sexta-feira, 29 de julho de 2016

Aos vícios - Gregório de Matos



Eu sou aquele que os passados anos
Cantei na minha lira maldizente
Torpezas do Brasil, vícios e enganos.

E bem que os descantei bastantemente,
Canto segunda vez na mesma lira
O mesmo assunto em plectro diferente.

Já sinto que me inflama e que me inspira
Talia, que anjo é da minha guarda
Dês que Apolo mandou que me assistira.

Arda Baiona e todo o mundo arda
Que a quem de profissão falta à verdade
Nunca a dominga das verdades tarda.

Nenhum tempo excetua a cristandade
Ao pobre pegureiro do Parnaso
Para falar em sua liberdade.

A narração há de igualar ao caso
E se talvez acaso o não iguala
Não tenho por poeta o que é Pegaso.

De que pode servir calar quem cala?
Nunca se há de falar o que se sente
Sempre se há de sentir o que se fa1a.

Qual homem pode haver tão paciente,
Que, vendo o triste estado da Bahia
Não chore, não suspire e não lamente?

Isto faz a discreta fantasia:
Discorre em um e outro desconcerto
Condena o roubo, increpa a hipocrisia.

O néscio, o ignorante, o inexperto
Que não elege o bom, nem mau reprova
Por tudo passa deslumbrado e incerto.

E quando vê talvez na doce trova
Louvado o bem e o mal vituperado
A tudo faz focinho, e nada aprova.

Diz logo prudentaço e repousado:
-Fulano é um satírico, é um louco,
De língua má, de coração danado.

Néscio, se disso entendes nada ou pouco,
Como mofas com riso e algazaras
Musas, que estimo ter, quando as invoco.

Se souberas falar, também falaras
Também satirizaras, se souberas
E se foras poeta, poetizaras.

A ignorância dos homens destas eras
Sisudos faz ser uns, outros prudentes,
Que a mudez canoniza bestas feras.

Há bons, por não poder ser insolentes,
Outros há comedidos de medrosos,
Não mordem outros não? -por não ter dentes.

Quantos há que os telhados têm vidrosos,
E deixam de atirar sua pedrada,
De sua mesma telha receosos?

Uma só natureza nos foi dada
Não criou Deus os naturais diversos;
Um só Adão criou e esse de nada.

Todos somos ruins, todos perversos,
Só nos distingue o vício e a virtude,
De que uns são comensais, outros adversos

Quem maior a tiver do que eu ter pude,
Esse só me censure, esse me note,

Calem-se os mais chitom, e haja saúde.

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