quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Sou pobre e nunca roubei nem matei ninguém. Mas tive escolhas


Eu sempre fui pobre, morador de favela, mas nunca precisei roubar nem matar ninguém. A verdade é essa.

Verdade porque eu sempre tive mãe. E pai também. Sempre tive comida na mesa (ainda que fosse arroz, farofa e mortadela frita), sempre tive o que vestir e o que calçar. A gente não tinha muitos brinquedos e, geralmente, só comprava roupa no natal, ano novo e aniversário, mas a nossa escola, aquela de 100 reais, sempre tava paga. Minha mãe sempre priorizou a minha educação e dos meus irmãos, e sempre acreditou na gente. Pra ela, a gente tinha era que estudar, fazer faculdade, ser alguém na vida.

É verdade porque ela sempre nos corrigiu. Com porrada (que não era espancamento) quando tinha que ser, mas principalmente com conversa, com esporro, com diálogo. A gente nunca foi solto na rua (mesmo que eu gostasse muito). Ela é do tipo que não dorme enquanto a gente não chega, sabe?

Quando eu estava na 8° série, ela pagou um curso pra mim, pra eu fazer prova e ingressar no ensino técnico. Fiquei um ano na faetec e depois tive a oportunidade de estudar, de graça, numa escola particular excelente. Escola essa que eu nunca teria condições de pagar. Eu estudei a vida inteira, frequentei a escola a vida inteira. Minha mãe nunca deixava a gente faltar, mesmo se tivesse “doente” (aquele fingimento de sempre). Também nunca fui obrigado a trabalhar. Nem eu, nem meus irmãos. A escola era o nosso trabalho.

Eu tinha oportunidades. Tive base familiar. Tive mãe que valia por dois. E mais uma vez: tive oportunidades. Coisas que amigos meus, que foram presos ou mortos, nunca tiveram. E ainda sim, mesmo com tudo isso, eu me vi tentado inúmeras vezes, me vi perdido, desorientado. Porque a gente vê a conta de luz, a conta de telefone, as compras e sua mãe preocupada porque não sabe se vai ter dinheiro, não sabe se vai dar pra pagar.

Viver em favela não é fácil. Das poucas vezes que tive minha índole e minha honestidade posta a prova, consegui me esquivar. Porque eu tinha em quem me apoiar, eu tinha escolhas. Lembro que minha mãe sempre me dizia pra ter paciência, que as coisas iam melhorar, como quem clama a Deus pra não ver o filho fazer merda.

É verdade que eu nunca roubei e nem matei ninguém. Mas eu tive escolhas. Tive oportunidades. Coisas que milhares de moleques nesse país não tem.
 
 
Enviado por Caio Cesar dos Santos via Guest Post para o Portal Geledés

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