sexta-feira, 27 de abril de 2012

A Bahia como referência por Sérgio Guerra


Agora como cidadão baiano, legitimado pelo título que me foi concedido pela Assembleia Legislativa, iniciativa do Deputado Jean Fabrício, redobro a minha preocupação em torno dos problemas que estão aí à nossa frente,
sem que façamos nada de verdadeiro e radical para superá-los. Ou fazemos algo de concreto ou estamos andando a largos passos para a convulsão social, para o agravamento do quadro de violência galopante que tem dominado a Bahia nos últimos anos.
Quais são as prioridades do nosso Estado? Construir uma ponte para ligar uma cidade em crise a outras mais decadentes? Isso pode ser prioridade quando ainda falta saneamento, escolas, saúde, qualidade de vida, principalmente para as camadas sociais nas quais estão, em sua imensa maioria, a população negra?
A prioridade de um governo tem que ser a de servir ao cidadão. Hoje, exatamente como antes, a prioridade é a política. Ao serem eleitos, os governantes preocupam-se legitimamente em ter maioria e garantir a governabilidade. Afinal, precisam dela para cumprir o que prometeram. Mas a governabilidade acaba se tornando um valor em si. Os governantes deviam fazer política para governar, e governar bem.
A Bahia sempre inovou na cultura revelando grandes artistas e pensadores e não podemos nos deixar atropelar por uma política nacional que não dá conta da nossa singularidade, dos nossos problemas, das nossas riquezas e mazelas, historicamente pautadas pelas fissuras produzidas pela escravidão e perpetuadas pela falta de políticas reparadoras.

Em vez de ficarmos a reboque de um entusiasmo desenvolvimentista, sem sustentação na realidade, podemos fazer e dizer ao Brasil: olhem para a Bahia, vejam o quanto a política no Estado fez para criar uma sociedade justa e democrática, sem alimentar rancores e tampouco sem se contentar com os mitos de um sincretismo que supostamente nos faz iguais. Para haver igualdade de direitos é preciso que haja igualdade de oportunidades. Mas o que existe são mecanismos de exclusão que, se não são diretamente raciais, contribuem para que negros e mestiços permaneçam em posição subalterna.

Salvador é majoritariamente negra e mestiça. Mas esta identidade precisou ser defendida ao longo de muitas gerações, para que fosse reconhecida e aceita por uma sociedade que se comprazia em parecer mais branca.
Muita coisa mudou desde o tempo em que os terreiros de candomblé eram objeto de repressão policial. Mas ainda aí está a intolerância manifestada.

Não há como não reconhecer que esta cidade cada vez mais se reconhece no espelho de uma cultura mestiça, na qual os negros são os protagonistas. Na aventura civilizatória chamada Bahia, negros e mestiços deram o tom, marcaram o traço que nos distingue e nos faz singulares ao lado dos demais brasileiros.

Somos orgulhosamente negros em âmbitos diversos das artes, da cultura, da religiosidade, mas ainda pouco no exercício da cidadania, no acesso aos bens materiais, no usufruto dos espaços físicos da cidade, na presença em instâncias de decisão, na partilha do poder econômico e político.

Não é por acaso que a última vez que esta cidade teve um prefeito negro foi por indicação há trinta anos. A partir de 1985 voltamos a votar e nesses 27 anos não elegemos nenhum prefeito negro. Nada contra prefeitos brancos, mas parece estranho que, numa cidade com mais de 80% da população negra e mestiça, a identidade cultural e étnica não tenha repercussão no voto. E antes do voto, na existência de um número mais significativo de lideranças negras pleiteando o exercício da atividade política formal. Há ainda poucos negros na atividade política, talvez pelos mesmos motivos que são ainda poucos nas universidades, nos melhores empregos, nos cargos de decisão.

Chega deste desequilíbrio. Que tipo de sociedade queremos? Proponho uma política de reparação para a Bahia que seja referência para o Brasil. Penso que esta é a maior vocação de Salvador, assumir a sua cor, a sua
história, as suas origens, sem temor e sem omissão. Não podemos corrigir erros, se não admitirmos que eles existem. Na escola, nos postos de trabalho, no Legislativo e no Executivo a Bahia precisa ser o espelho da sua gente e não o será enquanto as boas cadeiras nesses setores forem ocupadas majoritariamente por brancos. Que cada um de nós faça a parte que lhe cabe.

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