terça-feira, 24 de maio de 2016

Por que as meninas sequestradas pelo Boko Haram não são recebidas de braços abertos


Moradores de vilarejos aterrorizados pelo grupo terrorista na Nigéria rechaçam filhos de inseminação forçada e temem que mulheres libertadas tragam explosivos amarrados ao corpo

Meninas sequestradas pelo grupo terrorista Boko Haram, na Nigéria, estão enfrentando uma dupla tragédia. Além de passarem meses – às vezes, anos – nas mãos dos sequestradores, elas também estão sendo rechaçadas quando voltam a seus vilarejos de origem.

Alguns casos de desconfiança e de repulsa foram registrados numa reportagem do “The New York Times”, nesta quarta-feira (18). Dionne Searcey, chefe do escritório do jornal americano para África Central e do Oeste, conta a história de uma menina identificada apenas como Zara, e de seu irmão de apenas 10 anos.

Na visão dos moradores de algumas localidades no interior da Nigéria, ninguém passa tanto tempo em cativeiro sem desenvolver laços com o inimigo.

O Boko Haram é um grupo armado que, assim como o Estado Islâmico, luta para estabelecer um califado, regime teocrático islâmico, na África. Em abril de 2014, o grupo sequestrou 200 estudantes de uma vez, levando a uma campanha internacional pela libertação das meninas, conhecidas como estudantes Chibok, nome da localidade. Algumas delas foram libertadas, mas a maioria permanece em cativeiro.
Gravidez forçada#

Zara e o irmão passaram meses nas mãos do Boko Haram. Ao voltarem para casa, o menino apanhou dos vizinhos, acusado de colaboracionismo. A menina trazia um bebê às costas. Pelo tempo de gestação, a criança só podia ser filha de militantes do grupo. Mas a jovem inventou uma história, segundo a qual o pai da criança havia sido assassinado pelos sequestradores.

A criança provavelmente crescerá sob o estigma de ser filho de algum combatente inimigo, responsável por uma longa lista de atrocidades, entre as quais a mais conhecida é a escravidão sexual de meninas em idade escolar na Nigéria – como foi o caso da própria Zara.

“Eu nunca confiarei neles. O governo deveria prendê-los pelo resto das vidas”

Adamu Isa

Comerciante nigeriano, a respeito dos sequestrados que retornam

“Todas essas mulheres que viveram com o Boko Haram são soldados do Boko Haram. Os militares não deveriam cometer o erro de libertá-las. Se não puderem executá-las, deveriam decidir o que fazer com elas”

Hazida Ali

Voluntário na Força Conjunta Civil, grupo de voluntários que combate o Boko Haram
Suicidas enviadas de volta#

Além dos casos de inseminação forçada e de colaboracionismo, alguns moradores temem que os retornados sejam, na verdade, homens e mulheres-bomba, enviados pelo grupo terrorista para detonar os explosivos ao voltar para casa.

O temor não é baseado em fantasias. O grupo de fato usa jovens sequestrados em vilarejos como atacantes suicidas. Além das ameaças diretas, os sequestrados, submetidos a agressões, privações e sofrimento, são levados a acreditar que o martírio pode levar a uma vida melhor no paraíso.
Grupo prega radicalismo islâmico#


FOTO: EMMANUEL BRAUN/REUTERS 

O Boko Haram foi fundado em 2002 e usa o islã como discurso para se impôr de maneira hegemônica na política. Seus militantes proíbem qualquer relação com a cultura ocidental – não apenas em relação a roupas e costumes, mas também no que diz respeito a democracia e eleições.

O grupo avoca para si mesmo o poder de dizer quem é e quem não é islâmico legítimo. Com isso, deslegitima outras autoridades políticas e religiosas nigerianas que não compartilham os ideais do grupo.

O nome oficial – Jama’atu Ahlis Sunna Lidda’awati wal-Jihad – significa Comitê Popular para a Propagação para os Ensinamentos do Profeta e da Jihad. A palavra jihad se refere de maneira ampla na cultura islâmica ao dever de defender o islã, mas frequentemente é empregada apenas em sua interpretação militar.

O Boko Haram jurou lealdade ao Estado Islâmico e à causa comum de erguer um califado – regime teocrático com base no islã, liderado por uma autoridade religiosa, o califa.


Por João Paulo Charleaux, do Nexo 

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