Em nota publicada no dia 3, a Ouvidoria da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC) queixou-se de que o Jornal Nacional, no dia anterior, havia qualificado a entidade como “empresa de comunicação do governo federal”. A Ouvidoria – que deveria se limitar a receber e encaminhar reclamações dos cidadãos a respeito dos veículos da EBC – fez reparos ao trabalho jornalístico alheio, como se sua função fosse a de criticar a imprensa privada nacional. “A EBC é uma empresa do Estado brasileiro, gestora dos veículos públicos de comunicação. A EBC não é do governo federal, mas de toda sociedade brasileira”, enfatizou a Ouvidoria, em tom professoral.
Ora, se a EBC fosse realmente “do Estado brasileiro”, como disse a Ouvidoria em tom de sermão, não haveria necessidade de reafirmar e enfatizar essa condição, como fazem seus paladinos. A dúvida sobre o papel da EBC só existe em razão do contínuo comportamento chapa-branca da empresa, que contraria o espírito público que deveria norteá-la.
Desde seu nascedouro, em 2007, no governo Lula, a EBC faz as vontades do grupo político responsável pela nomeação de sua chefia. A decisão do presidente em exercício Michel Temer de exonerar da direção da EBC o jornalista Ricardo Melo, nomeado pela petista Dilma Rousseff poucos dias antes de seu afastamento da Presidência, visou justamente a cortar os laços da empresa com o PT e com o governo anterior. Em uma empresa de comunicação que fosse genuinamente pública, não haveria necessidade disso. No entanto, aparelhada pelo PT, a EBC ameaçava tornar-se uma espécie de “quinta-coluna” no governo Temer, servindo como plataforma midiática para que petistas denunciassem o tal “golpe” contra Dilma. Tal situação era obviamente inaceitável. Mas, mal assessorado pelo advogado-geral da União, o governo meteu os pés pelas mãos no ato de demissão do diretor da EBC.
Por decisão liminar do Supremo Tribunal Federal, o jornalista afastado foi reconduzido à direção da EBC e, como a comprovar que a empresa é mero braço do lulopetismo, tratou de ordenar a realização de uma entrevista com Dilma Rousseff e a restabelecer, nos produtos jornalísticos da emissora, o tratamento que a petista fazia questão de receber quando estava no governo: “presidenta”.
A EBC continua a ser uma empresa de comunicação privada – embora custeada com dinheiro público –, que existe para dar emprego bem remunerado a jornalistas alinhados com o lulopetismo e veicular propaganda partidária disfarçada de jornalismo. E a sociedade nunca teve poder para mudar essa realidade, mesmo com a existência formal de canais como a tal Ouvidoria. A única maneira que os brasileiros encontraram para protestar contra a traição da EBC a seus compromissos públicos é dedicar-lhe traço de audiência.
Uma TV verdadeiramente pública, sem compromissos comerciais, deveria servir como uma rede de comunicação que apoiasse manifestações culturais relevantes e estimulasse a produção nacional de programas educativos e culturais, permitindo-se ousar em propostas e formatos, sempre com absoluta independência editorial. Hoje, essa missão da EBC só subsiste como retórica. Na prática, a empresa funciona como mera agência de propaganda oficial.
Nada faz supor que, com Temer, a realidade seria muito diferente. Graças à decisão do Supremo a respeito da direção da EBC, não foi possível saber ainda se a saída de Dilma colocará a empresa de comunicação finalmente no rumo público que consta de sua missão. Mas a própria submissão da EBC ao poder presidencial, conforme previsto nos estatutos engendrados por Lula – seja de forma direta, na nomeação da diretoria da empresa, seja de forma indireta, ao influenciar os conselhos que a controlam e as normas que a regem –, não augura grandes mudanças. Infelizmente, não é difícil prever que a EBC continuará a ser usada com fins políticos pelos novos donos do poder, pois muitos deles, conforme a tradição patrimonialista brasileira, tendem a considerar que a estrutura do Estado existe apenas para servi-los.
Via Estadão
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