quinta-feira, 30 de junho de 2011

Bem Aventurada Irmã Dulce de Yemanjá

Jaime Sodré

Irmã Dulce
Com Dona Leleta que mora na vileta não tem conversa, é “pão, pão; queijo, queijo”, tem aquela atitude que o intelectual chama de pragmática, ou seja, idéias próprias. Era fácil de diálogo, mas difícil era convencê-la, embora tenha uma boa alma e fé sincrética.

Na casa de Dona Nitinha, costureira da roupa do seu santo, estava ela, Leleta, envolvida em um tecido armado com alfinetes, na tonalidade branca com detalhes em azul, cores emblemáticas do culto afro, era a sua “indumentária” para a solenidade de beatificação de Irmã Dulce.

Embora achasse estranho por ser Dona Leleta do Candomblé, Nitinha caprichava em silêncio no modelo, mas na aguentou, “Lê, você é de dentro e vai para a missa de irmã Dulce?”. Respondeu: “é pobrema meu, abafe o caso, não se meta na minha semana, ‘despois’ explico”, estava ela livre das regras gramaticais, apoiada nas novas diretrizes do MEC para os falares da plebe, e expressava-se no português popular. Confesso, também esperei explicações para este ato de fé dupla.

Para Dona Leleta, como disse, não tem conversa, Dulce já era Santa há muito tempo, não necessitando dos protocolos da Igreja. Coisas de beatificação e canonização eram assuntos fora da sua compreensão, além do mais, a “Mãe dos Pobres” era mãe e acolhedora, virtudes sincretizadas e vistas por ela, Leleta, também nos atributos de Yemanjá, o que facilitava a sua devoção a Santa Dulce.

Tentei esclarecê-la sobre beatificação e canonização, inspirado no texto do padre Antonio Martins, apesar dela já ter ouvido explicações, não muito receptivas, em um programa de rádio.

Fui aos detalhes, acreditando que ela queria saber em que consistia beatificar e canonizar, logo, o que significava ser santo para o catolicismo. A santidade não é um privilégio de ninguém, é merecimento, e todos podem ser chamados a este estado evolutivo, inclusive pela via da caridade.

À santidade não se exige elevado dotes intelectuais, mas uma vida santa, crescendo em obras dignas deste merecimento. A santidade é uma possibilidade, é uma meta, porém nem todos a alcança.

Para o Direito Canônico beatificar é ato solene em que o Papa declara que um venerável servo de Deus pode ser beato. A exigência para a beatificação é a comprovação de um milagre, comprovado um segundo milagre o beato será canonizado. Tanto a beatificação quanto a canonização são decretados pelo Papa. Dona Leleta apenas disse-me “Hum! Estou satisfeita”.

Dona Leleta disse-me sim, com um riso de vitória, quando afirmei que O Anjo Bom da Bahia fez voto de pobreza e uma opção pelos pobres, e junto a eles serviu, NÃO EXCLUIA NINGUÉM.

Estava na hora dela ir ao Parque de Exposições, era tanto a ansiedade para entrar que chegara às cinco horas da manhã, sendo uma das primeiras e levara a merenda. Assistira a tudo emocionada e não se afastou, apesar da chuva, a qual atribuíra como prova de que Dulce era da linha de Yemanjá, retornara exausta e feliz.

A roupa confeccionada por Dona Nitinha resistira a tudo e não encolheu, a mesma perguntou: E aí, Lê! Como foi lá? Respondeu: “rezei por todo mundo, Irmã Dulce é um exemplo de bondade, caridade e amor”, até parecia mais um milagre, falara o português correto.

Já estava programada uma visita ao Santuário da Bem-Aventurada Dulce dos Pobres, no Largo de Roma, nada de despesas, seria com a mesma roupa branca e azul de Yemanjá, Roma era o local onde reverenciara várias vezes a Irmã, quando o cortejo da Lavagem do Bonfim passava em frente às Obras Sociais.

Encerrando a nossa conversa, dissera: “Irmã Dulce, meu filho, nunca discriminou ninguém, nem os nossos, do santo. Eu mesma levava muitos dos nossos para ela, para o hospital, ela não exigia atestado de fé católica”. Bem aventurada, exemplo de diligência, altruísmo e solidariedade pelo seu trabalho social atendendo a todos, sempre em apoio a quem estava em vulnerabilidade social. Mas o que fazer com Dona Leleta e sua duplicidade religiosa, condená-la? Tolerância também é a garantia de expressão segundo a nossa sensibilidade e fé.

Fonte: http://ailtonferreira.blogspot.com/

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