quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Balaio de Ideias: A cozinha de Jorge Amado


Elementos para trabalhar com a fantástica cozinha baiana são variados. 

A comida na obra de Jorge Amado representa identidades que o autor quer fazer aparecer. O romance Dona Flor e Seus Dois Maridos é o mais culinário dos livros amadianos. A obra tem como protagonista uma baiana com características africanas, ameríndias e europeias. Florípedes ou Dona Flor é cozinheira e professora de culinária. A relação de Flor com a cozinha pode ser comparada à relação das Baianas do Acarajé com o tabuleiro e também às Iabassês com o Axé, cozinheiras sagradas dos candomblés.

Assim como as Baianas do Acarajé, Flor consegue a sua independência financeira através da cozinha. Com o primeiro marido, Vadinho, é obrigada a sustentar a casa. Com o segundo marido, filho de Oxalá, músico erudito, que toca fagote, instrumento que lembra o opaxorô ou cajado de Oxalá, não há necessidade de sustentar a casa. As economias de Flor, entretanto, garantem a casa própria, quando casada com Teodoro.

Em alguns candomblés, atribui-se a Oxum o matronato sobre a cozinha, Dona Flor é filha de Oxum. Assim como nos tabuleiros de Acarajé e nos candomblés, o sentido de cozinha no romance não é associado à subserviência, mas à autoridade conferida àquela que tem o poder de manipular os temperos e conquistar outro. No candomblé, a energia de quem cozinha pode determinar parte da energia do Axé. Em “Dona Flor” a sua comida conquista diversos segmentos sociais. As camadas mais abastadas da sociedade a convidam para as festas. Sobre isso, Manuel Querino fala do costume de chamar o cozinheiro ou cozinheira à sala para receber os agradecimentos e os “vivas”. No caso de Dona Flor, não era um chamamento provisório à sala. Ela fazia parte das festas, tendo como suas alunas na escola de culinária “Sabor e Arte” moças ricas. O nome da escola, por sugestão de Vadinho, filho de Exu, pode ser lido “saborearte”.

Flor conhecia a cozinha afro-baiana e a comida europeia da Bahia. Jorge Amado deixa clara a convivência em complementaridade das duas cozinhas. Através do personagem Mirandão, afirma que entre as comidas, a de dendê é a nossa principal identidade.

Em um caruru de Ibejis na casa de um Major, que por graça alcançada, referente à saúde da esposa, cumpria a promessa anualmente, a importância do azeite é revelada. No evento, além do caruru, para contemplar outros gostos, havia outras comidas que não as de dendê. Mirandão, filho de Xangô, em uma cena memorável e aparentemente despretensiosa, de boca cheia, diz que brutos são aqueles que não gostam de azeite de dendê.

Há uma inversão dos valores propagados pela parcela racista da sociedade, pois a comida de maior valor passa a ser a comida negra. Brincando, Jorge Amado diz o que pensa e demonstra seu compromisso com a cultura negra. Afinal, azeite de dendê não é óleo de maquina.


Foto: Marco Aurélio Martins/ Ag. A TARDE
Gildeci de Oliveira Leite

Fonte: A Tarde / Mundo Afro

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