


Fonte: G1 BA

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