quarta-feira, 13 de maio de 2015

Em tempos de Netflix, Cannes tenta manter a importância da tela grande

"O Homem Irracional", de Woody Allen (EUA)

Em um momento em que espectadores do mundo todo trocam os filmes de autor por séries sofisticadas como "Mad Men" e "Downton Abbey", e no qual se pode baixar os filmes na internet meses antes de estrearem em seu país, qual é o papel de um festival como Cannes, plataforma de estreias mundiais de um cinema mais autoral?

Os organizadores do festival, que começa no balneário francês nesta quarta (13), não parecem interessados em responder, mas o Mercado de Cannes, onde os filmes são comprados e vendidos, tomou a pergunta para si. Tanto que um dos eventos mais aguardados do ano não é nenhum filme da competição pela Palma de Ouro, mas uma palestra que Ted Sarandos, diretor de conteúdo da Netflix, vai dar sobre como as novas formas de distribuição de filmes (leia-se "via internet") estão afetando o financiamento e a produção dos longas. É a primeira vez que um executivo da empresa fala em um festival dedicado ao velho cinema.

É fato que Cannes precisa dos filmes mais pop para atrair a mídia, mas os estúdios americanos temem que uma crítica negativa em massa recebida no festival prejudique seus filmes. Os organizadores negam, mas tudo indica que a Warner não quis abrir o festival com "Mad Max: Estrada da Fúria" com medo de uma reação negativa como a que "Grace de Mônaco", com Nicole Kidman, teve no ano passado.

Para segurar os olhos do mundo, os filmes mais aguardados por um grande público estão fora da competição pela Palma: as animações "Divertida Mente", da Pixar, e "O Pequeno Príncipe" --do diretor de"Kung Fu Panda"; o novo Woody Allen com Joaquin Phoenix, "Homem Irracional"; o aguardado documentário sobre Amy Winehouse, que já tem causado polêmica com a família da cantora; "Love", do francês Gaspar Noé, que promete as cenas em 3D mais picantes do ano.

O mundo fala inglês

Mas cinco filmes de dentro da Competição devem fazer de Cannes plataforma para uma bela estreia internacional, lançando-os ao Oscar: "The Sea of Trees", primeira parceria de Gus Van Sant com o astro Matthew McConaughey; "Sicario", novo filme de Denis Villeneuve (do elogiado "Os Suspeitos"), com Josh Brolin e Benicio del Toro duelando no narcotráfico mexicano.

Há ainda "Youth"(Juventude), primeiro filme do italiano Paolo Sorrentino após o Oscar por "A Grande Beleza", que promete atuações memoráveis de Michael Caine, Harvey Keitel e Jane Fonda; e "Carol", de Todd Haynes, que deve render mais uma indicação a Cate Blanchett como uma mulher casada nos anos 1950 que é objeto da paixão de uma moça mais jovem (Rooney Mara). Michael Fassbender e Marion Cotillard também são bons candidatos a Palma encarando Shakespeare no "Macbeth" do australiano Justin Kurzel.

Outra forte tendência que deve se repetir cada vez mais nos próximos anos: nunca o festival teve tantos diretores de língua não inglesa rodando seus filmes em inglês --numa pressão crescente dos produtores para chegar mais forte ao mercado americano e internacional. Além de Sorrentino, é o caso de outro italiano, Matteo Garrone ("O Conto dos Contos"), do grego Yorgos Lanthimos ("The Lobster") e do mexicano Michel Franco ("Chronic").

Os mestres

Para os fãs do cinema com "C" maiúsculo, a lista nunca decepciona: o melhor diretor do mundo hoje é chinês, se chama Jia Zhangke e é seríssimo candidato à Palma com seu novo filme, "Mountains May Depart". Tem ainda o taiwanês Hou Hsiao Hsien (de "A Viagem do Balão Vermelho"), o francês Jacques Audiard (de "Ferrugem e Osso"), o italiano Nani Moretti (de "Habemus Papam") e o japonês Hirokazu Kore-Eda (de"Pais e Filhos").

Pode-se dizer que Pierre Lescure, o novo presidente do festival, fez algumas escolhas ousadas para a Competição. Preferiu tirar da disputa principal e jogar para a paralela Un Certain Regard nomes que já competiram pela Palma, como o tailandês Apichatpong Weerasethakul ("Tio Boonmee..."), a japonesa Naomi Kawase ("OSegredo das Águas") e o filipino Brillante Mendoza ("Lola").

Mas a beleza de Cannes é que a grande surpresa do ano pode estar numa das mostras paralelas, a Semana da Crítica ou a Quinzena dos Realizadores, como o francês "O Pequeno Quinquin" ou o polêmico "A Gangue" no ano passado.

É torcer para que as surpresas sejam muitas --e, se não merecerem uma boa tela grande no Brasil, que cheguem pelo Netflix ou por outros canais numa TV ou computador na sua casa.

Thiago Stivaletti - Do UOL, em São Paulo

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