segunda-feira, 20 de abril de 2015

Professora muda perspectiva de quilombolas da zona rural de Pernambuco

Daiane Souza

Designada para lecionar em uma escola nas proximidades da comunidade Barro Preto, no município de Lagoa do Carro em Pernambuco, em 2011, a professora Joseane do Nascimento teve a sensibilidade de notar que aqueles não eram estudantes quaisquer. Com histórico de ancestralidade negra e hábitos culturais muito peculiares, eles se enquadravam no perfil estabelecido pelo Decreto 4887/2003 que os identifica como quilombolas.

Dessa percepção em diante Joseane passou a trabalhar o currículo escolar o adequando à realidade das crianças, com o que elas de fato se identificavam. Como resultados foram notados a redução da evasão escolar, ganhos no desempenho e a elevação da autoestima dos alunos. A cumplicidade entre a professora e as crianças levou ao resgate histórico da comunidade que teve como repercussão a certificação do Quilombo Barro Preto pela Fundação Cultural Palmares (FCP/MinC) em 2013.

“A chegada de Joseane na comunidade foi muito importante. Com ela tivemos uma visão diferente dos direitos e das oportunidades de desenvolvimento que temos”, afirmou Maria José da Silva, liderança de Barro Preto. “O acesso das crianças à escola ficou mais fácil. A distância é a mesma, mas agora temos o transporte escolar. O caminho feito em quase três horas a pé, agora é feito em menos de uma hora”, exemplificou enfatizando a questão da segurança e o melhor aproveitamento das aulas pelas crianças.

Para Joseana a certificação foi um desafio, pois faltava à comunidade a compreensão do que significa ser quilombola e dos seus direitos. “Porém, hoje são pessoas com autonomia e orgulho de suas raízes”, disse Joseane. De acordo com ela, o próximo passo será trabalhar para que a comunidade se fortaleça politicamente e alcance os direitos fundamentais que ainda lhes faltam como o acesso à saúde.

Ideias Criativas – A paixão da professora pela comunidade mudou o olhar que os quilombolas tinham de si e dela própria como militante em favor da causa. Diante da possibilidade do Edital Ideias Criativas lançado pela FCP, em 2013, Joseane encontrou a chance de resgatar e documentar a história desse povo.”Fui contemplada pelo projeto e por meio do livro Barro Preto: História e Herança materializei o que já existia”, disse.

A obra nortearia o futuro das 50 famílias que compõem a comunidade. Dos 1.000 exemplares da publicação, 50% foram distribuídos para escolas, instituições públicas e ONGs. No governo municipal tem sido o documento-base aos debates do Conselho de Educação que objetivam a reforma política do ensino. A proposta é que o Conselho trabalhe o currículo escolar local incluindo diretrizes que atendam as necessidades étnicas dos quilombolas.

Outros nortes – A pesquisa sobre a cultura tradicional de Barro Preto foi a primeira de muitas atividades realizadas por Joseane. Em seus estudos ela aprofundou a história de Luiz Cosmo, afrodescendente nascido em 1925, que mesmo após a Lei Áurea foi tratado como escravizado. Em busca de liberdade, ele fugiu do engenho onde o único direito era a comida que plantava e se estabeleceu no local que originou o quilombo, a 60 quilômetros de Recife.

Agora, a professora se prepara para ampliar os trabalhos envolvendo cada vez mais os quilombolas. No momento está empenhada em levantamento sobre a influência linguística das comunidades quilombolas na Zona da Mata Norte pernambucana. Entre seus interesses estão o fortalecimento do Maracatu e a manutenção da Jurema, parte da identidade do Barro Preto. “Farei o que for preciso para reafirmar as verdades histórica e cultural do quilombo”, completou.

Fonte: Fundação Palmares

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