quarta-feira, 13 de maio de 2015

Começou a vida real!

Fabricantes de eletrodomésticos e montadoras demitem 50 mil este ano

Concessionárias de automóveis também eliminaram vagas

Crise. David Ossa, que fora demitido em 2009, perdeu novamente o emprego: “A situação não está nada fácil” - Marcos Alves / Agência O Globo

SÃO PAULO - Desde o início do ano, uma onda de demissões atinge com força boa parte das indústrias de bens duráveis, principalmente os fabricantes de eletrodomésticos, eletrônicos e automóveis. Levantamento realizado pelo GLOBO mostra que pelo menos 50 mil vagas foram fechadas entre janeiro e abril nesses setores. Na Zona Franca de Manaus, que concentra a maior parte da produção nacional de eletroeletrônicos, os cortes de pessoal começaram logo após a Copa do Mundo, no ano passado. De acordo com Wilson Périco, presidente do Centro das Indústrias do Amazonas (Ciam), de outubro a fevereiro 10 mil trabalhadores haviam sido demitidos — somando-se março e abril, são mais de 15 mil postos cortados.

Os fabricantes de televisores Samsung e LG; a Whilrpool, dona das marcas Brastemp e Consul; e as montadoras de motocicletas foram as empresas que mais demitiram. Na Whilrpool, além da fábrica de Manaus, os cortes atingiram as unidades de Joinville (SC) e Rio Claro (SP). Ao todo, a empresa eliminou três mil vagas.

— Não temos (boas) expectativas para este ano. O consumidor está com medo de perder o emprego e não compra esses produtos mais duráveis. Ele só não deixa de comprar alimentos — avalia Périco, lembrando que muitas empresas do polo industrial estão se preparando para colocar cerca de oito mil trabalhadores em férias coletivas a partir deste mês.

O temor do desemprego, a inflação alta e a queda do consumo diante das incertezas sobre a extensão do ajuste fiscal são fatores citados pelos economistas para o movimento de corte de pessoal na indústria. A difícil situação do emprego no setor de bens de consumo é apenas parte de um quadro de dificuldades muito maior no mercado de trabalho, afirma Clemente Ganz Lúcio, diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese):

— O nível de desemprego, a persistir esse quadro, deve ficar de dois a três pontos acima do registrado no ano passado. Isso significaria que o desempreg

o medido pela Pnad Contínua do IBGE, hoje em 7,9%, pode passar de 10% até o fim do ano. No caso da taxa do Dieese, que se situa em 10%, pode chegar a 13%.

PRODUÇÃO CAI 15,5% NO PRIMEIRO TRI

De acordo com a Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), houve uma queda de 15,5% na produção das empresas do setor no primeiro trimestre, agravando o quadro de 2014, quando 6,1 mil postos de trabalho foram eliminados. Outros 1.030 empregados do setor perderam o emprego entre janeiro e março.

— As medidas que foram tomadas até agora só geraram insegurança nas empresas e nos trabalhadores, além de demostrar que o governo está mais preocupado em fazer caixa do que em fazer a economia voltar a crescer — queixa-se Humberto Barbato, presidente da Abinee.

Para o economista Fernando Zilveti, da FGV/Eaesp, o cenário ruim no mercado de trabalho reflete também a inabilidade do governo e das medidas que estão sendo adotadas:

— O ajuste (fiscal) é necessário, mas, até agora, o resultado foi um agravamento da crise. O governo fez um anúncio desastroso e passou insegurança para o mercado. É hora de repensar as medidas e tentar sair da crise demonstrando segurança ao mercado.

No Rio Grande Sul, os metalúrgicos da General Motors (GM) acompanham com apreensão as decisões da matriz, em São Paulo, que reduziu a produção e vem recorrendo a lay off (suspensão temporária do contrato de trabalho) e férias coletivas para ajustar a produção à baixa demanda — além do fim do benefício de redução do IPI. No Sindicato dos Metalúrgicos de Gravataí, as homologações de dispensas da GM já somam 500 desde outubro, passando de mil nos últimos 12 meses.

— Estamos muito preocupados com essa situação, e as perspectivas do mercado não são boas. Vamos começar uma campanha pelo emprego, para que os empresários não fiquem à vontade para demitir — afirma Valcir Ascari, presidente do sindicato, ressaltando, porém, que o momento é de cautela e negociação, porque o trabalhador ameaçado de demissão tem medo de se expor em um possível enfrentamento com as empresas.

Na região de Campinas, no interior de São Paulo, onde estão as fábricas da Toyota, da Honda e da Mercedes, além de grandes empresas do setor eletroeletrônico, como Samsung e Foxconn (que produz para a Apple), o sindicato local informa que, em 2014, foram demitidos 5.433 trabalhadores. E os cortes prosseguiram este ano: entre janeiro e abril, 450 vagas foram fechadas.

— Os empresários estão aproveitando essa crise política e econômica para demitir e reduzir direitos trabalhistas — diz Sidalino Orce Júnior, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Campinas e Região.

CONCESSIONÁRIAS TAMBÉM ELIMINAM VAGAS

Segundo o sindicalista, o caminho para evitar a demissão em massa é a mobilização. Ele cita a greve na Volkswagen no ABC, que, depois de dez dias de paralisação, levou a empresa a reconsiderar a demissão de 800 trabalhadores.

Em função do poder de mobilização dos trabalhadores, no ABC paulista, as montadoras já praticamente esgotaram as medidas de flexibilização do emprego (lay off, férias coletivas e licenças remuneradas) para evitar demissões. Mesmo assim, a Anfavea, associação que reúne as montadoras, contabilizou 4.900 trabalhadores demitidos entre janeiro e abril.

Somente na base do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, 3.198 vagas foram eliminadas nas montadoras. Outros 2.588 trabalhadores foram demitidos das empresas de autopeças. Tanto a Anfavea quanto o sindicato dizem que a maior parte dos demitidos aderiu aos programas de demissão voluntária (PDV) das montadoras. Nas autopeças, os benefícios se restringiram aos previstos por lei.

Ainda ontem. cerca de 4 mil trabalhadores da Volvo no Brasil entraram em greve após a companhia sueca iniciar negociações com 600 funcionários na fábrica de Curitiba sobre cortes salariais. A Volvo cita a forte queda na demanda por caminhões e está propondo que os trabalhadores mantenham seus empregos até o fim do ano, só que com salários mais baixos.

E a crise do setor automotivo já chegou às concessionárias de veículos, que, com queda nas vendas, eliminaram 12 mil postos de trabalho nos quatro primeiros meses do ano. Dados da Fenabrave, que reúne as revendedoras autorizadas, apontam que, no mesmo período, foram fechadas 250 concessionárias, número que deve atingir 258 até o fim do ano.

Na região de São Paulo, Guarulhos e Mogi das Cruzes, o Sindicato dos Metalúrgicos apurou 5.327 demissões entre janeiro e março, o que significa uma média diária de 150 homologações. O técnico em eletrônica David Reinaldo Abarca Ossa, de 51 anos, foi um dos demitidos em uma empresa de manutenção preventiva de equipamentos eletrônicos, na qual trabalhou por dois anos. Em 2009, no auge da crise financeira global, Ossa perdera o emprego pelos mesmos motivos.

— A situação não está nada fácil, mas acredito que nessa área que trabalho tenha mais chance de conseguir um novo emprego. Como tenho bastante, experiência acho que vou conseguir — conta Ossa, que na última quinta-feira foi ao sindicato assinar a rescisão.

Na indústria de máquinas e equipamentos, setor que vem passando por dificuldades há pelo menos dois anos, o desemprego atingiu 12.524 pessoas entre março de 2014 e março deste ano, uma redução de 4,9%. Em 2011, o setor empregava 260.700 trabalhadores, 20 mil a mais.


POR LINO RODRIGUES - O Globo

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