Trazer à tona a triste realidade enfrentada pelas mulheres negras no Brasil não é uma tarefa fácil. Ainda mais quando você vem de um lar matriarcal, como no meu caso, que tenho a figura da minha avó como referência. Vovó enfrentou muitos desafios para sobreviver. Enfrentou fome, desemprego, abandono do marido, remoções, encarceramento do filho e sobrinhos, se submetendo a ir ao encontro dos mesmos no sistema penitenciário e passar por todo vexame das revistas para ver meu tio e meus primos na cadeia.
Essa mulher, da qual me orgulho muito, é retrato da resistência e da luta, é o retrato de mais uma sobrevivente. A história da minha avó pode ser comparada a história de muitas outras mulheres negras, que sendo fruto da mesma classe social passam por todas essas problemáticas. Infelizmente é difícil fazer qualquer comparação quando temos um fator que quero destacar nesta coluna: a mulher negra do Brasil está em processo de aniquilamento, ela sofre diretamente os impactos do genocídio que está em curso no nosso território nacional.
Segundo o Mapa da Violência, elaborado pela Flacso (Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais), os homicídios de mulheres negras aumentaram 54% em dez anos no Brasil, passando de 1.864, em 2003, para 2.875, em 2013. Enquanto, no mesmo período, o número de homicídios de mulheres brancas caiu 9,8%, saindo de 1.747 em 2003 para 1.576 em 2013.
Destacando a violência de gênero, a pesquisa revela que, no Brasil, 55,3% desses crimes aconteceram no ambiente doméstico, sendo 33,2% cometidos por parceiros ou ex-parceiros, e 50,3% são cometidas por familiares, como pais, irmãos e outros graus de parentescos das vítimas.
Para Ludmila Jardim, do Movimento Kizomba, políticas de ações afirmativas como a lei Maria de Penha são fundamentais, mas de alguma forma, as informações que chegam até as mulheres são muito limitadas. “O debate que nós fazemos através do feminismo não atinge todas as mulheres, sejam da cidade ou do interior, mulheres da favela ou da periferia. Não conseguem muito acesso as leis que nos protegem, muitas vezes nem sabem como pedir ajuda em um caso de violência”.
A jovem estudante afirma que tem mulheres que não reconhecem a opressão, “geralmente as mulheres mais velhas se sentem mesmo na obrigação de servir aos seus maridos, e acham comum de certa forma apanhar, por exemplo, por ter feito algo que ele não gostava. Quando se trata de nós, mulheres negras jovens, percebemos recorte explicito, visto que muitas de nós estão nas periferias, ou em condições muito vulneráveis, já nascem marginalizadas pelo resto da sociedade, fator esses que são estruturados pelo machismo”.
Para a assistente Social e militante do Movimento Negro Unificado (MNU), Cristiana Luiz, os dados da pesquisa dialogam com o lugar que a mulher negra é colocada nessa sociedade, no qual a deixa mais vulnerável na medida que em que seus direitos são mais difíceis de serem assegurados. “No caso da mulher negra há duas dimensões estruturantes sobrepostas de forma inseparáveis e em função disso esta mulher está mais ‘desprotegida’ socialmente. Acho que os dados retratam um pouco de como as políticas universais, não são suficientes para a garantia de direitos de forma equânime, já que não atingem a todos e todas por igual em suas especificidades.”
“Como o racismo é estruturante, ele é um fator determinante nesses dados. A mulher negra é vista como coisa, como algo disponível etc. Não podemos trabalhar políticas de gênero descoladas do racismo. É preciso que as políticas olhem para essa mulher negra que é a base da piramide. Assim podemos ver o efeito do machismo e do racismo nesses números.” Afirmou Cristiana.
Algumas dessas mulheres que superam as estatísticas lutam pela garantia do empoderamento da mulher negra. Protagonizam os processos de desconstrução dos atuais padrões de sociabilidade e se auto organizam para lutar contra o racismo.
No dia 18 de novembro, em Brasília, acontecerá a Marcha Nacional das mulheres negras. A intenção é aglutinar o máximo de organizações de mulheres negras, assim como outras organizações do Movimento Negro, sem dispensar o apoio de organizações de mulheres e de todo tipo de organização que apoiem a equidade sociorracial e de gênero. Exigimos já que o Brasil pare de exterminar o povo negro e que acabe em nosso território o feminicídio que sofre a mulher negra.
* Walmyr Júnior é morador de Marcílio Dias, no conjunto de favelas da Maré, é professor e representante do Coletivo Enegrecer como Consela heiro Nacional de Juventude (Conjuve). Integra a Pastoral Universitária da PUC-Rio. Representou a sociedade civil no encontro com o Papa Francisco no Theatro Municipal, durante a JMJ
Por Walmyr Junior, do Jornal do Brasil
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