RAFAELA CARRIJO: "Bem-aventuradas as mulheres do século passado, nossas atuais avós, que saboreavam sem culpa delicadas sobremesas, sem ter que pensar na ditadura da beleza”.
Foto: Thinkstock |
Por RAFAELA CARRIJO
Não há coisa mais tentadora que uma vida açucarada e morar na Alemanha é confrontar diariamente com este desafio. Para quem costuma brigar com a balança, cuida ativamente do corpo ou segue à risca uma alimentação saudável, o país não é o melhor endereço. Agora, se você, como eu, é uma formiga por natureza e, volta e meia, se desliga das regras e esfria a cuca com sorvete só para passear pelo fabuloso mundo do açúcar, certamente terá férias adocicadas nesse destino. O país cheio de fábricas de chocolates, confeitarias e padarias sempre oferece de bandeja pedaços de bolo, doces recheados, nozes caramelizadas e outras guloseimas quaisquer.
Aqui, principalmente durante o inverno, o corpo está sempre clamando por energia, numa insistência quase devota para degustar o tal do amado e odiado açúcar. Claro que depois de atacar um pote de Nutella, aquela massa cremosa de chocolate com avelã, acabo brigando comigo mesma e pergunto à tal da gula: “Por que as pessoas não têm apenas desejos por espinafre ou cenoura?”. Aí encontro uma desculpa qualquer, pautada inclusive em explicação científica, e acabo fazendo as pazes com minha porção faminta. Relaxo e aceito que as pessoas precisam de doces de vez em quando.
Karin Lobner, cientista de nutrição em Viena, afirmou no jornal: "Quando o corpo ou a mente estão esgotados, alimentos ricos em energia são sempre a primeira escolha e como açúcar dá energia e é viciante, acabamos nos rendendo a ele". Pois bem, como eu sou mulher e tenho assumidamente frescuras femininas como a terrível TPM, nesta fase esquisita garimpo com colheradas o lado doce da vida.
O que eu estou fazendo aqui não é uma apologia ao açúcar, pois como toda jovem senhora também temo os seus escravizantes males. Sei que não é muito saudável, engorda, é perigoso para os diabéticos, mas vamos ser realistas: o cristalzinho branco dá um prazer danado! Por isso, como não estou disposta a tirar o doce veneno da minha vida, já fiz um trato pessoal de reduzir as doses e deixar para saboreá-lo aos finais de semana ou quando os hormônios resolverem bagunçar meu humor. Aí sim, me permitirei desejar o mel das abelhas sem pudor ou sem limites.
Bem-aventuradas as mulheres do século passado, nossas atuais avós, que saboreavam sem culpa delicadas sobremesas, sem ter que pensar na ditadura do corpo esbelto. Sou perdidamente apaixonada pelo lado melado da vida, mas sempre que posso tento saboreá-lo nas frutas. Sigo os conselhos dos especialistas em saúde e procuro o gosto na natureza. Só que longe do meu país tropical, sem manga rosa, pinha, abacaxi azedinho, mamão, jaboticaba e suculentas tangerinas, só me resta o mundo das tortas e dos chocolates.
No tráfego viciante dos doces eu trouxe para as línguas europeias brigadeiro, pudim, pamonha, cocada, paçoca de amendoim e uma receita de família que nocauteia qualquer bombom alemão: o arroz doce da vovó Zezé. Ele faz parte das memórias cremosas da minha infância e é sinônimo de mimo, pois é isso que as avós oferecem de melhor aos netinhos, um mimo açucarado, que fermenta a alegria e ninguém mais no mundo é capaz de dar.
Minhas amigas alemãs guardam outras doces lembranças que as fazem pensar na “Oma”, “avó” em alemão. Os reponsáveis por liberar a prazerosa serotonina no cérebro dessas meninas são a bola de neve que é uma massa açucarada coberta com chocolate (Schneballen), o bolo de queijo (käsekuchen), e a apetitosa Floresta Negra (Schwarzwälder Kirschtorte). A torta criada entre os mitos e a penumbra da mata escura, feita com chocolate e coberta por cerejas e natas, é para mim o melhor sinônimo alemão de mimo na boca.
Se quiser conhecer um duelo de dar inveja às formigas e às abelhas, clique na galeria e confira a receita do arroz doce da vovó e da secular torta alemã, a verídica floresta negra.
* Rafaela Carrijo é uma contadora e ouvinte de histórias. Brasileira com orgulho e andarilha por destino, adotou a Alemanha como pátria por paixão. Como repórter, a encanta ouvir os entrevistados e investigar a realidade para transformar fatos em notícias. Como narradora, a inspira contemplar detalhadamente o mundo para estampar nos seus textos preciosidades de suas andanças. Fascinada por descobertas, a escrita é sua ferramenta para alimentar pessoas com sonhos e um punhado de narrativas. (http://rafaelacarrijojeckle.blogspot.de/)
Fonte: http://estilo.br.msn.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário