segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Cientistas declaram 'profunda preocupação' com política ambiental do Brasil

Engenheiro diz que falta de estrutura por parte da Prefeitura é maior responsável pela água aparente nas ruas ao redor de parques ambientais da capital

Água escoa em via no Parque Flamboyant: estrutura para rede pluvial não realizada pela Prefeitura prejudica o asfalto

Elder Dias

A cena é comum nas vias ao redor de alguns parques em Goiânia: o asfalto molhado, não importando a época do ano, com a água às vezes formando quase que uma enxurrada, sem que tenha havido qualquer chuva. Se isso estiver ocorrendo dessa forma, só há duas possibilidades de explicação de origem para o fluxo: ou é água tratada – a popular “água da Saneago” – ou originária do lençol freático.

Na segunda hipótese, a anomalia constituiria crime ambiental. E é o que frequentemente ocorre em obras em construção, que se aproveitam da falta de fiscalização para “dar um jeitinho”. No caso, a inação do poder público tem prejudicado de forma grave os cursos d’água da capital, o que fica ainda mais sensível no momento atual do ano, em que a estiagem, combinada com a poluição do ar, tem proudizido recordes mínimos de umidade relativa do ar – na semana passada, o índice caiu a 7%, numa realidade urbana que desafia até a dos desertos.

Mas a coisa já foi mais grave. Até 2014, Goiânia não possuía sequer uma lei que regulamentasse a questão. Em dezembro daquele ano, o então prefeito Paulo Garcia (PT) – morto em julho passado – sancionou a Lei Municipal 9.511/14, conhecida como Lei da Drenagem Urbana, que estabeleceu as regras de controle das águas pluviais e estabeleceu, enfim, regras para lidar com problemas que afetavam nascentes, lagos e recursos hídricos em geral.

Engenheiro civil Flávio Rios: solução eficaz para preservar as nascentes

Muito antes disso, porém, o engenheiro civil Flávio Eduardo Rios já acompanhava o problema, de perto e na prática. Formado na Universidade Federal de Goiás (UFG) em 1979, ele tem tido, ao longo da carreira, uma forte atuação na área de sustentabilidade, com atenção especial sobre os parques de Goiânia. A partir de 2002, trouxe para si uma questão em particular: “Venho lutando junto ao poder público e esclarecendo empreendedores sobre a necessidade de, com projetos de sistemas hidrossanitários, proceder a recarga do lençol freático”, diz. Muitos aderiram à iniciativa de buscar um mecanismo para evitar que a preciosa água não continuasse a ser desperdiçada, como ocorreu no passado. Outros, por força da lei, assim tiveram de aderir.

Quando houve a inauguração do Parque Flamboyant, em 2007, com o natural aquecimento do mercado imobiliário em seu entorno, Flávio Rios contatou empresários, empreiteiras e entidades municipais. O objetivo ia além de oferecer seus serviços profissionais. Ele queria convencê-los de que era possível fazer diferente do que ocorreu com outros parques, como o Lago das Rosa e o Bosque dos Buritis, duas das primeiras áreas verdes urbanizadas da cidade e que sofreram bastante degradação com o impacto da ocupação.

“Não havia nenhuma restrição do poder público e o que a gente via era o rebaixamento do lençol acontecendo e as minas secando”, conta. Mais do que isso, o abuso vinha mesmo por parte do próprio poder público: basta dizer que o Tribunal de Justiça (TJ-GO) e a Assembleia Legislativa se encontram em áreas de preservação permanente do Bosque dos Buritis – o primeiro em sua cabeceira.

Quando houve a ocupação da área em torno do Parque Flamboyant e vários empreendimentos fizeram rebaixamento do lençol freático, teve de ser elaborado um termo de ajustamento de conduta (TAC) que envolveu a Agência Municipal do Meio Ambiente (Amma), o Ministério Público (MP-GO) e várias construtoras. Ao todo, foram 12 obras envolvidas. As empresas cotizaram a execução de um sistema de rede e trincheira coletiva para conduzir e infiltrar, na cabeceira das nascentes do Córrego Sumidouro – que é afluente do Córrego Botafogo e forma o lago do parque –, a água retirada do lençol freático. “A água é bombeada conforme a influência do nível freático abaixo dos subsolos desses empreendimentos e se infiltram no solo através desse sistema, transbordando o volume que o solo não consegue absorver para a renovação da lamina d’água dos lagos artificiais existentes”, explica Flávio Rios, autor do projeto. Desde a implantação do sistema, em 2012, o lago não mais secou ou teve algum problema de maior gravidade em seu volume.

Ou seja: a junção do esforço das empresas com o desenvolvimento de uma tecnologia permitiu a mitigação dos danos ambientais de uma forma a garantir a continuidade do curso d’água. Em 2016, o mesmo procedimento foi realizado no Parque Vaca Brava, corrigindo um déficit ambiental até mesmo de antigas construções.

Mas outro papel em relação à drenagem urbana não tem sido feito a contento: e, novamente, o problema é causado pelo poder público. Flávio Rios diz que, quando da pavimentação das ruas ao redor do Parque Flamboyant, ainda na primeira gestão de Iris Rezende (PMDB) após seu retorno à Prefeitura em 2005, o trabalho foi executado sem obedecer às normas técnicas de inclinação das vias em direção aos meios-fios. Em muitas não há até hoje bocas de lobo nem sarjetas. Os lançamentos deveriam ser recebidos e conduzidos ao sistema pluvial, já que não podem nem devem ser encaminhados clandestinamente para o esgoto público”, diz o engenheiro. Isso explica que ainda haja, na região do Parque Flamboyant, o despejamento na rua de água tratada – utilizada para a lavagem das áreas comuns, jardins e piscinas dos condomínios – e também dá causa ao desgaste da massa asfáltica, por conta da ação da água. Em suma: obras essenciais para a boa drenagem e escoamento deixaram de ser executadas.

Da mesma forma, a solução para o Parque Cascavel passa por uma medida necessária do poder municipal. Lá, como atração principal do espaço, a Prefeitura fez um lago artificial, mas a obra se tornou um desastre crônico. “É que toda a contribuição pluvial da região é lançada no lago. É lá que tudo vai parar e a consequência é o assoreamento. A prefeitura pode até limpar, mas quando vier de novo o período chuvoso tudo estará assoreado novamente”, diz Flávio. Foram feitas bacias de retenção para segurar um pouco o ímpeto dos detritos que a enxurrada leva. Mas a obra necessária, diz ele, seria uma criar rede pluvial de modo a que a enxurrada não fosse parar dentro do lago.

Enquanto providências são postergadas, o meio ambiente pena e também quem investiu na região.


Via Jornal Opção

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