Para difundir a ideia de que a criminalização da população negra é global e a resistência também deve organizada em todo o mundo, integrantes do movimento norte-americano Black Lives Matter (Vidas Negras Importam) estão no Rio de Janeiro para atividades com parentes de vítimas de violência policial e organizações de direitos humanos.
Segundo a integrante do Black Lives Matter Daunasia Yansey, a mídia brasileira não costuma dar atenção aos assassinatos de jovens negros ocorridos nas favelas do país e, por isso, é difícil conhecer essa realidade fora do Brasil.
“Não é o caso de um policial ruim, é o sistema de policiamento, é assim que a polícia funciona. Nós precisamos que a mídia seja honesta, conte a história e compartilhe todas essas histórias. A gente deve recusar que qualquer outra violência aconteça. Ser negro não é crime, ser pobre não é crime, o sistema cria essas circunstâncias e depois nos criminaliza por vivermos nessas circunstâncias. Isso é inaceitável”, disse a ativista em entrevista coletiva organizada por movimentos sociais.
De acordo com Daunasia, conhecer os movimentos brasileiros é uma forma de aprender mais sobre o país e ir além do estereótipo do Brasil das praias, dos jogos olímpicos, o do carnaval.
O pastor Jonh Seldors, também integrante do Black Lives Matter, disse que a integração entre os movimentos de direitos humanos de diferente países e causas é importante para que se crie uma consciência global de resistência.
“Viemos de uma longa e histórica tradição de pessoas negras organizando e resistindo a injustiças. Vocês não estão sozinhos aqui no Brasil. Nós somos parte do movimento Black Lives Matter nos Estados Unidos e é um movimento de resistência lá, conectado com o movimento de resistência na Palestina, que é conectado com o movimento de resistência em toda a África e aqui no Brasil nós somos vocês, vocês somos nós, somos um só povo e a luta continua.”
O Black Lives Matter surgiu há três anos, depois de uma campanha nas redes sociais contra a absolvição de um policial branco que assassinou o adolescente negro Trayvon Martin. Em 2014, o movimento protagonizou uma série de protestos após as mortes de Michael Brown e Eric Garner.
Criminalização de jovens negros
Emocionada, a ativista brasileira Ana Paula Oliveira, mãe do jovem Johnathan de Oliveira Lima, assassinado há dois anos por policiais em Manguinhos, disse que as mães dos jovens vítimas de violência policial no Brasil não têm sequer direito ao luto. “A gente tem que se jogar numa luta porque a maldade é muito grande, porque a polícia, uma parte da sociedade e a grande mídia sempre colocam nossos filhos como suspeitos, como querendo legitimar esses assassinatos. Então a gente tem que se jogar na luta pra mostrar a verdadeira face do que acontece: que realmente é um genocídio, são assassinatos que têm endereço, que são as favelas, que são as periferias”, denunciou.
Ana Paula lembrou que esteve em Genebra, com a Anistia Internacional, para denunciar a violência policial no Brasil. “É muito difícil, porque para a polícia não basta só tirar a vida de nossos filhos, é preciso também criminalizá-los. Eu carrego a foto do Jonathan no meu peito, mas tenho a consciência de que a imagem dele não representa só ele, representa vários jovens que são assassinatos todos os dias. Infelizmente, às vezes é preciso ter outros contextos que puxem a mídia para dar visibilidade para o que a gente tem para falar, porque depois que nossos filhos são assassinados, ninguém mais dá voz para as mães, ninguém da visibilidade para o que está acontecendo nas favelas.”
O caso de Rafael Braga, único preso após as manifestações de 2013, quando carregava produtos de limpeza, e condenado por porte de material explosivo, também foi lembrado durante a entrevista pelos representantes de movimentos sociais como um episódio de criminalização dos negros e pobres. Segundo Ronilson Pacheco, integrante da campanha Pela liberdade de Rafael Braga, a prisão de Braga é outra face do racismo institucional que existe no país.
“A ideia da exterminação do povo negro, da juventude negra, não é uma ideia abstrata. E ela se materializa a partir de metodologias diversas. Algumas dessas metodologias é a política de drogas, é o encarceramento, é o desaparecimento, e são as diversas execuções, processos diversos que vão fazendo com que a juventude negra, a população negra sejam sempre as maiores vítimas”, listou.
Violência policial no Brasil
O relatório A violência não faz parte desse jogo! Risco de violações de direitos humanos nas Olimpíadas Rio 2016, da Anistia Internacional, aponta que em 2014, quando o Brasil recebeu a Copa do Mundo, 580 pessoas foram mortas por policiais no estado do Rio de Janeiro, 40% a mais que no ano anterior. Em 2015, um em cada cinco homicídios no estado foi cometido pela polícia, totalizando 645 pessoas mortas, 11% a mais do que o de 2014. Somente na cidade do Rio, foram 307 homicídios em 2015.
De acordo com os dados do Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro (ISP), de janeiro a maio deste ano, foram 322 homicídios decorrentes de intervenção policial no estado. Segundo os organizadores do encontro de hoje, nos Estados Unidos, 123 pessoas foram assassinadas por agentes de segurança este ano.
*Colaborou Joana Moscatelli, repórter do Radiojornalismo
Por Akemi Nitahara, da Agência Brasil*
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