quinta-feira, 7 de março de 2013

Segredos de um povo ancestral africano pelo olhar de um brasileiro apaixonado por Angola e sua gente

Vista por mais de 200 mil pessoas no Brasil, com temporadas em Lisboa e Luanda, mostra “Hereros – Pastores ancestrais de Angola”, de Sérgio Guerra, ocupa o Centro Cultural Conde Duque, em Madrid, a partir de 14 de março. 

Dono de um dos mais completos acervos de imagens da cultura angolana, o renomado fotógrafo e publicitário Sérgio Guerra exibe em Madrid um panorama minucioso de suas expedições ao país africano, mais propriamente de seus registros dos hereros, o mais antigo grupo étnico do continente. Com curadoria do artista plástico brasileiro Emanoel Araujo, e curadoria associada do espanhol Amador Griñó Andrés a bem-sucedida “Hereros – Pastores ancestrais de Angola”, originada do livro homônimo do artista (Editora Maianga, 2010) aporta no Centro Cultural Conde Duque, de 14 de março a 12 de maio. Visto por mais de 200 mil pessoas em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília – com passagens também por Lisboa e Luanda –, o painel apresenta 60 fotos em grandes formatos acompanhados por uma cenografia repleta de vestimentas, adereços e objetos de uso tradicional e ritualístico da etnia, traçando um amplo registro de seu modo de vida e tradições. 

Fruto da paixão que o fotógrafo desenvolveu pela cultura do país africano, quando ficou à frente da comunicação do governo angolano, há mais de 15 anos, a exposição traz ainda depoimentos em vídeo colhidos entre homens, mulheres e jovens hereros sobre a sua cultura. O repertório de imagens e sons reunidos na mostra levam o espectador ao universo da etnia, composta por pastores de hábitos seminômades, que são exemplo da perpetuidade e resistência de uma economia e cultura ancestrais ameaçadas pelo acelerado processo de modernização e ocidentalização dos países do continente, assim como pela devastação da guerra civil que assolou o país por décadas. Através da iconografia, registros materiais e multimídia sobre o povo herero, sua tradição e seus rituais, a mostra contribui para o conhecimento de um mundo que já não existe. Um mundo de antigas novidades que desafiam o nosso tempo e a nossa lógica. 

Os hereros 

O contato inicial de Sérgio Guerra com os hereros causou impacto imediato no artista. ‘“Quando os vi pela primeira vez, foi como se uma porta da minha percepção tivesse sido aberta para algo que sabia existir, mas hesitava em acreditar”, recorda. O ano era 1999, durante uma viagem às províncias de Huíla e Namibe para as gravações do programa para televisão Nação Coragem, que levava aos angolanos desde notícias de guerra a informações sobre a cultura do país e suas populações. Naquela excursão, Guerra registrou imagens dos mukubais, um dos subgrupos dos hereros. Sete anos depois, retornou à Namibe e descobriu outros subgrupos: os muhimbas, os muhacaonas, os mudimbas e os muchavícuas. “Comecei a entender que aqueles povos, apesar de terem aparências muito diferentes, eram todos da mesma raiz, da mesma família”, explica. 

Os hereros fazem parte de uma expansão Bantu de cultura pastoril e hoje vivem entre a Namíbia, Angola e Botsuana. Chegaram ao atual território de Angola por volta do século XV, e ocupam hoje a região semidesértica de pastagens naturais, mas de chuvas escassas e breves, das províncias do Cunene e Namibe, no Sudoeste de Angola. Toda a sua vida cultural se constrói com referência à sua relação com o boi e com o meio circundante. 

Em Angola, durante toda a primeira metade do século passado, os hereros sofreram a perseguição das autoridades coloniais, que os forçou a trocar o gado e o nomadismo pela agricultura e uma vida sedentária. Resistiram ao encalço e ao degredo, retomando as suas tradições ancestrais. 

Na Namíbia, resistiram à escravidão e se opuseram à dominação alemã, ação que os tornou vítimas de um dos maiores genocídios da história. Em 1904, o general Lothar von Trotha ordenou as tropas alemãs ao cumprimento de uma “ordem de extermínio” e dizimou cerca de 80 % da população dos hereros. 

Na convivência com os hereros, o fotógrafo percebeu que os próprios angolanos sabiam muito pouco sobre essa etnia e sequer conseguiam distingui-los. “Descobri que, para além da minha atração por estes povos, poderia ser útil, de alguma maneira, se pudesse partilhar com um número maior de pessoas tudo aquilo que me foi dado a conhecer sobre eles”. 

Apesar da distância geográfica que separa os subgrupos, todos falam o idioma herero, além de português em Angola, inglês em Botsuana e inglês e africâner na Namíbia. Para conhecer mais de perto o modo de vida da etnia, Guerra passou uma temporada vivendo dentro das comunidades e observando suas práticas cotidianas. “Vi que mesmo diante da escassez dividem sempre o alimento com os demais. Eles cultivam a solidariedade, evitam o egocentrismo e praticam uma economia familiar de grande inteligência, sempre voltados para a ampliação de um patrimônio cujo usufruto é sempre coletivo. Vi que honram e festejam os seus antepassados e que praticam com grande eficácia a justiça, coibindo infrações com pesadas multas que, além do prejuízo econômico, também representam uma reprimenda moral”. 

O autor 

Fotógrafo, publicitário e produtor cultural, Sérgio Guerra nasceu em Recife, morou em São Paulo e no Rio de Janeiro, até se fixar na Bahia nos anos 80. A partir de 1998, passou a viver entre Salvador, Rio de janeiro e Luanda, onde desenvolve um programa de comunicação para o Governo de Angola. Em suas constantes viagens pelo país, testemunha momentos decisivos da luta pela paz e reconstrução, constituindo um dos mais completos registros fotográficos das 18 províncias angolanas. Seu acervo fotográfico propiciou a publicação dos livros 'Álbum de família', 2000, 'Duas ou três coisas que vi em Angola', 2001, 'Nação coragem', 2003, 'Parangolá', 2004, 'Lá e Cá', 2006, 'Salvador Negroamor', 2007, ‘Hereros-Angola’, 2010 e e a montagem das exposições 'As muitas faces de Angola' – Brasília (Congresso Nacional), Salvador (Shopping Barra), São Paulo (Centro Cultural Maria Antônia), 2001; 'Nação Coragem' – São Paulo (FNAC Pinheiros, 2003), Zimbabwe (HIFA, Harare International Festival Arts, 2008); 'Lá e Cá' - realizada na Feira de São Joaquim, a maior feira livre da América Latina, tendo as bancas dos comerciantes como suporte da exposição, Salvador, 2006; 'Salvador Negroamor' - toda ela dedicada às pessoas que vivem na periferia da cidade, destacou-se como a maior exposição fotográfica a céu aberto que se tem registro até hoje, com aproximadamente 1500 painéis espalhados na cidade, Salvador, 2007; 'Mwangole' – Salvador (Galeria do Olhar, 2009); 'Hereros-Angola' – Luanda (Museu Nacional de História Natural), Lisboa (Perve Galeria), 2010, São Paulo (Museu Afro Brasil) e Brasília (Museu Nacional da República), 2011. 

O curador 

Emanoel Araújo é escultor, desenhista, gravador, cenógrafo, pintor, curador e museólogo, nascido em Santo Amaro da Purificação, na Bahia, a 15 de novembro de 1940. Em Salvador, formou-se em Belas Artes e foi diretor do Museu de Arte da Bahia. Lecionou artes gráficas, desenho, escultura e gravura na City College University of New York. Em Brasília, foi membro da Comissão dos Museus e do Conselho Federal de Política Cultural, instituídos pelo Ministério da Cultura. Já em São Paulo, foi Secretário Municipal de Cultura, e Diretor da Pinacoteca do Estado, onde liderou uma gigantesca reestruturação nos anos 90, transformando o prédio em um dos principais museus do país e um dos roteiros turísticos culturais da cidade. 

Emanoel Araújo é considerado um extraordinário escultor e já realizou várias exposições individuais e coletivas por todo o Brasil, Europa, Estados Unidos e Japão. Como não podia deixar de ser, recebeu diversos prêmios em todas as técnicas trabalhadas. Suas obras tridimensionais se destacam pelas grandes dimensões, pelos relevos e pela formas integrantes nas edificações urbanas. Seu estilo – mesmo sendo único – dialoga com movimentos artísticos de toda a história, mas sempre com ênfase nos detalhes que descrevem e valorizam as características africanas. 

Hoje, é Diretor Curador do Museu Afro Brasil, do qual foi idealizador e doador de grande parte do acervo. 

Serviço: 

Informações para a imprensa: 

Maianga Produções 

maianga@maianga.com.br

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