quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Sem patrocínio, Bando de Teatro Olodum resiste com arte e militância

Grupo de teatro negro comemora 25 anos ininterruptos de história.
Atores relatam ao G1 superações e entraves enfrentados desde 1990.


Atuar com verdade, cantar a resistência e dançar o confronto. Há 25 anos, o Bando de Teatro de Olodum, em Salvador, sobe aos palcos intercalando a arte com a militância e fazendo política no ofício cênico. Desde 1990, técnicas de expressão corporal, linguagem musical e produção coreográfica são armas de um campo de batalha ainda latente. [Durante esta semana, o G1publica uma série de reportagens para celebrar o Dia da Consciência Negra na sexta-feira (20)]

"O Bando é uma companhia de teatro negra. Quando você bota esse título, teatro negro, já traz um escudo, uma sustentação. A gente bebe na fonte da cultura afrobrasileira e quer cada vez mais afirmar essa cultura. É isso que a gente vem fazendo ao longo desses 25 anos em vários espetáculos", defende o ator Jorge Washington, de 52 anos, que integra o grupo desde a concepção.

Em mais um "Novembro Negro", mês em que se lembra a morte de Zumbi do Palmares - principal representante da resistência negra à escravidão no Brasil Colonial -, o ator descreve a importância da existência e resistência.

“Eu sempre cito o Cabaré da RRRRRaça, que é um dos espetáculos mais emblemáticos do Bando. Ele está em cartaz há 18 anos. É um espetáculo que mostra situações de racismo no dia-a-dia. Engraçado que quando nós montamos esse espetáculo, em 1997, as situações eram aquelas de 1997. Mas hoje, cara, parece que em vez de avançar, a gente está retrocedendo com o advento das redes sociais, onde cada um pode se expressar e cada um pode falar o que pensa e o que quer. É muito doido isso”, considera.

Jorge [de vermelho] ensaia com nova geração de
atores do Bando (Foto: Henrique Mendes / G1)

Resistência no discurso
“Queria, de coração, estar montando um espetáculo só falando de poesia. Só Shakespeare: encantamento, lua, vento, ar, terra, fogo. Mas não dá, cara. Não dá, porque na comunidade o pau está comendo. A realidade de onde eu saio para ir ao centro fazer teatro é dura, como é a realidade de quase todo mundo que está aqui no bando”, atesta Jorge Washington.

Aos 46 anos, 25 deles dentro do Bando, a atriz Valdinéia Soriano avalia que a população brasileira está mais vigilante. “As pessoas estão muito mais espertas, mais atentas para discutir o racismo. Há discursos mais elaborados e, bem ou mal, a TV já tem alguns produtos que debatem essas questões. Ainda não é suficiente, mas vemos um avanço”, opina.

Sobre o empoderamento do povo negro, Soriano destaca as progressivas manifestações de orgulho próprio diante da raça. “Há 20 anos, por exemplo, usar cabelo black era difícil. Havia quem fizesse, mas já sabia que iria enfrentar muita resistência. É muito simbólico ver essa mudança de rotina, ver a forma como essa galera mais nova vem se posicionando. A mudança ocorreu, a gente se posicionou e continua se posicionando”, declara.
O Bando traz uma complexidade para o cenário cultural brasileiro. Esse limite entre arte e militância é realmente mais extenso do que as pessoas estão acostumadas.
Lázaro Ramos,
ator revelado pelo Bando

Tendo como referências os espetáculos do Bando, assim como Jorge Washington, a atriz destaca como temáticas de peças construídas no início dos anos 90 ainda fazem sentido em 2015. “A gente está montando Erê, que fizemos em 1996. Na época, falávamos de chacina do povo negro e hoje conseguimos falar de novo. Discutimos, combatemos, mas a mudança não ocorreu”, avaliou.

Para o ator Lázaro Ramos, que foi revelado pelo Bando em 1994, o grupo se destaca por ter uma atuação permanente de resistência. "O Bando o tempo todo é formado por atores que estão sempre atualizando os seus discursos. Sempre buscando dialogar com a plateia com suas questões atuais e denunciando e expondo questões fundamentais de serem discutidas", defende.

É neste sentido que Lázaro Ramos expõe a sofisticação do grupo diante de um cruzamento entre a arte e militância. "O Bando traz uma complexidade para o cenário cultural brasileiro. Vejo, inclusive, as pessoas quando falam ou descrevem o Bando têm uma dificuldade de entender até onde vai a militância, onde começa a arte. Não tem um título exatamente para explicar o que é que o Bando faz, porque eu acho que tudo é muito sofisticado. Esse limite entre arte e militância é realmente mais extenso do que as pessoas estão acostumadas", descreve.

Revelado pelo Bando, Lázaro Ramos está na TV
com a série 'Mister Brau' (Foto: Divulgação)

Falta de patrocínio
Diante das celebrações do Novembro Negro, o Bando promove neste mês uma série de atividades no Teatro Vila Velha, em Salvador. A sexta edição do Festival “A Cena Tá Preta”, entretanto, não contou com apoio de patrocinadores e é arcado exclusivamente por meio de apoio de parceiros. Para Fábio de Santana, de 32 anos, e há 13 anos no grupo, uma clara evidência de como o racismo se enraíza nas instituições.

“A gente quer deixar isso explícito. É o sexto festival de arte negra, um festival internacional, e a gente não conseguiu patrocínio. E não é dizer que a gente não conseguiu patrocínio porque a gente não correu atrás. O projeto está aprovado na Lei Rouanet [de incentivo à cultura] há mais de seis meses. A gente bateu em várias portas, em várias empresas, botamos editais e não foi contemplado”, detalhou.
Nós somos um grupo de teatro militante. A gente tem um discurso a preservar. 
Fábio de Santana, ator do Bando de Teatro há 13 anos

Mesmo diante da falta de patrocínio, Fábio de Santana destaca que os trabalhos do Bando não param. “Isso é racismo institucional. E a gente resiste, e a gente está fazendo teatro, porque nós somos um grupo de teatro militante. A gente tem um discurso a preservar. Muitas pessoas dependem da gente. Então, a gente ainda persiste e resiste a estar no palco”, defende.

Sobre o assunto, o ator Jorge Washington afirmou confiante que “o patrocinador vai ser o público, que vai chegar e vai comprar o seu ingresso”. Já a atriz Valdinéia Soriano lamenta que teatro baiano ainda sofra com a falta de apoio à cultura negra. “Se você avaliar, é super triste. Daqui já saíram nomes maravilhosos. Já fomos para o mundo inteiro. É muito triste que o teatro baiano ainda seja assim. O Teatro Vila Velha abriga a gente. Se não tivéssemos esse espaço, não sei como seria”, relatou.

Independentemente da falta de patrocínio, Soriano deixa claro que o trabalho não para. “Não quer dar patrocínio, não dê. Estamos juntos há 25 anos e a gente continua. Ainda que não se queira abrir espaço, a gente cava”, defendeu.

Diretor Márcio meirelles (Foto: Divulgação)

Negros no palco
“Por que não tem negros no teatro de Salvador?”, questionou-se o diretor Márcio Meirelles, de 62 anos, ao fundar o Bando de Teatro Olodum. Inquieto, inaugurou um novo ciclo das artes cênicas em Salvador ao lado da diretora Chica Carelli, dos coreógrafos leda Ornelas e Zebrinha, além do produtor musical Jarbas Bittencourt. 

“Por que as manifestações religiosas afrobrasileiras e os ritos, ricos em dramaturgia e em elementos cênicos, nunca tinham se transformado em teatro? Foi assim que pensamos a estética do Bando. Decidi que [o grupo] seria uma oficina aberta e o critério para entrada seriam pessoas que tivessem compromisso com essa cultura”, detalha.

Já na seleção de atores, Meirelles revela que a sustentação do Bando estava fixada. “O que foi revelado é que tinha muitos atores negros em Salvador, mas nos palcos periféricos. Era um teatro interessantíssimo. Era um confronto entre nós, que vínhamos do Centro, com pessoas que tinham como o dia-a-dia o subúrbio e que carregavam uma força enorme de atuação”, conta.
Percebi que esse pensamento estético não era nada diante do fato político. Quando a gente foi se apresentar nos teatros, nas viagens, nas saídas, ficou muito evidente o preconceito contra os atores. Os atores venciam isso no palco
Márcio Meirelles, fundador do Bando de Teatro Olodum

Para Meirelles, a constatação da força dramática dos atores negros deixava claro que arte produzida nos palcos era incompleta. “Eu não tinha uma relação profunda com a cultura negra, mas me deparei com um teatro capenga [aquele que era produzido até então]”, relata.

A estética do grupo estava lançada, mas não era o mais importante. “Imediatamente, percebi que esse pensamento estético não era nada diante do fato político. Quando a gente foi se apresentar nos teatros, nas viagens, nas saídas, ficou muito evidente o preconceito contra os atores. Os atores venciam isso no palco”, atesta.

Em 2013, Márcio Meireles deixou o comando do Bando para inaugurar a Universidade Livre do Teatro Vila Velha, que pretende formar atores capazes de gerir o trabalho, cuidar da iluminação, do som, do figurino, além de atuar e montar os espetáculos. Hoje, o Bando é coordenado pelos próprios atores. Entretanto, acompanhado e aplaudido pelo fundador. “A gente chegou onde deveria chegar, num projeto de afirmação, de mostrar que existem artistas negros capazes de representar suas próprias reflexões e história, como também a Shakespeare”, relata.

Atualmente com 16 atores fixos, além de convidados e estagiários, o Bando coleciona mais de 26 espetáculos de teatro. Em 2006, venceu o Prêmio Braskem com a peça "Sonho de uma noite de verão".

Além disso, também produziu "Ó paí, ó!" (1992 / 2001 / 2007), espetáculo que se tornou filme e uma série televisiva na TV Globo. Em 1997, o Bando estreou a peça "Cabaré da RRRRRaça" , considerado até hoje o maior sucesso do grupo nos palcos.

Atores do Bando de Teatro Olodum ensaiam o espetáculo 'Erê' (Foto: Henrique Mendes / G1)

Do G1 BA

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