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Evento reuniu representantes de comunidades tradicionais - Foto: CPT |
“Nós não precisamos de bolsa família, precisamos ter nosso território livre”, afirmaram indígenas, quilombolas, ribeirinhos, fundos de pasto, seringueiros, entre outros, durante seminário
da Redação
Os representantes de comunidades tradicionais que participaram, desde a segunda-feira (25), do seminário “Os Territórios das Comunidades Tradicionais e o Estado Brasileiro”, reafirmaram, de forma unânime, que sua principal luta é a garantia de seus territórios.
“Nós não precisamos de bolsa família, precisamos ter nosso território livre”, afirmaram indígenas, quilombolas, ribeirinhos, fundos de pasto, seringueiros, entre outros, durante o encontro realizado em Luiziânia (GO), que terminou nesta quinta-feira (28).
Durante o evento, os representantes das comunidades tradicionais falaram da consciência sobre a sua participação na produção de alimentos saudáveis para o país, bem como peixes e frutos do mar. Entretanto, relataram que ainda enfrentam dificuldades em ter a garantia de seu território tradicionalmente ocupado e local de produção.
Os participantes do seminário estiveram reunidos, na tarde de quarta-feira (26), com o advogado do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Adelar Cupsinski, para debater e tirar dúvidas sobre o direito ao território que ocupam. Segundo o advogado, o Estado brasileiro sempre restringiu os direitos dos povos e comunidades tradicionais, mesmo após a promulgação da Constituição de 1988. Há na Constituição, entretanto, diversos artigos que garantiriam os direitos dessas comunidades. Os artigos 231 e 232 da Carta Magna, por exemplo, reconhecem o direito dos povos indígenas de manterem sua própria organização social, costumes, línguas, crenças e tradições. E, dentro desse contexto, garantem o direito ao território tradicional.
Segundo Cupsinski, para uma comunidade tradicional a ocupação do território vai muito além da terra como modo de produção. Há vários elementos que permeiam a cultura desses povos e os relacionam, de formas diferentes, ao território que ocupam. Além de poderem viver com liberdade, devem ser garantidas a eles dignidade e identidade. “Dignidade é tudo aquilo que não tem preço: não se vende e nem se compra”, completou o advogado.
Participaram do encontro indígenas, quilombolas, ribeirinhos, fundos de
pasto, seringueiros, entre outros - Foto: CPT
O advogado lembrou ainda que a Constituição Federal também assegura o direito dos camponeses e camponesas à terra, e a própria realização da reforma agrária. Os artigos 184 e 186, respectivamente, que garantem a desapropriação para reforma agrária das terras que não cumprem sua função social, são um exemplo disso.
No entanto, o advogado ressaltou que as normas constitucionais não bastam se o governo não atuar para que essas leis e emendas sejam respeitadas. No encerramento do seminários, os representantes das comunidades tradicionais divulgaram o documento final do encontro. Confira abaixo:
Carta dos Povos e Comunidades Tradicionais
O mundo está doente; precisa de cura” (Ninawa, Hunikui, Acre)
No âmbito dos eventos da V Semana Social Brasileira e do Encontro Unitário dos Povos do Campo, das Águas e da Floresta, nós, povos indígenas, quilombolas, pescadores artesanais, seringueiros, vazanteiros, quebradeiras de coco, litorâneos e ribeirinhos, comunidades de fundo e fecho de pasto e posseiros de todo o Brasil, mulheres e homens de luta, nos encontramos em Luziânia GO, nos dias de 25 a 28 de fevereiro, para partilhar cruzes e esperanças e repensar as nossas lutas frente ao avanço cada vez mais acelerado e violento do capital e do Estado sobre os nossos direitos.
Vivemos o encontro como um momento histórico, que confirma a realidade indiscutível de uma articulação e aliança entre povos indígenas, quilombolas, pescadores artesanais e camponeses. O diálogo entre povos e comunidades que expressam culturas e tradições diferentes, frequentemente marcadas por preconceitos e rejeição, volta-se para a defesa e reconquista dos nossos territórios. Este é o processo que unifica sonhos e estratégias na construção de um País diferente que se opõe à doença capitalista do agro e hidronegócio, mineração, hidroelétricas, incentivada e financiada pelo Estado, em nome do chamado desenvolvimento e crescimento do Brasil.
Não nos deixaremos curvar pelo avanço insaciável do capitalismo com o seu cortejo de políticas governamentais nefastas e genocidas. Território não se negocia não se vende não se troca. É o espaço sagrado onde fazemos crescer a vida, nossa cultura e jeito de viver, nos organizar, ser livres e felizes. “Territórios livres, já!!!”.
“A senzala não acabou. Ficamos livres das correntes e dos grilhões, mas continuamos presos ao cativeiro do sistema”. (Rosemeire, Quilombo dos Rios dos Macacos, Bahia)
Constatamos, mais uma vez, com dor e angústia, o retrocesso armado pelos três poderes do Estado para desconstruir, com leis, portarias, como a 303, PEC 215, ADIN 3239, e decretos de exceção, a Constituição, que garante, em tese, os nossos direitos territoriais e culturais. É revoltoso e doído o que estamos passando nas nossas aldeias, quilombos e comunidades: nossos territórios invadidos, a natureza sendo destruída, nossa diversidade cultural desrespeitada e a sujeição política via migalhas compensatórias. Querem nos encurralar! Sofremos humilhações, violências, morte e assassinatos, o que nos leva a tomar uma atitude.
O primeiro passo para uma verdadeira libertação do cativeiro a que estamos submetidos, é continuar o diálogo intercultural, para conhecermos melhor nossas diversidades, riquezas e lutas. Segundo passo é encontrarmos estratégias de unificação de nossas pautas para a construção de uma frente unificada, que possa se contrapor, com eficácia, ao capital e ao Estado, a partir de mobilizações regionais dos povos indígenas e das populações do campo, das águas e da floresta.
Estamos de olho nas ações dos três poderes do Estado brasileiro, para nos defendermos do arbítrio da desconstrução dos direitos e da violência institucional e privada.
Diante da total paralisia do Governo Dilma em cumprir a Constituição e na contramão da legislação internacional (OIT 169) que decretam o reconhecimento dos direitos dos povos indígenas e das populações tradicionais, exigimos a imediata demarcação e titulação dos nossos territórios.
Acreditamos que a nossa luta, na construção de projetos de Bem Viver, é sagrada, abençoada e acompanhada pelo único Deus dos muitos nomes e pela presença animadora dos nossos mártires e encantados. (com informações da Comissão Pastoral da Terra - CPT)
Fonte: http://www.brasildefato.com.br
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