Moradores de vilarejos aterrorizados pelo grupo terrorista na Nigéria rechaçam filhos de inseminação forçada e temem que mulheres libertadas tragam explosivos amarrados ao corpo
Meninas sequestradas pelo grupo terrorista Boko Haram, na Nigéria, estão enfrentando uma dupla tragédia. Além de passarem meses – às vezes, anos – nas mãos dos sequestradores, elas também estão sendo rechaçadas quando voltam a seus vilarejos de origem.
Alguns casos de desconfiança e de repulsa foram registrados numa reportagem do “The New York Times”, nesta quarta-feira (18). Dionne Searcey, chefe do escritório do jornal americano para África Central e do Oeste, conta a história de uma menina identificada apenas como Zara, e de seu irmão de apenas 10 anos.
Na visão dos moradores de algumas localidades no interior da Nigéria, ninguém passa tanto tempo em cativeiro sem desenvolver laços com o inimigo.
O Boko Haram é um grupo armado que, assim como o Estado Islâmico, luta para estabelecer um califado, regime teocrático islâmico, na África. Em abril de 2014, o grupo sequestrou 200 estudantes de uma vez, levando a uma campanha internacional pela libertação das meninas, conhecidas como estudantes Chibok, nome da localidade. Algumas delas foram libertadas, mas a maioria permanece em cativeiro.
Gravidez forçada#
Zara e o irmão passaram meses nas mãos do Boko Haram. Ao voltarem para casa, o menino apanhou dos vizinhos, acusado de colaboracionismo. A menina trazia um bebê às costas. Pelo tempo de gestação, a criança só podia ser filha de militantes do grupo. Mas a jovem inventou uma história, segundo a qual o pai da criança havia sido assassinado pelos sequestradores.
A criança provavelmente crescerá sob o estigma de ser filho de algum combatente inimigo, responsável por uma longa lista de atrocidades, entre as quais a mais conhecida é a escravidão sexual de meninas em idade escolar na Nigéria – como foi o caso da própria Zara.
“Eu nunca confiarei neles. O governo deveria prendê-los pelo resto das vidas”
Adamu Isa
Comerciante nigeriano, a respeito dos sequestrados que retornam
“Todas essas mulheres que viveram com o Boko Haram são soldados do Boko Haram. Os militares não deveriam cometer o erro de libertá-las. Se não puderem executá-las, deveriam decidir o que fazer com elas”
Hazida Ali
Voluntário na Força Conjunta Civil, grupo de voluntários que combate o Boko Haram
Suicidas enviadas de volta#
Além dos casos de inseminação forçada e de colaboracionismo, alguns moradores temem que os retornados sejam, na verdade, homens e mulheres-bomba, enviados pelo grupo terrorista para detonar os explosivos ao voltar para casa.
O temor não é baseado em fantasias. O grupo de fato usa jovens sequestrados em vilarejos como atacantes suicidas. Além das ameaças diretas, os sequestrados, submetidos a agressões, privações e sofrimento, são levados a acreditar que o martírio pode levar a uma vida melhor no paraíso.
Grupo prega radicalismo islâmico#
FOTO: EMMANUEL BRAUN/REUTERS
O Boko Haram foi fundado em 2002 e usa o islã como discurso para se impôr de maneira hegemônica na política. Seus militantes proíbem qualquer relação com a cultura ocidental – não apenas em relação a roupas e costumes, mas também no que diz respeito a democracia e eleições.
O grupo avoca para si mesmo o poder de dizer quem é e quem não é islâmico legítimo. Com isso, deslegitima outras autoridades políticas e religiosas nigerianas que não compartilham os ideais do grupo.
O nome oficial – Jama’atu Ahlis Sunna Lidda’awati wal-Jihad – significa Comitê Popular para a Propagação para os Ensinamentos do Profeta e da Jihad. A palavra jihad se refere de maneira ampla na cultura islâmica ao dever de defender o islã, mas frequentemente é empregada apenas em sua interpretação militar.
O Boko Haram jurou lealdade ao Estado Islâmico e à causa comum de erguer um califado – regime teocrático com base no islã, liderado por uma autoridade religiosa, o califa.
Por João Paulo Charleaux, do Nexo
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