terça-feira, 14 de março de 2017

Conheça Denise Mota, a “Preta, Pretinha” da Folha de S. Paulo

Denise Mota, radialista de programa no Uruguai sobre o Brasil e responsável pelo projeto editorial da Revista Ocas, é a idealizadora do Blog da Folha de S. Paulo, “Preta, Preto, Pretinha”.


Texto / Pedro Borges
Foto / Eliana Cleffi

Neta de uma mulher negra lavadeira na Salvador dos anos 50, Denise Mota define sua vida como um “luxo”. Não, ela não morava em uma mansão, ou mesmo viajava à Europa durante as férias. Mas em meio às inúmeras desigualdades raciais e sociais do país, Denise tem razão. É um privilégio ter em uma família negra brasileira uma médica e uma jornalista formadas.

Com o diploma em mãos, a paulista há 23 anos procura fazer da profissão mais do que transmitir uma notícia de maneira correta e detalha. A mulher negra, responsável pelo projeto editorial da Revista Ocas e radialista de programa no Uruguai sobre o Brasil, acredita que o jornalista tem “a responsabilidade de contribuir para mudanças positivas nas sociedades em que vivemos”.

E é na Folha de S. Paulo, onde Denise dedicou parte significativa da sua carreira, que a pretinha busca alterar a realidade brasileira. Durante 8 anos, ela foi funcionária do maior jornal do país, onde diz ter rodado em quase todas as funções de redação. A jornalista já atuou como repórter, redatora, pauteira e editora assistente.

Preta, Preto, Pretinhos

O Blog “Preta, Preto, Pretinhos” surgiu em Agosto de 2016, depois de uma conversa com a chefia do jornal. O papo fez surgir a possibilidade de construir um espaço de maior visibilidade das ações de negras e negros. “A comunidade negra está fervilhando de projetos, ideias, reflexões, propostas estéticas, éticas, e de comunicação. Isso tinha de ser mostrado, não só pelo caráter social de uma iniciativa assim, mas porque era interessante por si só”, explica ela.

Com o espaço garantido, faltava definir um nome. O desejo de construir algo afetuoso e próximo do público fez Denise se utilizar das suas lembranças da adolescência e infância. A primeira razão vem da canção dos Novos Baianos, “Preta Pretinha”, muito querida pela jornalista. A outra vem da relação existente dentro da família, em que as pessoas se chamavam de “meu preto” e “minha preta”. “Quando eu nasci era tão pretinha que uma prima queridíssima minha me colocou o apelido de "Piky roxa". Eu era uma ameixinha! Super preta pretinha”, recorda.

O título carinhoso e a proposta de lidar com os temas de maneira afetiva não tiram em nada o objetivo de produzir conteúdo jornalístico, com a apuração e material de interesse público. Denise é enfática de que o espaço não foi feito para receber artigos de opinião ou crônicas. Preta, Preto, Pretinhos é lugar de conteúdo jornalísticos sobre as novidades da comunidade negra em África ou diáspora.

Representação e representatividade

Denise pensa que o jornalismo é uma eficiente ferramenta para dar visibilidade a pautas positivas da comunidade, assuntos que inclusive ultrapassem o campo estético. “Black não é só beautiful, black é inteligente, black é empreendedor, black é guerreiro, black luta por seus direitos e black exige seu lugar ao sol. A ideia é essa, dar visibilidade a todos os pretinhos que estão gerando positividade na comunidade, dentro das suas áreas, mostrando problemas e mostrando soluções”.

Essa proposta se torna fundamental na medida em que os veículos de comunicação colaboram com a perpetuação de estereótipos negativos da comunidade negra. Os programas policialescos e a comunicação de maneira geral contribuem para o fortalecimento de estereótipos como o da criminalidade.


Uma das razões para esse fato é a baixa presença de negras e negros nos jornais brasileiros. De acordo com dados da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), apenas 22% dos jornalistas são negros. Pesquisa mais recente sobre a diversidade de gênero e raça dos principais jornais brasileiros demonstrou como a situação é ainda mais delicada. De acordo com o Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (GEMAA), do IESP/UERJ, o Globo tem apenas 9% de colunistas negros, enquanto a Folha de S. Paulo tem 4% e o Estadão, apenas 1%.

Para Denise, os prejuízos da falta de negros dentro dos principais canais de comunicação do país são imensos. “O principal impacto é que sempre fica faltando uma parte da história, aquela que geralmente não aparece nos relatórios policiais, por exemplo. Ter mais jornalistas negros no Brasil traria conteúdos jornalísticos onde se problematizariam mais as diversas mazelas enfrentadas todos os dias pelos negros. O racismo institucional é um exemplo, que percorre todos os setores da vida nacional”.

Mudar essa realidade, de acordo com Denise, é tarefa de todos, na medida em que as redes sociais possibilitam às pessoas se tornarem comunicadores. A pressão e os relatos das redes sociais podem contribuir para que os feitos de negras e negros sejam notícia e não apenas notas de rodapé.

Por isso ela destaca a importância de uma mulher preta ter um Blog na Folha de S. Paulo e de outros canais construírem em conjunto novas narrativas acerca de mulheres e homens negros. “O blog contribui nessa luta, mas também contribuem para isso os vários blogs, excelentes, que existem no Brasil e pelo mundo, como o Alma Preta, por exemplo”.

Para ser mais didática, se utiliza de um ditado africano para explicar a importância da coluna. “Enquanto o leão não aprender a escrever, a história sempre será contada pelo caçador". O "Preta, Preto, Pretinhos" trabalha para que haja cada vez mais leões com possibilidades de escrever e saber o que outros leões estão contando”.

Essa é a maneira de conseguir, por meio de uma multiplicidade de narrativas, uma sociedade mais igual entre as diferentes raças. “Em um futuro não tão distante, esperemos de fato ter igualdade racial no Brasil, ou uma exigência social real e generalizada dela. Soa utópico, mas, se não houver essa utopia, não há para onde nem por que avançar”.

O desejo parece ser uma vontade coletiva, afinal muitas das matérias têm centenas e outras até milhares de compartilhamentos nas redes sociais. Para ela, esse é um sinal de que faltava esse espaço em um jornal como a Folha de S. Paulo.

A escolha e a forma do conteúdo

O espaço reúne duas posições diferentes do jornalismo, uma concepção mais clássica, em que o mando fica por conta da notícia, e um olhar mais moderno, de interação com o público. Denise garante responder todos os e-mails que recebe, como forma de tornar o Blog o mais acolhedor possível.

As pautas não necessariamente são montadas a partir de grandes nomes do movimento negro, ou menos pesquisadores renomados. Lá é também o local de jovens youtubers, empreendedores. O Blog garante também não se limitar ao eixo Rio-São Paulo na sua cobertura. Ela descreve como uma holandesa, filha de imigrantes congoleses, professora especialista em filosofia africana da Universidade de Roterdã. As duas conversaram por quatro horas no Uruguai sobre ancestralidades, a diferença entre ser negro diásporico e residir em África, entre outros assuntos. “Ela se surpreendeu com muita coisa dos nossos trópicos, me ensinou várias outras, e em algum momento isso vai virar, quem sabe, um post”.

Então o convite está em aberto. Se você tem o interesse de ver o seu trabalho ou algum projeto no Blog “Preta, preto, pretinhos”, mande um e-mail para pretapretopretinhos@gmail.com. “O blog não tem limites, nem fronteiras, nem barreiras (nem muros!) e está ávido para ver, ouvir, ler e publicar tudo o que for novidade e de interesse público”.


Via Portal Alma Preta

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