quinta-feira, 19 de abril de 2012

Artigo - Mantenha viva sua paranóia ! Por Jorge Alfredo


No ano de 1978, de volta da Bahia, onde passou cinco meses numa fazenda em Miguel Pereira, Raul Seixas, figura bastante representativa e controvertida da nossa música popular, estava lançando pela WEA o LP Mata Virgem. Eu estava morando há três meses em São Paulo e havia conseguido um emprego no Diário de São Paulo como jornalista. Fui apresentado por Regis Bonviccino a Oliveira Bastos, dos Diários Associados, e ele me ofereceu um espaço de uma página semanal para eu escrever sobre musica popular.
Anos antes, em 1975, eu morava no Rio de Janeiro, e um dia na casa de Caetano Veloso me deparei com Raul Seixas, meu ídolo desde os anos 60, quando eu no Cine Roma via as apresentações de Raulzito e seus Panteras. A campainha tocou, e fui eu quem abriu a porta e ficou “fazendo sala” pra Raul até Caetano acordar. Ficamos conversando sobre esses tempos passados da Bahia e outras coisas mais… Em certo momento, Raul me convidou para ir até o seu apartamento, ali perto, fazer hora, e entre outras coisas, fiquei sabendo por ele do Festival de Saquarema, que iria acontecer, logo depois. Por causa de Raul, eu fui um dos que presenciaram e viveram intensamente aquela versão de Woodstock tupiniquim em 1975. Rita Lee também marcou a sua presença nos palcos de Saquarema, e arrasou…
Daí, em São Paulo, como jornalista em 1978, em busca de material para a minha página semanal no Diário, eu arrisquei e fiz um pedido a Raul, através da moça que fazia divulgação da gravadora WEA, para bater um papo comigo; ou seja, me conceder uma entrevista exclusiva. E pra minha felicidade, Raul atendeu o meu pedido. E mais; se lembrava de mim!  A entrevista publicada consolidou minha permanência no Diário e me deu ânimo para que eu fizesse uma série de outras entrevistas com grandes nomes da MPB (Caetano, Rita Lee, Elis Regina,Tom Zé). No LP Mata Virgem, Raul procura desmistificar a sua imagem de guru, aquele que dizia; “Você deve”. Nesse disco, Raul também sofre, também sente dor, é mais humano. E, em parceria com Paulo Coelho, dá um conselho típico de seu temperamento impulsivo, mas expressamente coerente com sua atividade anímica inconsciente:
“Conserve seu medo / Mantenha ele aceso / Se você não teme / Se você não ama /Vai acabar cedo /Esteja atento / Ao rumo da História / Mantenha em segredo / Mas mantenha viva /Sua paranóia.”
Muitos anos depois, em 1989, eu já mexendo com cinema, estava com Moisés Augusto e José Araripe Jr. na casa de Pola Ribeiro, em Ondina, quando soubemos da morte de Raul Seixas. Foi um silêncio sepulcral. Todos nós tínhamos Raul muito vivo, entranhado dentro de nós. É isso mesmo; com toda a redundância dos nós!  E daí, decidimos pegar a câmera e sair…   filmar a cidade no dia em que Raul morreu… um travelling car pelas ruas do Comércio do ponto de vista contra plongê, como se Raul olhasse as copas das árvores na madrugada  em que morreu. Ali, naquele trecho inevitável para quem vem de Itapagipe pro centro da cidade. Quem, senão elas, as árvores,  presenciaram mais a ginga dos quadris e os saltos altos do nosso maluco beleza! Adentramos às cabines de emissoras de rádio AM, fomos ao Aeroporto 2 de Julho para a chegada do corpo de Raul e até o Cemitério Jardim da Saudade, em Brotas, pro seu velório.
Hoje, abril de 2012, em circunstância feliz pelo lançamento do Caderno de Cinema – “um sonho que se sonha junto” –  disponibilizo para todos vocês alem da entrevista de 1978, as imagens de 1989 – inéditas – até hoje apenas são conhecidos  trechos do enterro usados recentemente no filme de Walter Carvalho “Raul – o início, o fim e o meio”. É uma edição feita por mim dias após às gravações, em 1989. Havia feito uma cópia em VHS do material bruto U-matic e levado pra casa. E com duas câmeras VHS fiz essa edição de 5min. A corte de facão e com a emoção à flor da pele. Hoje, é o único material que temos.
……………………………………
Jorge Alfredo – Depois dessa sua experiência nos mais diferentes tipos de participação dentro do ambiente musical; inicialmente com «Raulzito e seus Panteras», lá no cine Roma, em Salvador, depois como produtor de discos, cantor e compositor de sucesso e outros baratos como idealizador de uma Sociedade Alternativa, eu quero te perguntar, Raul, qual o significado desse disco «Mata Virgem» para você?
Raul Seixas - «Mata Virgem> é um disco que é quase uma salada de frutas, de coisas que eu quis fazer no passado, mescladas com coisas que eu quero fazer aqui, no presente. É também uma musica que eu fiz num retiro, não um retiro espiritual. Eu passei cinco meses na Bahia fazendo esse Lp “Mata Virgem” ficou sendo uma mescla de coisas que nunca foram exploradas antes. Por isso é que eu chamei «Mata Virgem>. Por exemplo, a música «Não Me Pergunte Porque» que já tinha sido censurada onze vezes pela Censura Federal, me pediram para mudar a letra, eu mudei e coloquei no Lp com novo nome «Todo Mundo Explica», relembrando aquela época do Lp que tem «A Maçã». Era para entrar naquele disco.
«Mata Virgem» é, principalmente, essa coisa da não gurusagem. Um LP sem compromisso com nada, tentando reconciliar o passado, o presente e o futuro, todos juntos. É um disco que tem varias facetas. Tem uma musica que foi da trilha sonora da novela «0 Rebu» que eu fiz e dei pra Alcione cantar chamada «Planos de Papel» (e cantarola) “SIM, EU PASSO SETE DIAS ÚTEIS TRAÇANDO NOVE DIAS FÚTEIS FAZENDO PLANOS DE PAPEL». Porque, naquela época eu era induzido a não desmistificar a imagem de guru, aquela que dizia: «Você deve!». Nesse Lp eu sofro também, eu sinto dor também, eu sou mais humano. É uma colcha de retalhos de coisas que eu gostaria de ouvir gravadas por mim. E esse LP quase se chamou «Raul Seixas» só. «Mata Virgem> eu coloquei por causa do título da música, porque eu gosto muito. Uma música interiorana que fala sobre a menina do interior. Uma música que eu fiz com Tânia Mena Barreto. Tem também «Judas» mostrando uma nova faceta de que todos nós somos Judas.
Jorge Alfredo - Você justifica a traição pela existência da marca sagrada da cruz. «Se eu não, tivesse traído/Morria cercado de luz/E o mundo hoje não teria/A marca sagrada da cruz»
Raul Seixas – Exatamente. Onde todos fazem as leis lá em cima, crucificam. E onde todos nós somos Judas, parte de um plano secret. Eu comecei devagarzinho, num processo lento, a tomar mais conhecimento da MPB, a tomar conhecimento de uma coisa que eu não sacava antes. Não por falta de curiosidade, mas por falta de vivência, de oportunidade.
Jorge Alfredo – Você, pela primeira vez, grava música de outros autores, não é mesmo? Quem são Eduardo Brasil e Cláudio Roberto?
Raul Seixas - O Cláudio Roberto é o compositor que fez aquele disco «0 Dia Em Que A Terra Parou» comigo. O disco inteiro é meu e de Cláudio. Um rapaz que eu conheci quando tinha assim 28 anos e ele 14 de idade (passa um avião e Raul interrompe o papo)… Logo que eu cheguei no Rio de Janeiro, eu comecei a transar com ele, conversar com ele. Ele estava assim a rês desgarrada da família… Então ele diz que eu fiz a cabeça dele. Mas. ele fez minha cabeça. Mas ele fez a minha cabeça também. Ele é surfista, sabe, então ficou aquela coisa assim subindo dentro de uma capilaridade social. O outro parceiro é Babalu (Eduardo Brasil). Eu chamo ele de Babalu. É um cara fantástico. Os dois moram numa fazenda em Miguel Pereira. E é realmente a primeira vez que eu gravei música que não fosse minha. Esse Lp é «Mata Virgem» em todos os sentidos.
Jorge Alfredo – Essa música deles fala em «cheiro de cavalo». É uma música recente?
Raul Seixas - É sim. Eles também trabalham com cavalos… Tá entendendo?
Jorge Alfredo – Esse disco é marcado pela presença da antiga parceria Raul Seixas-Paulo Coelho.
Raul Seixas - É. E nós temos um trabalho muito bonito ai pela frente, agora. Eu tenho vontade, e já estou entrando em entendimentos com a WEA, de fazer um disco logo agora em seguida. Um disco quase só de violão. Assim, eu sozinho… Assim tipo Bob Dylan…cantando coisas que ha muito tempo eu queria cantar e outras novas que estão precisando sair do baú de dentro da gente. Eu passei cinco meses na Bahia na fazenda, e de repente encontro aqui em São Paulo e no Rio no meio das feras. Eu estava assim meio afastado, não da realidade brasileira, mas do meio. E aí eu fiz uma codificação de meu trabalho antigo com meu trabalho novo. E esse é um disco completamente diferente. Um disco completamente novo. Não gosto de cair em redundância. Eu não sei direito ainda como vai ser, mas a idéia já está brotando. Essas coisas fluem, estão no ar, e a gente pega… Vai ser um disco com violão e violas.
Jorge Alfredo – Você não é muito chegado a apresentações em teatros A gente sente falta desse contato. Você pretende fazer excursão com «Mata Virgem»?
Raul Seixas – Pretendo sim. E baseado também nesse outro disco que eu quero fazer. Isso tudo junto com o lançamento do livro «O Verbalóide» que finalmente eu vou lançar pela Civilização Brasileira. Isso vai ser depois do carnaval. Em São Paulo, no Rio e em Salvador. Eu quero ligar as três coisas… Trazer resquícios de “Mata Virgem”, com a veemência desse novo trabalho que eu estou querendo fazer.
Jorge Alfredo – E aquela história de se candidatar a Dep.Federal?
Raul Seixas – Eu fui induzido a não me candidatar. Eu ia, sim. Mas, acharam melhor eu me afastar desse negocio.
Jorge Alfredo – O que você tem ouvido? Você está gostando de ouvir o que, atualmente?
Raul Seixas – Gostei do disco de Milton (Clube de Esquina n2) e gostei do disco novo de Chico que eu ouvi em fita. Gostei muito. É um caso parecido com o meu, assim, de gravar coisas que estavam muito tempo sem poderem ser gravadas, junto com coisas novas.
Jorge Alfredo – E o que mais?
Raul Seixas  – Eu estava no mato, rapaz! Continuo na expectativa de ouvir coisa nova do Jonh Lennon, que nunca mais pintou nada.
Jorge Alfredo - Uns três anos, não é?
Raul Seixas – É. Ele está em Tóquio, entocado. O negócio da Sociedade Alternativa eu tenho vontade de colocar de novo em pé. Porque foi castrado na época e fomos obrigados pelas circunstâncias a nos afastar um pouco.
Jorge Alfredo – Você vê boas perspectivas pra quem faz arte, com essa abertura política?
Raul Seixas - Vejo. Vejo, sim. Vejo boas aberturas. Não tem pintado nada. Talvez eu não tenha ouvido, mas eu tenho ouvidos abertos para essas coisas que estão acontecendo. E dentro de um momento como esse não está acontecendo nada! Eu acho que é o momento exato de se fazer coisas concretas. Coisas positivas e fortes. Porque nós estamos angariando mais votos. Eu vejo coisas bonitas acontecendo mas sem muito pique. Acho que está faltando um pouco mais de Gilberto Gil, um pouco mais desse disco novo que eu estou querendo fazer… Foi uma abertura que veio assim de susto. Sabe aquele gol de susto?
Então, as pessoas estão se acertando, conciliando as coisas devagar, colocando os pontos nos is. Acho que essa abertura política vai ser muito produtiva pra gente. Eu pelo menos, estou querendo fazer coisas que eu fazia antes, numa época que não era muito adequada, e agora que existe essa… como é o nome?
Jorge Alfredo – Distensão, do presidente Geisel.
Raul Seixas  – É. Acho que a gente pode colocar uma coisa mais forte, porque o povo está conosco. Está todo mundo do lado da gente.
Jorge Alfredo – Eu soube, que você é co-autor de “Arrombou a Festa”, sucesso nacional de Rita Lee e Paulo Coelho. Como é essa história?
Raul Seixas – Quando a gente faz uma música junto, que um participa, que outro participa, aí vai o outro e termina com outro artista… a gente não liga, mas eu tenho participação naquela música. Ninguém cobrou nada de ninguém, sabe, eu disse isso que estou dizendo pra você. “Arrombou a Festa” era uma música que eu ia gravar, mas Paulo acabou terminando a música com a Rita. Foi uma idéia que surgiu entre nós, primeiro. Não quer dizer que eu tenha feito metade da letra, nada… Foi aquela idéia.
Jorge Alfredo – A idéia de fazer uma música em cima de “Festa de Arromba” de Roberto e Erasmo?
Raul Seixas – Exatamente. Uma idéia de música de rock.
Jorge Alfredo – E o rock? Como vai o rock?
Raul Seixas – Rapaz! Estou cada vez mais desgostoso com esse rock que está rolando hoje em dia.
Jorge Alfredo – Porque assim?
Raul Seixas - Acho que estou ficando muito velho pra esse rock ou esse rock está ficando muito velho pra mim. Você está entendo?
Jorge Alfredo – Você pode falar mais sobre «0 Verbalóide”, esse livro que você vai lançar?
Raul Seixas - Posso sim. É um livro bem parecido com aquele livreto que nós fizemos em 73, 74, e distribuímos nas portas dos shows. É um livro pra crianças. Mas não tipo «Pequeno Príncipe» de Saint Exupéry, que é um livro supostamente feito para crianças. As ilustrações também são minhas. Eu pretendo lançar pela Civilização Brasileira.
Jorge Alfredo – Você gostaria de falar mais alguma coisa?
Raul Seixas – Eu quero dizer que eu gostaria de renovar de novo. É tão fácil deixar as coisas de lado… «ah, ninguém pode mudar esse mundo” Pode, sim. Cada vez que você lança um disco, cada vez que você lança um livro, cada coluna que você tem no jornal, cada espaço em branco, cada sulco em branco, é um motivo que leva você a modificar alguma coisa, a conquistar alguma coisa. Depende de como é dito, de como é feito e depende da época em que está sendo feito. A juventude, hoje, acho que está sabendo quando e como pode fazer e atingir e quais são as palavras escolhidas e qual a maneira de dizer as coisas, em vez de dormir em sleeping-bag…
Jorge Alfredo – Agora dançamos nas discoteques.
Raul Seixas – Com John Travolta, que você fala. É… Isso é um tapa olho pro Caos. Mas prum Caos necessário. Um Caos que é uma premonição de uma nova época que sempre está vindo.É irredutível.
Jorge Alfredo – Eu acho que assim como a pornochanchada teve um papel importante nesse pique novo que o cinema nacional está tomando, o gênero discoteque, assim como tantos outros modismos musicais podem ter um papel positivo, a depender de como são absorvidos.
Raul Seixas - É , isso tem varias implicações, mas «Mata Virgem” é um disco bom!

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