Daiane Souza
Designada para lecionar em uma escola nas proximidades da comunidade Barro Preto, no município de Lagoa do Carro em Pernambuco, em 2011, a professora Joseane do Nascimento teve a sensibilidade de notar que aqueles não eram estudantes quaisquer. Com histórico de ancestralidade negra e hábitos culturais muito peculiares, eles se enquadravam no perfil estabelecido pelo Decreto 4887/2003 que os identifica como quilombolas.
Dessa percepção em diante Joseane passou a trabalhar o currículo escolar o adequando à realidade das crianças, com o que elas de fato se identificavam. Como resultados foram notados a redução da evasão escolar, ganhos no desempenho e a elevação da autoestima dos alunos. A cumplicidade entre a professora e as crianças levou ao resgate histórico da comunidade que teve como repercussão a certificação do Quilombo Barro Preto pela Fundação Cultural Palmares (FCP/MinC) em 2013.
“A chegada de Joseane na comunidade foi muito importante. Com ela tivemos uma visão diferente dos direitos e das oportunidades de desenvolvimento que temos”, afirmou Maria José da Silva, liderança de Barro Preto. “O acesso das crianças à escola ficou mais fácil. A distância é a mesma, mas agora temos o transporte escolar. O caminho feito em quase três horas a pé, agora é feito em menos de uma hora”, exemplificou enfatizando a questão da segurança e o melhor aproveitamento das aulas pelas crianças.
Para Joseana a certificação foi um desafio, pois faltava à comunidade a compreensão do que significa ser quilombola e dos seus direitos. “Porém, hoje são pessoas com autonomia e orgulho de suas raízes”, disse Joseane. De acordo com ela, o próximo passo será trabalhar para que a comunidade se fortaleça politicamente e alcance os direitos fundamentais que ainda lhes faltam como o acesso à saúde.
Ideias Criativas – A paixão da professora pela comunidade mudou o olhar que os quilombolas tinham de si e dela própria como militante em favor da causa. Diante da possibilidade do Edital Ideias Criativas lançado pela FCP, em 2013, Joseane encontrou a chance de resgatar e documentar a história desse povo.”Fui contemplada pelo projeto e por meio do livro Barro Preto: História e Herança materializei o que já existia”, disse.
A obra nortearia o futuro das 50 famílias que compõem a comunidade. Dos 1.000 exemplares da publicação, 50% foram distribuídos para escolas, instituições públicas e ONGs. No governo municipal tem sido o documento-base aos debates do Conselho de Educação que objetivam a reforma política do ensino. A proposta é que o Conselho trabalhe o currículo escolar local incluindo diretrizes que atendam as necessidades étnicas dos quilombolas.
Outros nortes – A pesquisa sobre a cultura tradicional de Barro Preto foi a primeira de muitas atividades realizadas por Joseane. Em seus estudos ela aprofundou a história de Luiz Cosmo, afrodescendente nascido em 1925, que mesmo após a Lei Áurea foi tratado como escravizado. Em busca de liberdade, ele fugiu do engenho onde o único direito era a comida que plantava e se estabeleceu no local que originou o quilombo, a 60 quilômetros de Recife.
Agora, a professora se prepara para ampliar os trabalhos envolvendo cada vez mais os quilombolas. No momento está empenhada em levantamento sobre a influência linguística das comunidades quilombolas na Zona da Mata Norte pernambucana. Entre seus interesses estão o fortalecimento do Maracatu e a manutenção da Jurema, parte da identidade do Barro Preto. “Farei o que for preciso para reafirmar as verdades histórica e cultural do quilombo”, completou.
Fonte: Fundação Palmares
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