POR EDUARDO TRISTÃO GIRÃO - O Estado de Minas
ZULEIKA DE SOUZA/CB/D.A PRESS
Gameleira é um povoado próximo ao distrito de Iguá e fica a 20 quilômetros de Vitória da Conquista, no Sudoeste da Bahia. Metade do trajeto é de asfalto. Passando os vizinhos do lugarejo de Pradoso, é só terra e cascalho até a Fazenda Casa dos Carneiros, que fica no meio da caatinga, emoldurada pela Serra da Tromba. O dono da propriedade rural é o compositor baiano Elomar Figueira Mello que neste momento supervisiona as etapas finais da construção de um teatro de ópera para nada menos que
2 mil pessoas no local, com 15 metros de boca de cena fosso para orquestra, camarins e amplificação. A casa foi batizada de Domus Operae.
É preciso ser rápido, pois dias 26 e 27 o palco que hoje está em construção abrigará a pré-estreia do Festival da Ópera Brasileira com montagem de três cenas de óperas de Elomar, seu idealizador: A casa das bonecas, O retirante e A carta, reunindo equipe de quase 100 pessoas de várias partes do país (sobretudo Belo Horizonte), entre solistas convidados, octeto vocal, orquestra, figurantes, diretores, dançarinos, assistentes e equipe de produção. A regência será divida entre Eduardo Ribeiro, da capital mineira, e o músico João Omar, filho do compositor.
Orçado em aproximadamente R$ 1 milhão, o teatrofoi pensado por Elomar há três anos e tem projeto dele próprio, que também é arquiteto. A inauguração desta semana, pensada exclusivamente para a pré estreia do festival, será parcial, já que as obras, que começaram este ano, continuarão até julho, quando haverá o lançamento do evento – o programa já está definido, com Acarta (Elomar), A noite no castelo (Carlos Gomes) e Jupyra (Francisco Braga). A inexistência de autores estrangeiros nas duas ocasiões não é obra do acaso: o palco abrigará apresentações de música erudita ou regional, desde quea música seja feita por brasileiros.
“Outros eventos do gênero privilegiam autores estrangeiros e, vez por outra, abrem espaço para brasileiros. As pessoas não fazem ideia da riqueza que temos no Brasil, em se tratando de ópera. É uma riqueza delas e elas não têm muito acesso a isso. Esse é um festival, de certa forma, educativo. Se não tivermos acesso às nossas óperas, não teremos acesso ao tesouro que nos engrandece como brasileiros. Fora da Europa não há país que seja páreo para o Brasil em produção operística”, garante João Omar, um dos organizadores do evento e presidente da Fundação Casa dos Carneiros.
Elomar terá cenas de suas óperas apresentadas em Vitória da Conquista, com regência do filho João Omar
FESTIVAL DA ÓPERA BRASILEIRA
Com cenas das óperas A casa das bonecas, O retirante e A carta, de Elomar. No Domus Operae, Fazenda Casa dos Carneiros, Vitória da Conquista, Bahia.
Ingressos: R$ 60 (inteira) e R$ 30 (meia-entrada), disponíveis na internet até dia 23. Informações: www.casadoscarneiros.org.br.
A intenção é a de que o festival seja anual e que, em breve, a Fazenda Casa dos Carneiros tenha sua estrutura utilizada para recepção e hospedagem. Por enquanto, afirma o filho do compositor, a melhor opção é usar a infraestrutura de Vitória da Conquista. As apresentações começam sempre às 20h, mas a porteira da fazenda será aberta às 17h para evitar congestionamento. Há estacionamento para carros no local e a produção recomenda levar agasalho (à noite faz frio) e usar roupas confortáveis e sapato fechado.
MONTEVERDI DO SERTÃO As óperas A casa das bonecas, O retirante e A carta nunca foram gravadas integralmente por Elomar. Algumas das árias dessas obras foram registradas nos disco Na quadrada das águas perdidas (1978) e Árias sertânicas (1992). Juntas, somarão cerca de duas horas de apresentação. Elomar estará no palco em apenas um momento, cantando durante a ária Boca das águas,
parte do prólogo de O retirante.
Para João Omar, que regerá A casa das bonecas e A carta e tocará violão em O retirante, o pai é uma espécie de “Monteverdi do sertão”: “Ele tem força inventiva na valorização dos personagens nordestinos. O vaqueiro, o trabalhador, as mulheres, o sertão, as paisagens, o boi. Não há compositor erudito que valorize o folclórico dessa maneira. É um estilo muito próprio, singelo, com modalismo presente nas melodias e liberdade em relação aos clichês operísticos. Ele celebra anti-heróis, como o vaqueiro.
Celebra valores essenciais do homem do campo e Deus. É uma obra universal”, define.
Os solistas convidados são Doriana Mendes (RJ), Fábio Belizallo (BH) e Luciana Monteiro de Castro (BH). Coreografia e dança estão a cargo de Paulo Chamone (BH). O octeto vocal é formado só por profissionais da capital mineira, assim como a orquestra, batizada de Casa dos Carneiros. Os figurantes são alunos de teatro de Vitória da Conquista. Francisco Mayrink (direção de cena), Marcelo Viana (cenografia), Victória Vieira (figurino e adereço) e Fernanda Mascarenhas (iluminação) completam o time.
“A música de Elomar tem assinatura dele. Não é fácil de ser cantada, há muitas dificuldades técnicas. Fazer o papel de uma mulher da caatinga com o canto lírico é difícil. A obra inteira dele tem dialetos do sertão. Isso causa estranhamento no público, mas a obra dele tem o poder de chegar às pessoas, o que a torna compreensível”, observa a meio-soprano Luciana de Castro, uma das solistas convidadas.
Professora de canto da Escola de Música da Universidade Federal de Minas Gerais, ela canta a obra de Elomar há 12 anos. “Acho justíssimo fazer esse festival na casa dele e para o povo, fora dos grandes teatros”, completa.
A iniciativa faz parte do projeto Cenas Brasileiras, pelo qual as três mesmas cenas desta pré-estreia foram
montadas em sete capitais brasileiras, incluindo Belo Horizonte, em 1998. Desde então, elas nunca mais foram vistas pelo público. O espetáculo será dedicado ao maestrocarioca Silvio Barbato, que morreu ano passado e seria o regente das três cenas. “Ele era amigo de meu pai e grande admirador das óperas dele. Era incentivador de tudoisso, com cabeça aberta a realizações”, diz João Omar.
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