quarta-feira, 18 de maio de 2016

Sonia Braga brilha em 'Aquarius', aplaudido em Cannes

Filme de Kleber Mendonça Filho faz retrato agudo da sociedade brasileira com estudo profundo sobre uma personagem que se recusa a vender seu apartamento


Sônia Braga no filme 'Aquarius', de Kleber Mendonça Filho

Aquarius, primeiro filme brasileiro falado em português a participar da competição do Festival de Cannes em oito anos, foi recebido com oito minutos de aplausos na sua sessão de gala na tarde desta terça-feira, além de lágrimas de Sonia Braga. Antes da exibição, equipe e elenco mostraram cartazes contra o impeachment da petista Dilma Rousseff, a que chamam de "golpe". A crítica internacional recebeu Aquarius bem.

O segundo longa-metragem de ficção de Kleber Mendonça Filho, que conta com uma atuação poderosa de Sonia Braga, fala de memória, história, resistência e especulação imobiliária. Como em seu trabalho anterior, O Som ao Redor, o cineasta faz um panorama agudo da sociedade pernambucana - e brasileira, no fundo. Só que, em vez de utilizar múltiplos personagens, seu foco é em Clara (Sonia Braga), uma crítica musical aposentada. Nesse sentido, Aquarius é um estudo de personagem mais tradicional. Clara se recusa a abandonar o edifício antigo em que mora, na praia de Boa Viagem, apesar do constante assédio de uma construtora, que deseja derrubar tudo para erguer uma torre moderna no lugar. Clara é o último obstáculo, a única moradora que ficou no prédio.

A personagem é apegada ao passado, sem exatamente ignorar o presente e o futuro. Está cercada por seus discos de vinil queridos, mas também ouve música no telefone. Ainda sente falta do marido, morto anos atrás, mas isso não a impede de embarcar em pequenas aventuras amorosas e sexuais. É uma personagem de afetos, sempre cercada pelos amigos e pela família, incluindo sua empregada Ladjane (Zoraide Coleto) e o salva-vidas Roberval (Irandhir Santos, sempre incrível). Por isso, não quer abrir mão do apartamento onde viveu bons anos e onde cresceram seus filhos. Ali estão suas memórias, sua história. Clara, que venceu um câncer, é de luta e de falar o que pensa diretamente, com certa arrogância às vezes, o que a coloca em rota de colisão com Diego (Humberto Carrão), o neto do dono da construtora. Apesar do jeito aparentemente afável, Diego está determinado a tirar do papel seu primeiro projeto na empresa da família, o Novo Aquarius.

Aquarius pontua suas emoções, atmosferas e memórias com um bocado de música, o que faz sentido dada a profissão da personagem. O filme começa ao som de Hoje, de Taiguara, exibindo fotos antigas do Recife. Há canções de Roberto Carlos, Maria Bethânia e Queen, entre outros. Objetos e lugares também podem ter o efeito de despertar memórias e sentimentos. Numa sequência em flashback, logo no início, o espectador conhece a jovem Clara (Bárbara Colen) na festa de sua tia Lucia (Thaia Perez). Uma cômoda faz a septuagenária lembrar de noites quentes com seu amante, agora morto. São momentos especiais, que mostram o domínio técnico e narrativo do diretor. Kleber Mendonça Filho tira o máximo proveito da relação privilegiada que Sonia Braga tem com a câmera. Um prêmio para ela ou para o filme não parece uma ideia nada absurda.

A crítica internacional recebeu muito bem Aquarius. Jay Weissberg, da Variety, chamou Sonia Braga de "incomparável" e escreveu que Mendonça Filho é "uma grande nova voz no cinema brasileiro, alguém capaz de capturar a totalidade da sociedade brasileira numa única rua residencial do Recife". Para Jordan Mintzer, da Hollywood Reporter, Sonia Braga brilha. O crítico foi elogioso, mas escreveu que Aquarius é mais clássico na composição e narração do que O Som ao Redor, o que pode desapontar quem esperava algo mais experimental. Peter Bradshaw, do jornal inglês The Guardian, deu quatro estrelas e definiu o filme como "uma história belamente observada e surpreendente".


Por: Mariane Morisawa - Veja

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