sexta-feira, 26 de junho de 2015

'Por que artista tem que ser progressista? Isso é besteira', diz Caetano ao abrir turnê na Europa

Tropicalistas Gilberto Gil e Caetano Veloso estreiam em Amsterdã apresentação conjunta e tentam minimizar polêmica sobre show em Israel: 'claro que a gente não pode satisfazer a todos que têm esta ou aquela causa; isso aí é uma tolice'


Sandro Fernandes 
Músicos brasileiros Gil e Caetano comemoram 50 anos de carreira e amizade ao abrir turnê internacional com show em Amsterdã


Ao abrir a turnê internacional que tem na escala um show em Israel, os músicos Caetano Veloso e Gilberto Gil tentaram minimizar a polêmica sobre a pressão por boicote contra a apresentação em Tel Aviv. "Eu, pessoalmente, não penso em fazer nada [nenhuma manifestação política]. Eu penso em fazer o show", disse Caetano a jornalistas brasileiros após a apresentação em Amsterdã na noite desta quinta-feira (25/06).

"Claro que a gente não pode satisfazer a todos os grupos que têm esta ou aquela causa. Isso aí é uma tolice", afirma Caetano. E continua: “Alguns colegas nossos são líderes de atitudes reacionárias públicas. Por que artista tem que ser de esquerda ou progressista? Isso é besteira. Eu sempre achei besteira. Esse negócio de que você tem que ser atrelado automaticamente está errado”.

O colega Gil emenda afirmando que fez três shows em Israel nos últimos dois anos. “Nestas últimas vezes que fui a Israel, houve manifestações neste sentido. Grupos, pessoas, movimentos pedindo que eu não fosse. E eu fui... Dessa vez também”.

Assista à canção 'Terra', executada por Gil e Caetano em Amsterdã:

O espetáculo na cidade holandesa marcou o início da turnê "Dois amigos, um século de música", que comemora os 50 anos da carreira dos músicos, e passará por outras 16 cidades europeias, além da parada em Tel Aviv. Nas últimas semanas, Caetano e Gil têm sido alvo de pressão do movimento internacional de boicote cultural contra Israel. Organizados pela campanha BDS (boicote, desinvestimentos e sanções), ativistas pediam o cancelamento do show, por discordar das políticas do governo israelense contra a população palestina.

Personalidades como o ex-Pink Floyd Roger Waters; o Nobel da Paz sul-africano Desmond Tutu; e o ex-ministro dos Direitos Humanos do Brasil Paulo Sérgio Pinheiro — além de quase 30 grupos de ativistas de movimentos sociais brasileiros — haviam pedido que os tropicalistas cancelassem o concerto em Tel Aviv. Em carta publicada no jornal O Globo na terça (23/06), Caetano respondeu às pressões e reafirmou a posição de manter o show: "Eu vou cantar em Israel e prestar atenção ao que está acontecendo lá".

Política brasileira

Perguntados sobre a escalada de intolerância religiosa no Brasil, com o cresicmento da bancada evangélica no Congresso e o recente ataque a uma garota que saía de um culto de candomblé em São Paulo, Gil e Caetano colocam em perspectiva.

“Essas coisas que começam a se manifestar ou aparentam ser uma novidade, uma dificuldade nova, na verdade sempre existiram", explica Gil, falando sobre os novos meios de comunicação, "essa coisa de que cada receptor é um emissor, no mundo da internet".

"Democracia é uma coisa que começou a ter vigência ampla no mundo há pouco tempo", continua Gil. "Democracia tem estas coisas. As manifestações variam. As pessoas saem dos armários, variados", continua.

Caetano pondera e diz que atualmente nenhuma igreja de grande porte tem discursos contra religiões afro-brasileiras — a imprensa, afirma, amplifica os acontecimentos. "Eu acho que o gesto impensado de uma pessoa, algo ruim, a mídia fica muito excitada. Parece que o país mudou totalmente, que está todo mundo atirando pedra nos outros. Não 'tá' assim", afirma.

Sobre o avanço das pautas conservadoras na política brasileira, Caetano e Gil dizem que isso faz parte do jogo democrático. Caetano comenta: “Tudo é perigoso”. E Gil responde: “Tudo é divino e maravilhoso".

O show na Holanda

Caetano e Gil tocaram durante 90 minutos para uma plateia de quase 2 mil pessoas, majoritariamente brasileiros, na tradicional sala de shows holandesa Concertgebouw.

A química no palco era visível. O show, apenas com voz e violão, foi uma declaração de carinho e admiração de um para o outro.

“Tive muitos parceiros no palco, meninos e meninas. Que ninguém fique com ciúme, mas é dele que eu mais gosto”, disse Gil. Caetano retribuiu a gentileza: “Eu é que gosto. Talvez mais. Fico muito nervoso ao lado dele. Ele toca muito”.

No repertório, canções emblemáticas. Em “Sampa”, tocada logo no início do show, o público cantou em coro, baixinho, terminando com fortes aplausos. Em “Toda menina baiana”, uma surpresa até mesmo para a produção do show: uma mulher vestida de baiana e contratada para servir os convidados, desceu as escadas que levam ao palco, devagar com seu traje, e cumprimentou os dois cantores, rendendo um dos momentos mais emocionantes da apresentação.

Sandro Fernandes
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Caetano e Gil cantaram 27 canções ao longo de 90 minutos para uma plateia de quase 2 mil pessoas, na maioria brasileiros, em Amsterdã

“Se eu quiser falar com deus”, “Expresso 2222”, “Andar com fé” e “Leãozinho” foram algumas das 27 músicas tocadas.

No final do show, o público, oficialmente com cadeiras marcadas, já se aglomerava em frente ao palco para tirar fotos e aplaudir de mais de perto os dois artistas. Uma fã gritou “Viva a crase”, em referência ao recente vídeo viralizado na internet, em que Caetano Veloso critica o erro no uso da crase de uma pessoal de sua produção.

Caetano, que se recupera de uma gripe e estava aparentemente mais ansioso, contou a jornalistas que ficou feliz com o show. “Eu gostei muito. 'Tropicália' saiu. Acho que foi a melhor vez que eu já cantei 'Tropicália' ”. Ele disse que estava nervoso. “Mas Gil tá aí. Vai ficar tudo certo”.

Gil também aprovou a primeira parada da turnê europeia. “Gostei. O jeito de olhar do público, a atenção... as manifestações ao longo do repertório”.
 
 
Fonte: Carta Capital

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