Entrevista do Ministro Juca Ferreira, por Rodolfo Borges para a revista Istoé Dinheiro em 30 de agosto de 2010
“Queremos ampliar o negócio cultural. E isso só acontece incorporando mais pessoas ao mercado, com mecanismos como o Vale-Cultura”, diz o Ministro da Cultura, Juca Ferreira, em entrevista à DINHEIRO. Ao mesmo tempo que pretende valorizar os autores, com a criação de um Instituto Nacional do Direito Autoral, o Ministro defende vales de R$ 50, que poderiam ser gastos livremente pela população mais carente em cinemas, teatros e livrarias. “Apenas 13% dos brasileiros vão ao cinema só 17% leem livros. É um absurdo”, diz ele.
DINHEIRO – Por que a lei de direitos autorais precisa ser revista?
JUCA FERREIRA - A lei atual não é capaz de garantir o direito do autor. Essa é a maior queixa que o ministério recebe desde que chegamos, em 2003. Os artistas não confiam no sistema de arrecadação desde que o governo Collor acabou com o Conselho Nacional de Direito Autoral. A lei também não tem capacidade de se relacionar com o mundo digital nem com os componentes da economia da cultura. Temos um número recorde de processos na Justiça e uma inadimplência enorme no pagamento dos direitos. Esses são sintomas da falta de legitimidade da lei atual e do sistema de arrecadação. O mundo inteiro está modernizando sua legislação. Não há por que o Brasil ficar parado.
DINHEIRO – O Ecad diz que existem estruturas para tratar dos direitos autorais no Brasil, o que dispensaria a criação do Instituto Nacional do Direito Autoral previsto pelo ministério. Por que precisamos de um instituto?
FERREIRA – Fizemos 80 reuniões setoriais, sete seminários nacionais, um seminário internacional e estudamos a legislação de 20 países. Nesse processo, vimos a necessidade de ter transparência para os autores no sistema de arrecadação e supervisão pública. Aprovada a lei, teremos que discutir como funcionará esse órgão. Acho que deve ser uma instituição ligada à Justiça ou ao Ministério Público. Não somos contra o Ecad, mas contra o sistema atual, que não tem transparência e tem livre arbítrio na coleta das taxas e na distribuição. No ano passado o Ecad arrecadou R$ 380 milhões, sem nenhuma obrigação de transparência para os maiores interessados. A luz do sol não faz mal a ninguém, principalmente se não tem nada errado. Os artistas e criadores é que sairão ganhando.
DINHEIRO – O que o ministério espera das mudanças propostas na modernização da lei?
FERREIRA – Queremos ampliar o acesso à cultura. Queremos nossa economia cultural no mesmo patamar do agronegócio, da indústria e dos serviços tradicionais em menos de uma década. Como ocorre nos Estados Unidos, onde o setor ocupa o segundo lugar na economia, e na Inglaterra, onde é o terceiro. Para isso, temos de ampliar o acesso. No Brasil não se consegue incluir nem 20% dos consumidores em potencial. Os números são escandalosos: só 5% dos brasileiros entraram pelo menos uma vez num museu, apenas 13% vão ao cinema e 17% compram livros. Nós criamos uma economia para poucos e é dela que retiramos o pagamento dos direitos. É preciso democratizar, ampliar esse acesso. O poder aquisitivo do povo está aumentando. O presidente Lula incluiu uma Espanha na economia brasileira. São quase 40 milhões de pessoas. E não chegamos nem à metade.
DINHEIRO – Parte do mercado cultural reclama que, ao priorizar o aumento do acesso, o ministério negligencia a produção de conteúdo. Isso faz sentido?
FERREIRA – É uma falácia. Queremos ampliar o negócio cultural. E isso só se amplia incorporando pessoas. Não é Marx, como eles estão pensando que é, é Adam Smith, o teórico do capitalismo. Para se realizar plenamente, a mercadoria tem de chegar a um número maior de pessoas, cada vez mais. Essas pessoas se acostumaram a uma economia para poucos. O livro no Brasil é o mais caro do mundo. E não se pode nem alegar que é por causa de impostos, pois, no primeiro governo Lula, foram abolidos todos os impostos para o livro, na expectativa de que houvesse barateamento. Mas eles incorporaram ao lucro. É a ideologia do lucro levada a uma irracionalidade.
DINHEIRO – Mas não faltam incentivos para a produção de bens culturais?
FERREIRA – Os investimentos ainda não são suficientes. Não chegamos ao patamar de amadurecimento das políticas ou de recursos suficiente para implementar na escala em que o Brasil precisa. Mas esses que reclamam são os intermediários. Os que lucram com essa economia pequena o fazem em cima do autor e do consumidor. Eles estão com medo dessa ampliação, com medo de abrir a economia, porque terão de competir com outros atores. Mas essa abertura é inevitável. O capitalismo brasileiro está se abrindo, e se eles não tomarem cuidado serão devorados por investimentos de fora. Os espanhóis estão de olho no parque editorial brasileiro. É preciso fortalecer o capitalismo cultural do Brasil, mas não baseado na muleta do Estado.
DINHEIRO – O que o Ministério da Cultura tem feito para aumentar os incentivos?
FERREIRA – O ministério saiu de um orçamento de R$ 287 milhões, em 2003, para R$ 2,5 bilhões. A renúncia fiscal era de menos de R$ 300 milhões; hoje é R$ 1,5 bilhão. Aumentamos os recursos, criamos o PAC das Cidades Históricas, isentamos a cadeia do livro de impostos federais e qualificamos a distribuição dos recursos. Quando chegamos aqui, 3% dos proponentes ficavam com mais da metade do dinheiro do ministério, e 80% dos recursos estavam concentrados dentro do Rio de Janeiro e de São Paulo. Hoje o dinheiro está espalhado pelo País. Botamos mais dinheiro no cinema do que na época da Embrafilme. Além disso, estamos investindo no Vale-Cultura, um bônus de R$ 50 para o trabalhador, que vai injetar R$ 7 bilhões por ano na economia do setor. O trabalhador vai escolher se quer consumir um CD, um livro, assistir a um filme ou a uma peça de teatro. Estamos migrando de uma cultura baseada em fundo perdido para uma economia sólida, com o consumidor como referência, tendo direito de escolha.
DINHEIRO – O mercado brasileiro está preparado para esta economia de escala?
FERREIRA – Não estamos preparados. Pelo contrário, estamos acomodados numa economia para poucos. Esse é o perigo. O Brasil está crescendo. Há uma demanda cultural enorme. E a digitalização multiplica isso. A tevê digital vai demandar uma quantidade de conteúdos enorme e se não formos capazes de produzir esses conteúdos, eles virão de fora. Aí é o fim da possibilidade de o Brasil ser um grande produtor e um país importante na economia criativa.
DINHEIRO – De que forma a nova legislação favorece o combate à pirataria?
FERREIRA – Ao assumirmos a facilidade de reprodução no digital, nos armamos para realizar plenamente o direito do autor e do investidor. Além disso, essa economia para poucos deixa livros e CDs muito caros, o que estimula a população a recorrer à cópia pirata. Numa economia para muitas pessoas, o preço é menor. Alguma diferença entre o produto original e o pirata permanece, mas ela fica menor.
DINHEIRO – Qual área da indústria criativa merece mais atenção do governo?
FERREIRA – Uma das áreas mais rentáveis da cultura é a animação. O Brasil ainda é precário, está no beabá, apesar de mostrar um potencial criativo enorme. Vários dos filmes que fazem sucesso mundial têm brasileiros em suas equipes. Não temos uma estrutura para formar os artistas, os roteiristas, os técnicos que vão lidar com softwares sofisticadíssimos. O mais difícil nós conseguimos: o compromisso do BNDES de assumir que essa é uma linha industrial que interessa ao Brasil. Temos condições de, em menos de dez anos, estar entre os sete grandes produtores de animação no mundo. É preciso investimento e o Estado está garantindo.
DINHEIRO – Como está a reforma da Lei Rouanet?
FERREIRA – A lei está andando no Congresso, tramitando nas comissões. A grande maioria imediatamente tende a aprovar a mudança, que estimula projetos menores, de caráter regional, com preços mais acessíveis. Os 20 maiores investidores estão apoiando a mudança. A maioria dos artistas é a favor de uma divisão maior dos recursos entre os Estados, inclusive de São Paulo e Rio, porque mesmo nesses locais a distribuição fica concentrada. A Lei Rouanet vai passar, porque é um avanço para toda a cultura brasileira.
DINHEIRO – O projeto de lei deve mudar a partir das contribuições feitas durante a consulta pública?
FERREIRA – Muito. É preciso deixar claríssimo – e o texto ainda não deixa – que a função precípua do direito autoral é garantir o direito do criador, desde que harmonizado com os outros direitos previstos no conjunto de estrutura legal que rege as atividades públicas. O caso da licença não autorizada (que permite a utilização da obra contra a vontade de herdeiros do artista) está consumindo energia grande de alguns, por má intenção. O MoMA, de Nova York, não pôde fazer uma exposição do Volpi porque os herdeiros do artista cobraram um preço exorbitante para a publicação no catálogo. A Bienal Internacional de São Paulo ia fazer uma grande homenagem a Lygia Clark, mas não conseguiu por problemas com os herdeiros. As novas gerações não conhecem Cecília Meireles por questões semelhantes. Essas obras são bens sociais e é um absurdo que as novas gerações sejam privadas disso. A redação do projeto de lei induziu a uma interpretação errada.
Fonte: Isto é Dinheiro
terça-feira, 7 de setembro de 2010
“Tirei Marx e coloquei Adam Smith no mercado cultural”
Assinar:
Postar comentários (Atom)
AS MAIS ACESSADAS
-
Já sonhou em posar nua? Sei lá acho que uma ‘boa’ parte das mulheres já ao menos pensaram nessa possibilidade, eu assumo que já pensei,...
-
Cu também é cultura, de acordo com uma Galeria de Arte de Paris. Confira abaixo:
-
A Christie de Londres leiloou "Le Coq" (1940), o espanhol Joan Miró (1893-1983) para 9.780.000 €, o preço mais alto já pago por...
-
A porteirinha Mário Quintana Sete anos já fizeste Quando fui te visitar Fiquei encantado a olhar - com o ...
-
A cozinha dos negros se formou no Nordeste brasileiro mas que teve origem no Recôncavo Baiano. E nessa região - do mar às porta...
Nenhum comentário:
Postar um comentário