sábado, 13 de agosto de 2011

A independência também foi afrodescendente

Por: Esther Pineda G. - 2/8/2011

Esther Pineda G.
É socióloga pela Universidade Central da Venezuela (UCV), feminista, investigadora e ensaísta nas áreas de estudo do gênero e afrodescendência. E-mail: estherpinedag@gmail.com

A história passada dos afrodescendentes não foi contada, menos ainda sua história imediata. Nos dizem que “a história é contada e escrita pelos vencedores”; entretanto, é possível questionar o fato de que quem até agora tem contado nossa história foram vencedores, pois para vencer é necessário combater em condições de igualdade.

Os descendentes de africanos, ao longo do processo histórico e social, não tiveram essa oportunidade. A história que conhecemos foi definida e transmitida pelos homens eurodescendentes e detentores de recursos económicos; assim mesmo, essa história que desconhecemos também foi ocultada, invisibilizada e minimizada por eles.

O processo histórico latino-americano, tradicionalmente se constituiu em torno das premissas estabelecidas pelos europeus, que monopolizaram o poder político e econômico destas terras exploradas por eles.

Não obstante, o movimiento pré-independência se inicia com os africanos e seus descendentes, com revoltas produto do descontentamento popular e insatisfação pelas condições de vida a que foram submetidos, com sublevações diante da ordem social estabelecida, cujo critério por excelência foi a exploração e comercialização de seres humanos.

À propósito da celebração do bicentenário, se faz necessário visibilizar que o processo de independência foi um dos múltiplos episódios da nossa história que foi sequestrado e monopolizado pelos descendentes europeus, que se definiram como os únicos líderes e heróis do processo emancipatório da dominação escravista que se gestava na América.

A independência de nossos países latino-americanos e, específicamente da Venezuela, foi transmitida através da história oficial, escrita e relatada oralmente como um processo gerado, estabelecido e desenvolvido pelos eurodescendentes, nascidos em nosso país, impulsionados a libertar os seus habitantes do julgo opressor europeu.

Entretanto, a independencia não perseguía a libertação de todos os individuos que faziam parte da sociedade, pelo contrario: quem exigia o fim do controle europeu na América Latina, teve como propósito a extenção de sua clase social, e fazer-se criador e detentor do poder político, assim como, monopolizar os recursos e riquezas geradas a partir da sua exploração, que até o momento tinham se mantido em mãos européias.

Por isso, no processo de transmissão da história, se minimizou a contribuição, a influência e ativa participação dos africanos e seus descendentes, escravizados e libertos no processo de emancipação dos europeus.

A resistência em nosso continente foi europeizada e masculinizada, a liderança, o heroísmo e o escasso reconhecimento outorgado por uma sociedade excludente foi monopolizada pelo homem branco, a participação dos africanos e seus descendentes no processo desarticulador da autoridade e poder do sistema escravista foi invisibilizada e distorcida.

As mulheres africanas e seus descendentes da América colonizada e Caribe também participaram ativamente na libertação dos escravos, expressão do descontentamento popular e impulsionadora de movimentos pré-independentistas; se fizeram presentes nas lutas pela independência, no meio da batalha, do enfrentamento, tomando as armas como combatentes.

Contudo, sua resistência foi desvalorizada, mas assim mesmo reproduzida e transmitida por meio da documentação oficial e relatos orais como intervenção protetora dos homens em batalha, orientada a preparação das comunidades, da limpeza, da reparação das roupas, como de igual forma o serviço do cuidado e atenção dos feridos.

Por esas e muitas outras razões é possível afirmar que a independência não foi concluída. Os povos da América Latina tem buscado a independência, e alguns deles, tem conseguido, porém, tem sido uma independencia política, territorial, poucas vezes econômica, mas nas quais nossos países latino-americanos não tem alcançado uma independencia real.

Os afrodescendentes na América temos sido emancipados do julgo colonizador escravista europeu, fato que evidencia que continuamos submetidos a uma história e experiencia dominadora, que tem sido definida como nossa, mas que da qual temos sido excluídos e na qual permanecemos sem reconhecimento. Não obstante, a pesar do que conta a história, a independência também foi afrodescendente.

*Tradução: Dojival Vieira dos Santos
Fonte: http://www.afropress.com

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