quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

AVA "DIURNO"

AVAAVA “DIURNO” Um gesto de plasticidade e sonoridade A cena musical brasileira, em especial a carioca, recebeu com muito entusiasmo a chegada da banda AVA em 2008, assim como recebeu em novembro de 2011 o lançamento do primeiro disco do grupo, “Diurno”. O show de estreia aconteceu no palco do Cine Odeon, contando com a ilustre participação do genial Jards Macalé. Já naquele momento havia a percepção de que algo original, perturbador e inventivo ocorria nas paisagens sonoras nem sempre harmônicas e melódicas da poli(a)fônica cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Ainda em 2008, a banda realizou uma temporada de grande sucesso no Cinemathèque, comprovado pela participação de outros músicos, fluência de público e pelo juízo crítico dos que assistiram às apresentações.
Da estreia nos palcos até hoje, a banda conquistou o respeito dos seus admiradores e dos profissionais da área. Faltava ainda o que agora se transforma em realidade, a gravação do primeiro disco. “Diurno” é um lançamento da WARNER e reúne um repertório de quatorze faixas, entre composições autorais e trabalhos de outros artistas. Produzido por Felipe Rodarte, conta com a participação de músicos como Rodrigo Sebastian, Otávio Ortega e Arto Linsday. A arte e a capa têm a assinatura de Tunga. Uma palavra que ajuda a entender o espírito do grupo e do disco é: parceria. Ouvindo o CD com atenção, percebemos como as faixas se articulam e se suplementam, criando um diálogo em três níveis: sonoro, textual e imagético. A voz grave, densa e singular de Ava Rocha, cantora e compositora que lidera a banda, dá o tom do trabalho desenvolvido por ela e pelos músicos Daniel Castanheira, Emiliano Sette e Nana Carneiro da Cunha. O sopro de vida e ritmo que flui das canções se junta aos experimentalismos formais, procedimentos cênicos e potências poéticas, rasurando o silêncio com a textura das imagens que, como num quadro de Frida Kahlo, arranha e arranca, em sua materialidade, o seu próprio e in-móvel corpo. Observamos também no trabalho da banda um lugar interessantíssimo reservado à proposta de traduzir tradições. Além do envolvimento com a criação musical, poética, sonora, tecnológica, cênica e performática, a banda AVA realiza a ampla e difícil tarefa de pensar-se ao pensar a produção musical feita no Brasil hoje. Não é à toa que músicas como “Doce explosão”, “Só uma mulher”, “O futuro” e “Acorda amor”, por exemplo, composições dos membros da banda, dialogam em regime de tensão sonora e força poética com clássicos da música popular brasileira como “Movimento dos barcos” (Macalé e Capinam) e “Pra dizer adeus” (Edu Lobo e Torquato Neto). Como no intrigante conto de Clarice Lispector, “O ovo e a galinha”, a busca do mistério da criação artística, desenhando pontos de fuga específicos, abole fronteiras, ultrapassa limites, afirma a potência da “máquina desejante”, num ritual de plasticidade e violência necessárias. A galinha é o disfarce móvel e desajeitado do estático e perfeito ovo, como o ovo é o disfarce enigmático e rasurado da circularidade da forma perfeita. Não há galinha sem ovo nem ovo sem galinha. Não são mais galinha e ovo. Elas formam um duplo assimétrico, um dentro que exterioriza um fora, superfície sem profundidade diante do mais familiar de seu secreto desejo – permanecer ovo sendo galinha, viver desajeitado buscando a forma perfeita, deitar sobre o ovo sem quebrá-lo. Mas sem quebrá-lo, como criar outra forma de existência, experiência, vida, arte? A sonoridade de AVA na textualidade do OVO. É mais um traço da cartografia que a escrita das canções se propõe a nos dizer. Como não há limites nem controle entre forças criadoras, as distintas e plurais narrativas presentes em “Diurno” fazem circular os signos das culturas brasileira e latino-americana em ambientes marcados por procedimentos sonoros contemporâneos, registros do cinema, da arte sonora e da música digital mais atualizada. Esse desafiante e belo caleidoscópio resume com propriedade o trabalho do grupo. E há muita imagem a ser percorrida no errante exercício de sonoridades que a banda AVA nos propõe. É, antes de tudo, uma prática de criação e reflexão crítica que não quer e não pode cessar. Rio de Janeiro, outubro de 2011 / Júlio Diniz

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