Evento aberto ao público foi comandado pelo professor Gianguido Bonfanti
Aula aberta de modelo vivo com a presença da transgênero Naomi Savage - Daniel Marenco / Agência O Globo
RIO – O conselho mais comum dado pelo professor para os mais de 20 alunos posicionados em volta da piscina do Parque Lage é não deixar o cavalete entre a visão e os modelos. Ele também sugere que eles desenhem sem olhar para o papel; que registrem todos os detalhes que virem, inclusive dedos, até mesmo unhas; que mudem de lugar para se aproximar mais de seu objeto; e que, no caso de um jovem em dúvida entre a diversão e o trabalho, que deixe de lado a garrafa de cerveja enquanto pinta.
Para uma outra aluna, Gianguido Bonfanti resume toda a ideia por trás da noite da última sexta-feira, em que ofereceu uma aula aberta de desenho de modelo vivo, sua primeira com uma modelo transgênero em quase 40 anos como professor na Escola de Artes Visuais (EAV):
— É importantíssimo você registrar a forma. Você precisa mergulhar sua visão no corpo e compreender a forma. Só assim vai conseguir mostrar a qualidade do seu olhar.
A aula regular de Gianguido acontece duas vezes por semana. Os exercícios práticos reúnem modelos, homens ou mulheres que se despem para a inspiração dos alunos. Já a ideia de realizar o evento com uma transgênero partiu de Lisette Lagnado, curadora de ensino e projetos sociais da escola, e do curador Ulisses Carrilho. Antes da aula, a dupla mediou um debate com artistas sobre gênero e arte.
— Desejo, sexo e gênero estão onipresentes em todas as conversas entre os jovens e me interessava que o debate não ficasse apenas no plano teórico — explica Lisette. — Falar de arte contemporânea é falar da vida. Não consigo mais ver uma prática artística que não interpele o momento, e o momento que estamos vivendo é um dos mais retrógrados.
Foram três os modelos na aula: a transgênero Naomi Savage e os cisgêneros Carol Azevedo e Elie Landreau. Cada um deles permaneceu sentado em mesas dispostas ao redor da piscina, fazendo poses aleatórias. Naomi é mineira, tem 35 anos, 1,93m de altura e fez ali sua estreia como inspiração para artistas.
— Eu sou modelo, já trabalho com meu corpo, então aceitei vir — disse ela. — Um evento como este ajuda a quebrar o preconceito, mostra que nós podemos participar de qualquer trabalho, que nossos corpos existem. As pessoas sempre nos excluem e nos colocam na marginalidade. Ter hoje o corpo trans retratado por artistas é um reconhecimento.
Durante a aula, Gianguido foi acompanhando a produção dos alunos. Alguns dispensaram o cavalete e ficaram no chão, deitados sobre o papel. O material de desenho mais comum foi carvão, mas houve quem utilizasse pincel. O evento durou cerca de três horas, metade dedicado à aula.
— Não acredito que a presença da modelo transgênero tenha mudado o processo do desenho. Mas, em termos simbólicos, foi bem interessante. Acho que lançamos algumas sementinhas naquele cenário macunaímico, que já tinha vivido as mais diversas experiências e foi palco para algo inédito — afirma Gianguido.
POR ANDRÉ MIRANDA - O Globo
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